quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Tenente-general Rocha Vieira recebeu a Torre e Espada

No passado dia 18 de dezembro, o Presidente da República condecorou o ex-Presidente general António Ramalho Eanes e o último Governador de Macau, tenente-general Vasco Rocha Vieira, em cerimónia realizada no Palácio de Belém. Ramalho Eanes foi agraciado com o Grande Colar da Ordem da Liberdade e Rocha Vieira com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
Do general Ramalho Eanes não me vou ocupar uma vez que, se alguma vez os políticos o mimaram com o esquecimento e a injustiça da apreciação despiciente, há uns tempos a esta parte a História lhe vem fazendo a justiça do reconhecimento da coletividade, até porque, além do seu aprumo militar e do contributo que prestou à causa da revolução abrilina/novembrina e da estabilização do regime democrático, exerceu as funções presidenciais em tempos demasiado conturbados do ponto de vista político, militar e social.
Porém, o tenente-general Vasco Joaquim Rocha Vieira, que prestou ao país um serviço tão importante como o de Ramalho Eanes, no âmbito militar, e relevante, do ponto de vista político, sobretudo em determinados momentos históricos, foi relegado para o limbo do esquecimento. Não obstante, os seus mais próximos têm-no rodeado do carinho e do reconhecimento de que têm podido dispor.
Quando Jorge Sampaio acedeu à Presidência da República, em março de 1996, segundo o que refere Pedro Vieira no seu livro Todos os portos a que cheguei, quis substituir o então Governador de Macau, general Vasco Rocha Vieira. Terá sido por intervenção de Mário Soares e Jorge Neto (a este advogado Sampaio confidenciara essa intenção num almoço privado no restaurante Gôndola, na Avenida de Berna) que Rocha Vieira se iria manter à frente do território até à sua transferência para a soberania de Pequim, a 20 de dezembro de 1999. Todavia, no voo presidencial de regresso a Portugal, o antigo Governador viu-se postergado para um lugar na fila atrás da do Presidente. E, quando Luís Amado, então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros lhe quis ceder o lugar, o general declinou a deferência.
Durante o exercício do cargo de Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, incompatibilizou-se com Mota Amaral, líder do Governo Regional e do PSD/Açores, tendo os dois políticos feito as pazes a 22 de maio de 1998 na inauguração da Expo 98.
O próprio general Eanes, ora irmanado com Rocha Vieira na cerimónia de agraciamento e referenciado em primeiro lugar no discurso presidencial de Cavaco, confessava, no prefácio do aludido livro de Pedro Vieira, a sua perplexidade pelo facto de nunca ter sido concedida ao tenente-general a Torre e Espada.
Ainda bem que o Presidente Cavaco Silva houve por bem cumprir um dever de justiça em nome do Estado, tal como o fez para com Ramalho Eanes, que era inexplicavelmente o único ex-Presidente não agraciado com o Grande Colar da Ordem da Liberdade.
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Vasco Joaquim Rocha Vieira, algarvio de Lagoa, nasceu em 16 de Agosto de 1939 (antes do início da II Guerra Mundial), mas passou a maior parte da sua infância em Moçambique. Vindo, aos 10 anos, com os pais a Portugal, aqui fez o 1.º ano liceal. Antes de regressarem a África, no ano de 1950, os pais, preocupados com a sua formação escolar, inscreveram-no no Colégio Militar, instituição escolar que lhes oferecia as melhores garantias de cumprimento dos objetivos educacionais que desejavam para o filho. Assim, enquanto os pais regressavam a Moçambique, Vasco Joaquim ingressou no  segundo ano do Colégio Militar.
Na sua intensa vida colegial, muito dado aos desportos, especialmente ao atletismo e ao futebol, fez parte da equipa principal do Colégio. É certo que nunca foi um aluno brilhante, como o próprio confessava, mas foi sempre responsável, consciente dos seus limites, correto no comportamento e com grande sentido do cumprimento das regras e da disciplina. Foi, não obstante, punido uma vez,  por defender um camarada, alegadamente vítima de uma injustiça. No 7.º ano foi graduado em Comandante de Secção da 2.ª Companhia.
O Colégio Militar, além da instrução, educação física, moral, cívica e intelectual, proporcionou-lhe proteção e afeto, tendo incorporado assim os valores constitutivos dos pilares educativos do Colégio que o marcaram  para o resto da vida, complementando a educação paterna. Viu na carreira militar o espaço privilegiado da aplicação dos valores de que estava imbuído. Assim, o espírito de aventura e o desejo de cumprir missões levou-o à Escola do Exército (atual Academia Militar) ingressando na Arma da Engenharia, área que lhe despertava o maior interesse, dado o contacto que tinha estabelecido com ela devido à profissão do  pai, que era ferroviário.  
De aluno médio do Colégio Militar, talvez porque a opção fora tomada por si próprio sem consulta prévia aos pais, embora estes o viessem a apoiar incondicionalmente, transformou-se num estudante de excelência, terminando o curso na Academia com as melhores classificações do seu curso e tendo obtido o Prémio Alcazar de Toledo, do Exército Espanhol.
