Na Índia festejou-se a notícia emanada da Santa Sé da
iminência da canonização da Beata Teresa de Calcutá. Grande entusiasmo e
sentido de gratidão perpassam as comunidades das Irmãs Missionárias da Caridade,
fundadas por ela, e enorme alegria sentem outras pessoas que viveram próximas
da futura santa e que nutrem forte admiração e intensa devoção por ela. A este
respeito, o arcebispo de Calcutá, Monsenhor Thomas D’Souza, declarou à Agência Fides, sublinhando vincadamente o
sentimento de alegria, a atitude de agradecimento dos crentes e o seu
entusiasmo:
“Viveremos
um Natal especial. Recebemos com imensa alegria o grande dom da notícia de
canonização de Madre Teresa. Estamos profundamente agradecidos a Deus e ao
Santo Padre Francisco. A comunidade católica em Calcutá está numa atmosfera de
grande entusiasmo”.
Além disso, o prelado da capital e maior cidade do Estado
de Bengala Ocidental, na Índia, acredita que Santa Teresa, graças à apreciação
que os hindus e os membros de outras religiões na Índia têm da sua
personalidade e do seu trabalho, será assumida como uma “figura que une, que ajuda o diálogo na Índia, porque o seu trabalho
ajudou fiéis de todas as religiões”. Em coerência com estes dinamismos de
alegria, entusiasmo e gratidão, o arcebispo celebrou hoje, dia 18, uma Missa em
ação de graças na Casa Mãe das Missionárias da Caridade em Calcutá, onde
repousam os restos mortais da Beata Madre Teresa, visitada em cada dia que
passa por centenas de pessoas de todas as religiões, para orar, pedindo a sua
intercessão e mesmo as graças e milagres por que anseiam.
Por seu turno, as Irmãs Missionárias
da Caridade – que habitualmente não falam aos jornalistas – excetuaram dessa
norma de estilo a notícia de que a “mãe” será canonizada e declararam com
simplicidade, pela voz da irmã Christie, porta-voz da congregação em Calcutá, às
agências AsiaNews e EFE: “Estamos gratas
e felizes”.
***
Com efeito, a sala de imprensa da Santa Sé revelou ontem, dia
17, que Francisco vai proclamar como santa a atual Beata Madre Teresa de
Calcutá (nascida em 1910
e falecida em 1997), depois
de ter concedido a aprovação a um milagre atribuído à sua intercessão e,
consequentemente, ter mandado promulgar e publicar o decreto que viabilizará a
canonização. E fê-lo exatamente no dia em que passava o 79.º aniversário do
Pontífice.
É o segundo milagre comprovadamente atribuído à intercessão de
Madre Teresa desde o seu óbito. O primeiro serviu de base à sua beatificação.
A data para a cerimónia de canonização da vencedora do Prémio
Nobel da Paz em 1979 vai ser decidida no próximo consistório ordinário (reunião de cardeais), agendado para fevereiro do próximo
ano, para votar esta e outras causas. Prevê-se que a decisão de canonização
recaia no dia 4 de setembro de 2016, ainda no decurso do Ano da Misericórdia, misericórdia
de que é espelho a ação de Teresa e suas seguidoras.
A Congregação para as Causas dos Santos, dicastério da Santa
Sé para estas causas, concluiu em julho deste ano as investigações em torno da
cura miraculosa, em 2008, de um homem brasileiro, de 35 anos, afetado por uma
grave doença no cérebro, já em fase terminal, que se curou de forma tida
como inexplicável. E o processo chegou ao fim com aprovação unânime dos membros
da referida Congregação para as Causas dos Santos.
O predito milagre ocorreu em dezembro, quando o doente,
em coma, ia ser operado. Porém, devido a problemas técnicos, entretanto
surgidos, a intervenção cirúrgica teve de ser protelada por meia hora. Segundo
o jornal italiano Avvenire, ao voltar à sala de operações, o médico
encontrou o doente sentado, desperto, perfeitamente consciente e a perguntar o
que estava ali a fazer.
Durante a fase de estudo deste facto, o médico declarou,
que “nunca viu um caso como este” e que todos os doentes com os mesmos
problemas que já tinha tratado em 17 anos de profissão tinham morrido. Todavia,
as análises sucessivas ao doente revelaram a cura da patologia cerebral num
curto espaço de tempo e sem sequelas, pelo que o homem pôde retomar a sua vida
e trabalho.
