Na
quadra natalícia, o olhar dos cristãos dirige-se para a gruta de Belém e foca-se
em especial no berço em que foi reclinado o corpo do Menino Infante. É óbvio que,
dado que a gruta não era um palácio nem sequer uma casa, mas um estábulo de animais,
o berço também não era berço de ouro ou berço de gente normal, mas a manjedoura
de animais.
Quando
nós falamos de presépio, poderíamos referir-nos à manjedoura ou à gruta, mas
temos em conta – e bem – todo o cenário que emoldura o lugar do nascimento de
Jesus, com as figuras dos anjos (os primeiros cantores
do Natal) e dos
pastores, os primeiros visitantes e adoradores. Mas focamo-nos sobretudo no
Menino com a Mãe e José. No entanto, o presépio cristão é humano e lá constam
também as figuras humanas representativas de todos os tempos e, em especial, os
que vêm de longe, figurados nos magos que ofereceram incenso, ouro e mirra (vd
Mt 2,12). Mas o
presépio também é cósmico e dele fazem parte a água, as pedras, os musgos, as árvores,
as fontes e os rios, com suas pontes, os caminhos, os montes, os vales e os
animais, nomeadamente as ovelhas e os cordeiros dos pastores e, ainda, o burro
e a vaca, que Bento XVI não expulsou do presépio, como dizem os que não leram os
seus livros sobre Jesus de Nazaré, mas apenas que os evangelhos não mencionam
esses animais.
***
Em
todo o caso, gostaria de fazer uma reflexão sobre o significado menos imediato
da manjedoura. A manjedoura aparece como o berço de Jesus na gruta onde se
recolhiam animais, que serviam de transporte e outros apoios aos forasteiros na
sua ida a Belém. Isto, porque, segundo o evangelista Lucas não havia lugar nas
hospedarias belemitas para Maria e José e, consequentemente, para Jesus (cf
Lc 2,7). Todavia, o significado
da manjedoura ultrapassa o circunstancialismo evocado. Tanto assim é que os
anjos assumiram como sinal do nascimento do Salvador, a dar aos pastores, o
encontro de um menino envolto em panos e reclinado numa manjedoura (cf
Lc 2,12). Com efeito,
diz-nos o evangelista que Maria, completados os dias de dar à luz, teve o seu
filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura (cf Lc
2,6-7).
Lucas
utiliza a palavra φάτνη (fátne), que significa tanto o “estábulo” como a “manjedoura”,
conforme o contexto. Ora aqui, significa “manjedoura”. E “manjedoura” é uma espécie
de tabuleiro fixo coloca a comida aos animais.
Sendo
assim, a manjedoura de Belém é um expositor de Jesus que José e Maria contemplam
com ternura, cantam os anjos do céu e visitam e adoram os pastores. Mas a manjedoura,
que era lugar de exposição de alimento a animais famintos, não perdeu esta
função alimentar. Tem é de ser entendida como prefiguração da mesa da ceia em que
o Senhor, na véspera da sua Paixão, expôs o pão e o vinho – seu corpo e sangue –
entregues pela multidão dos homens e Se deu em alimento. Já não se trata da manjedoura
em que o Menino repousa em palhinhas, com frio neutralizado pela ternura da mãe
e do pai adotivo e quiçá pelo bafo de animais, mas o Mestre e Senhor que sobre
a mesa da ceia dá graças ao Pai, e, em sinal de aliança nova e eterna, Se
entrega em alimento e em comunhão de caridade fraterna, tornando-se amigo e
tornando seus amigos os discípulos.
A
manjedoura é figura do altar do sacrifício de comunhão – mesa de refeição e
cruz – que, unindo Céu e Terra e abraçando os quatro cantos do mundo, ostenta o
Cristo crucificado a entregar-Se ao Pai e a derramar sangue e água do seu lado
adormecido (vd Jo 19,31-35),
donde nasce e onde se alimenta a Igreja como da mesa celeste.
Não
é verdade que o sacrifício de comunhão (ou pacífico: zebah shelamîm) veterotestamentário intentava a
comunhão com Deus dando-Lhe graças, incluía a imposição das mãos, a imolação da
vítima e o derramamento de sangue sobre o altar, sendo que a parte melhor era
pertença de Deus e, das outras, uma era para o sacerdote e outra para o
oferente ou oferentes (Lv 3,1-17)?
Então,
a manjedoura tem um significado futuro eucarístico, sacrificial, de imolação, de
dádiva, de comunhão. O homem que olhe para a manjedoura de Belém tem de passar a
focar-se na ceia (vd Lc 22,14-20) e na cruz (vd
Lc 23,44-49) para
ter a possibilidade de participar na bênção e na fração do pão à semelhança dos
discípulos de Emaús (vd Lc 24,13-32). A manjedoura é, por
antecipação, símbolo da mesa da eucaristia, da Cruz – em que Cristo dá a vida
pela vida do mundo – e da Igreja, que dá Cristo em comunhão e conduz os homens
a Cristo.
Por
seu turno, φάτνη como estábulo, redil ou gruta há de significar lugar propício
ao retempero de forças, à adoração/contemplação, ao exercício da ternura, e
abrigo onde se ganha força para o apostolado, refúgio onde a Igreja, sob a proteção
de Maria e de José, recebe e oferece o conforto de Cristo, espaço onde se entra
em comunhão e intimidade e onde o alimento sabe melhor.
Não
é verdade que o Natal, início da encarnação, se dirige à redenção, à cruz, à comunhão,
à Igreja, ao mundo? Não é verdade que o Natal é o grande apelo à fé e o signo
da esperança?
2015.12.14 –
Louro de Carvalho
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