A opção militar não o desviou do desporto: integrou as equipas de futebol e de râguebi da Academia e  foi também o 1.º vencedor do campeonato nacional de paraquedismo.
Como defensor dos valores da democracia, integrou o grupo de oficiais das Forças Armadas, que viria a constituir o Movimento dos Capitães, que, em abril de 1974, promoveu a instauração do regime democrático.
A 25 de abril encontrava-se em Macau, onde, nos finais do ano, passou a  desempenhar o cargo de Secretário-Adjunto para as Obras Públicas e Comunicações do Governo do território.
Entretanto, eleito pelos seus camaradas da Arma de Engenharia para o cargo de diretor da Arma, foi, para o efeito, graduado em brigadeiro. Participou ativamente nas operações de 25 de novembro de 1975, e, mercê da candidatura de Ramalho Eanes à Presidência da República e subsequente vitória nas eleições presidenciais, foi por este nomeado Chefe de Estado-Maior do Exército, cargo que ocupou entre 1976 e 1978, para o que foi graduado em general. Oficial meritório, valoroso e leal, a sua carreira militar havia também de desenvolver-se em missões internacionais, tendo assegurado, durante quatro anos, a representação militar portuguesa junto do Comando Aliado da Europa/NATO (SHAPE).
Como político, revestido de força moral, sentido de equilíbrio e inteireza de caráter, foi chamado a garantir a consolidação do novo estatuto de autonomia dos Açores na fidelidade aos reais alicerces da portugalidade. Assim, aceitou o convite para Ministro da República na Região Autónoma dos Açores, cargo que desempenhou com sucesso entre 1986 e 1991, proposto pelo Governo de Cavaco Silva e que o Presidente Mário Soares confirmou.
A sua prestação foi tão positiva que, em 1991, na sequência de profunda crise política em Macau, o Presidente da República Mário Soares o nomeou para Governador do derradeiro território sob Administração Portuguesa no Oriente, assegurando eficazmente a estabilidade e o desenvolvimento dos dois últimos terços da transição de soberania para a República Popular da China.
Dele diz o site do Colégio Militar:
“Aluno do Colégio, militar de abril,  engenheiro competente, político hábil e equilibrado, com elevado sentido de Estado, Vasco Joaquim Rocha Vieira fechou, com honra e coragem, o ciclo do Império Português, transportando abraçada ao peito a bandeira de Portugal. Trata-se de um dos grandes na nossa galeria de ilustres como homem e  como cidadão. ”. 
Efetivamente, ficou na retina de muitos a imagem do cidadão general que apertou ao peito a bandeira nacional portuguesa definitivamente arriada em território de Macau a afirmar a soberania portuguesa no território!
Atualmente, o tenente-general Rocha Vieira é o representante de Portugal na ASEF (Fundação Europa/Ásia), sediada em Singapura, e é, por nomeação presidencial,  desde 2006, o Chanceler das Antigas Ordens Militares. É também membro honorário da Sociedade da Geografia, membro da Academia da Engenharia e membro do Conselho Supremo da AAACM (Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar). Em 2007, a direção da AAACM atribuiu-lhe o prémio “Colégio Militar no Mundo” instituído para distinguir, em cada ano, um ex-aluno que tenha contribuído para a divulgação do nome de Portugal no Mundo.
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Também o Presidente da República se lhe referiu em termos elogiosos, tecendo justos encómios aos “relevantes e distintíssimos serviços às Forças Armadas e a Portugal” prestados por Vasco Rocha Vieira “ao longo de uma brilhante e multifacetada carreira militar e de serviço público”.
Como Chefe do Estado-Maior do Exército, “demonstrou excecionais qualidades de comando, a par de grande firmeza e integridade de caráter, sólida formação ética e militar e notável apego aos mais nobres ideais de serviço ao País”.
No âmbito político-militar, “contribuiu de forma determinante para a consolidação do processo democrático” e para a reposição da “autoridade hierárquica” e da “disciplina nas Forças Armadas” num especialmente conturbado período da “vida do País”, efetuando com êxito “uma importante e decisiva reforma do Exército”.
No cargo de Ministro da República, “desenvolveu uma ação perseverante e avisada, serena e determinada, na procura das melhores soluções para que o processo da autonomia regional fosse conduzido no sentido do reforço da coesão nacional, missão que cumpriu com total dedicação, equilíbrio político e elevado sentido de Estado”.
Enquanto “último representante da administração portuguesa em Macau”, “assegurou de modo notável e com pleno êxito a transição de poderes para a Republica Popular da China”, no quadro pessoal e político de “um invulgar perfil de homem público, indefetível patriotismo e inteira devoção na defesa do interesse nacional”.
E, na qualidade de Chanceler das Antigas Ordens Militares, o tenente-general “evidenciou as suas qualidades humanas, revelando ponderação e inteligência, discrição e elevado sentido de Estado e de serviço público”.
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Enfim, foi tarde, mas fez-se “justiça” ao homem, ao militar, ao político.

2015.12.23 – Louro de Carvalho

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