Por sua vez, as provas testemunhais durante o processo
referem que as pessoas próximas do doente rezaram muito a Madre Teresa, de quem
a respetiva esposa era especialmente devota.
***
Agnes Gonxha (ou: Ganxhe) Bojaxhiu – era este o nome de nascimento de Madre Teresa – nasceu a 26
de agosto de 1910, em Skopje (hoje, cidade capital da República da Macedónia), pequena cidade com cerca de vinte
mil habitantes, então sob domínio otomano, no seio de uma família católica
pertencente à minoria albanesa, no sul da antiga Jugoslávia.
A 25 de dezembro de 1928, partiu de Skopje rumo a
Rathfarnham, na Irlanda, onde se situa a Casa Geral do Instituto da Beatíssima
Virgem Maria (também conhecido
por “Irmãs de Loreto”),
para abraçar a Vida Religiosa, com o ideal de ser missionária na Índia já em
vista.
Acabou depois por embarcar rumo a Bengala, passando por
Calcutá até Dajeerling, numa casa da Congregação fundada pela missionária Mary
Ward (23
de janeiro de 1585 – 30 de janeiro de 1645), onde escolheu o nome de Teresa. Aí absorveu o
estilo de vida bengali, que transmitiu, mais tarde, às suas religiosas, quando
fundou o instituto das Missionárias da Caridade.
O seu trabalho nas ruas de Calcutá centrou-se nos pobres da
cidade, que morriam todas as noites. Foi neste contexto que o mundo se habituou
a vê-la vestida com um sari branco, debruado de azul – a sua apostólica imagem
de marca.
Durante meio século, Madre Teresa levou a cabo um
trabalho social em Calcutá com as Missionárias da Caridade, a congregação que
fundou depois de uma experiência mística e, em 1979, foi distinguida com o
Nobel da Paz, em reconhecimento mundial pela sua entrega à causa dos pobres, desfavorecidos
e marginalizados.
Rapidamente as Missionárias da Caridade chegaram a milhares
de religiosas em 95 países. Estas “Missionárias da Paz” contam hoje com cerca
de 4.500 religiosas, que trabalham em mais de 130 países, onde têm 710 casas
para assistir os mais pobres e doentes.
Na sua visita à Índia, em 1964, Paulo VI recebeu pessoalmente
Madre Teresa e, 22 anos depois, João Paulo II incluiu, no programa da viagem
apostólica àquele país, uma visita à “Nirmal Hidray” – a “Casa do Coração Puro”
– fundada pela religiosa e conhecida, em Calcutá, como a “Casa do Moribundo”.
A atual Beata (e futura santa) esteve três vezes em Portugal a acompanhar os primeiros
passos da Congregação das Missionárias da Caridade no nosso país.
Esta ativa religiosa faleceu a 5 de setembro de 1997, na casa
geral da congregação que fundou, em Calcutá, aos 87 anos de idade. Foi
beatificada por João Paulo II a 19 de outubro de 2003, depois de o Papa polaco
ter autorizado a abertura do processo sem esperar pelos cinco anos após a morte
exigidos pela lei canónica. E o milagre que serviu de suporte à beatificação
foi a cura dum tumor no abdómen de uma mulher indiana depois de colocar um
medalhão com uma foto da freira.
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O Papa tem citado, por diversas vezes, a figura da Madre
Teresa, que “no silêncio soube escutar e fez muito”, de que se destacam as
seguintes intervenções: em setembro passado, recordando o aniversário
da morte da futura santa, Francisco observou que o exemplo de vida desta
religiosa mostra que “a misericórdia de Deus é reconhecida” nas obras de cada
um; e, a 19 de novembro, durante a homilia matinal, contrapôs os traficantes
de armas aos “trabalhadores da paz”, que dão a sua vida para ajudar uma pessoa
que seja, como a Beata Teresa de Calcutá.
Entretanto, ficou na memória de alguma opinião pública
a questão das suas dúvidas existenciais perante Deus enquanto desenvolvia o seu
percurso de vida e o seu labor apostólico e caritativo, a ponto de o Papa Bento
XVI ter sentido a necessidade de esclarecer que duvidar e oscilar é comum no
percurso do crente.
Bento XVI, falando perante milhares de jovens em
Loreto, na Itália, numa peregrinação de dois dias que serviu para preparar as
Jornadas Mundiais da Juventude de 2008 em Sydney, admitiu que mesmo “a madre
Teresa de Calcutá, apesar do seu espírito de caridade e fé, sofreu com o
silêncio de Deus”.
