No passado dia
18 de dezembro, o Presidente da República condecorou o ex-Presidente general
António Ramalho Eanes e o último Governador de Macau, tenente-general Vasco
Rocha Vieira, em cerimónia realizada no Palácio de Belém. Ramalho Eanes foi
agraciado com o Grande Colar da Ordem da Liberdade e Rocha Vieira com a
Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
Do general
Ramalho Eanes não me vou ocupar uma vez que, se alguma vez os políticos o
mimaram com o esquecimento e a injustiça da apreciação despiciente, há uns
tempos a esta parte a História lhe vem fazendo a justiça do reconhecimento da
coletividade, até porque, além do seu aprumo militar e do contributo que
prestou à causa da revolução abrilina/novembrina e da estabilização do regime democrático,
exerceu as funções presidenciais em tempos demasiado conturbados do ponto de
vista político, militar e social.
Porém,
o tenente-general Vasco Joaquim
Rocha Vieira, que prestou ao país um serviço tão importante como o de Ramalho Eanes,
no âmbito militar, e relevante, do ponto de vista político, sobretudo em
determinados momentos históricos, foi relegado para o limbo do esquecimento. Não
obstante, os seus mais próximos têm-no rodeado do carinho e do reconhecimento
de que têm podido dispor.
Quando Jorge Sampaio acedeu à
Presidência da República, em março de 1996, segundo o que refere Pedro Vieira
no seu livro Todos os portos a que cheguei,
quis substituir o então Governador de Macau, general Vasco Rocha Vieira. Terá sido
por intervenção de Mário Soares e Jorge Neto (a este advogado Sampaio confidenciara essa intenção num almoço privado no
restaurante Gôndola, na Avenida de
Berna) que Rocha Vieira se iria manter
à frente do território até à sua transferência para a soberania de Pequim, a 20
de dezembro de 1999. Todavia, no voo presidencial de regresso a Portugal, o
antigo Governador viu-se postergado para um lugar na fila atrás da do
Presidente. E, quando Luís Amado, então Secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros lhe quis ceder o lugar, o general declinou a deferência.
Durante o exercício do cargo de
Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, incompatibilizou-se com
Mota Amaral, líder do Governo Regional e do PSD/Açores, tendo os dois políticos
feito as pazes a 22 de maio de 1998 na inauguração da Expo 98.
O próprio general
Eanes, ora irmanado com Rocha Vieira na cerimónia de agraciamento e
referenciado em primeiro lugar no discurso presidencial de Cavaco, confessava,
no prefácio do aludido livro de Pedro Vieira, a sua perplexidade pelo facto de nunca
ter sido concedida ao tenente-general a Torre e Espada.
Ainda bem que
o Presidente Cavaco Silva houve por bem cumprir um dever de justiça em nome do
Estado, tal como o fez para com Ramalho Eanes, que era inexplicavelmente o
único ex-Presidente não agraciado com o Grande Colar da Ordem da Liberdade.
***
Vasco Joaquim Rocha Vieira, algarvio de Lagoa, nasceu em 16 de
Agosto de 1939 (antes do
início da II Guerra Mundial), mas passou a maior parte da sua infância em Moçambique. Vindo, aos 10
anos, com os pais a Portugal, aqui fez o 1.º ano liceal. Antes de regressarem a
África, no ano de 1950, os pais, preocupados com a sua formação escolar,
inscreveram-no no Colégio Militar, instituição escolar que lhes oferecia as melhores
garantias de cumprimento dos objetivos educacionais que desejavam para o filho.
Assim, enquanto os pais regressavam a Moçambique, Vasco Joaquim ingressou no segundo
ano do Colégio Militar.
Na sua intensa vida colegial, muito
dado aos desportos, especialmente ao atletismo e ao futebol, fez parte da
equipa principal do Colégio. É certo que nunca foi um aluno brilhante, como o próprio
confessava, mas foi sempre responsável, consciente dos seus limites, correto no
comportamento e com grande sentido do cumprimento das regras e da disciplina. Foi,
não obstante, punido uma vez, por defender um camarada, alegadamente vítima
de uma injustiça. No 7.º ano foi graduado em Comandante de Secção da 2.ª
Companhia.
O Colégio Militar,
além da instrução, educação física, moral, cívica e intelectual,
proporcionou-lhe proteção e afeto, tendo incorporado assim os valores constitutivos
dos pilares educativos do Colégio que o marcaram para o resto da vida,
complementando a educação paterna. Viu na carreira militar o espaço privilegiado
da aplicação dos valores de que estava imbuído. Assim, o espírito de aventura e
o desejo de cumprir missões levou-o à Escola do Exército (atual Academia Militar) ingressando na Arma da Engenharia,
área que lhe despertava o maior interesse, dado o contacto que tinha estabelecido
com ela devido à profissão do pai, que era ferroviário.
De aluno médio do Colégio Militar, talvez
porque a opção fora tomada por si próprio sem consulta prévia aos pais, embora
estes o viessem a apoiar incondicionalmente, transformou-se num estudante de
excelência, terminando o curso na Academia com as melhores classificações
do seu curso e tendo obtido o Prémio
Alcazar de Toledo, do Exército Espanhol.
A opção militar
não o desviou do desporto: integrou as equipas de futebol e de râguebi da
Academia e foi também o 1.º vencedor do campeonato nacional de
paraquedismo.
Como defensor dos valores da democracia,
integrou o grupo de oficiais das Forças Armadas, que viria a constituir o Movimento
dos Capitães, que, em abril de 1974, promoveu a instauração do regime
democrático.
A 25 de abril
encontrava-se em Macau, onde, nos finais do ano, passou a desempenhar o
cargo de Secretário-Adjunto para as Obras Públicas e Comunicações do Governo do
território.
Entretanto,
eleito pelos seus camaradas da Arma de Engenharia para o cargo de diretor da Arma,
foi, para o efeito, graduado em brigadeiro. Participou ativamente nas operações
de 25 de novembro de 1975, e, mercê da candidatura de Ramalho Eanes à
Presidência da República e subsequente vitória nas eleições presidenciais, foi
por este nomeado Chefe de Estado-Maior do Exército, cargo que ocupou entre 1976
e 1978, para o que foi graduado em general. Oficial meritório, valoroso e leal,
a sua carreira militar havia também de desenvolver-se em missões
internacionais, tendo assegurado, durante quatro anos, a representação militar
portuguesa junto do Comando Aliado da Europa/NATO (SHAPE).
Como político, revestido de
força moral, sentido de equilíbrio e inteireza de caráter, foi chamado a
garantir a consolidação do novo estatuto de autonomia dos Açores na fidelidade
aos reais alicerces da portugalidade. Assim, aceitou o convite para Ministro da
República na Região Autónoma dos Açores, cargo que desempenhou com sucesso
entre 1986 e 1991, proposto pelo Governo de Cavaco Silva e que o Presidente
Mário Soares confirmou.
A sua
prestação foi tão positiva que, em 1991, na sequência de profunda crise
política em Macau, o Presidente da República Mário Soares o nomeou para
Governador do derradeiro território sob Administração Portuguesa no Oriente,
assegurando eficazmente a estabilidade e o desenvolvimento dos dois últimos
terços da transição de soberania para a República Popular da China.
Dele diz o site do Colégio Militar:
“Aluno do Colégio, militar de
abril, engenheiro competente, político hábil e equilibrado, com elevado
sentido de Estado, Vasco Joaquim Rocha Vieira fechou, com honra e coragem, o
ciclo do Império Português, transportando abraçada ao peito a bandeira de
Portugal. Trata-se de um dos grandes na nossa galeria de ilustres como homem e
como cidadão. ”.
Efetivamente,
ficou na retina de muitos a imagem do cidadão general que apertou ao peito a
bandeira nacional portuguesa definitivamente arriada em território de Macau a afirmar
a soberania portuguesa no território!
Atualmente, o tenente-general Rocha
Vieira é o representante de Portugal na ASEF (Fundação Europa/Ásia), sediada em Singapura, e é, por nomeação
presidencial, desde 2006, o Chanceler das Antigas Ordens Militares. É também
membro honorário da Sociedade da Geografia, membro da Academia da Engenharia e
membro do Conselho Supremo da AAACM (Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar). Em 2007, a direção da AAACM
atribuiu-lhe o prémio “Colégio Militar no Mundo” instituído para distinguir, em
cada ano, um ex-aluno que tenha contribuído para a divulgação do nome de
Portugal no Mundo.
***
Também o Presidente
da República se lhe referiu em termos elogiosos, tecendo justos encómios aos “relevantes
e distintíssimos serviços às Forças Armadas e a Portugal” prestados por Vasco
Rocha Vieira “ao longo de uma brilhante e multifacetada carreira militar e de
serviço público”.
Como Chefe do
Estado-Maior do Exército, “demonstrou excecionais qualidades de comando, a par
de grande firmeza e integridade de caráter, sólida formação ética e militar e
notável apego aos mais nobres ideais de serviço ao País”.
No âmbito
político-militar, “contribuiu de forma determinante para a consolidação do
processo democrático” e para a reposição da “autoridade hierárquica” e da “disciplina
nas Forças Armadas” num especialmente conturbado período da “vida do País”,
efetuando com êxito “uma importante e decisiva reforma do Exército”.
No cargo de Ministro
da República, “desenvolveu uma ação perseverante e avisada, serena e
determinada, na procura das melhores soluções para que o processo da autonomia
regional fosse conduzido no sentido do reforço da coesão nacional, missão que
cumpriu com total dedicação, equilíbrio político e elevado sentido de Estado”.
Enquanto “último
representante da administração portuguesa em Macau”, “assegurou de modo notável
e com pleno êxito a transição de poderes para a Republica Popular da China”, no
quadro pessoal e político de “um invulgar perfil de homem público, indefetível
patriotismo e inteira devoção na defesa do interesse nacional”.
E, na
qualidade de Chanceler das Antigas Ordens Militares, o tenente-general “evidenciou
as suas qualidades humanas, revelando ponderação e inteligência, discrição e
elevado sentido de Estado e de serviço público”.
***
Enfim, foi
tarde, mas fez-se “justiça” ao homem, ao militar, ao político.
2015.12.23 – Louro de Carvalho
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