O então chefe da Igreja Católica falava sobre a
fundadora das Missionárias da Caridade em vésperas da publicação de um livro
que revela que esta freira católica questionou a sua fé e teve períodos de
dúvida a respeito da existência de Deus. Nesse sentido, declarou que “todos os
crentes conhecem o silêncio de Deus, até mesmo a madre Teresa”, acrescentando
que esse silêncio serve para os crentes perceberem a situação das pessoas que
não acreditam em Deus.
As afirmações do Papa alemão assumiram especial
importância numa altura em que o conteúdo das cartas que deram azo ao livro
levantaram especulações sobre a possibilidade de o processo de canonização da
madre Teresa poder então ser abalado. Por isso, Bento XVI quis lembrar aos
jovens que ter dúvidas é algo de muito comum. Ele próprio, quando visitou o
antigo campo de concentração nazi de Auschwitz, em 2006, perguntou-se
publicamente porque é que Deus estava em silêncio quando cerca de 1,5 milhões
de pessoas, na sua grande maioria judeus, perderam a vida naquele local.
O aludido livro Mother
Teresa: Come Be My Light (Madre Teresa: vem iluminar-me) que induziu Bento XVI a falar sobre o silêncio de
Deus, foi lançado na véspera do 10.º aniversário da morte da Teresa de Calcutá.
A editora foi a norte-americana Doubleday e o autor foi o padre Brian
Kolodiejchuk – responsável pelo seu processo de canonização e diretor da Fundação Madre Teresa. As cartas que
originaram a obra foram escritas ao longo de 66 anos pela freira e enviadas a
colegas e superiores. Só vieram a público 10 anos após a sua morte, apesar de a
religiosa ter deixado a indicação de que as queria destruídas.
Aquelas cartas, que foram dadas a conhecer por
antecipação pela revista Time, oferecem
uma reflexão sobre o valor da dúvida e revelam a angústia sentida por aqueles e
aquelas que querem a intimidade com Deus. Madre Teresa, que dedicou toda a sua
vida aos pobres e diz ter vivido quase 50 anos sem sentir a presença de Deus,
confidenciava, em 1979, numa carta enviada ao padre Michael Van Der Peet, três
meses antes de ir a Oslo receber o Nobel da Paz.
“Jesus tem
um amor muito especial por si. [Mas] para mim – o silêncio e o vazio é tão
grande – que olho e não vejo – Escuto mas não ouço. A língua mexe-se [na
oração] mas não fala... Quero que reze por mim”.
Todavia, naquela ocasião, em público, fez afirmações
edificantes e fortemente apelativas:
“Não é
suficiente dizer 'Eu amo Deus', mas não amo o meu vizinho. [Ao morrer na cruz]
Deus tornou-se o faminto, o nu e o sem-abrigo. A fome de Jesus é aquilo que
temos de encontrar e aliviar. Cristo está nos nossos corações, Cristo é o pobre
que encontramos, o sorriso que damos e recebemos.”.
(vd Ecclesia, DN, Zenit org –
2015.12.18; e DN, 2007.09.03)
Ora isto, como diria um bispo emérito bem conhecido, é
evangelho puro.
***
Mesmo sem analisar em pormenor o material publicado
relativo aos processos de beatificação e de canonização da santa de origem
albanesa, confesso que a decisão da Congregação para as Causas dos Santos e,
por conseguinte, de João Paulo II, Bento XVI e Francisco me agrada. Teresa é
figura humana bem próxima de nós, seja no tempo cronológico, seja na relação
espiritualidade versus contingências
humanas (bem limitativas), geradora
de generosidade da parte de quem se abandona confiadamente nas mãos de Deus e
arrisca jogar no escuro pelas grandes causas, através de gestos pequenos, mas
contínuos, persistentes e de proximidade. No entanto, insistiu na tentativa de
imersão no seio divino, logrando não se sentir confortável na contemplação,
como atesta, mas realizando-se e fazendo realizarem-se muitas outras pessoas na
prática da obra social fortalecida pela imensa caridade de Cristo presente “nos
nossos corações” como no “faminto”, no “nu” e no “sem-abrigo”, no “pobre que
encontramos, o sorriso que damos e recebemos”.
Pessoa próxima a abrir caminho de santidade profunda e
operativa!
2015.12.18 –
Louro de Carvalho
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