Decorreu, no passado dia 4 de
dezembro, o IV Seminário de Violência
Doméstica, subordinado ao tema “Violência nas relações íntimas e contra
pessoas especialmente vulneráveis”.
Foi iniciativa e organização da UCVD (Unidade de Combate à Violência Doméstica) e do GIAV (Gabinete de Informação e
Atendimento à Vítima), da 7.ª
Secção do DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) de Lisboa, em parceria com a Cooperativa de Ensino Superior
Egas Moniz e, em especial, do seu Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas
Moniz.
O evento contou ainda com o apoio
da Câmara Municipal de Lisboa e decorreu no Auditório da DGAJ (Direção-Geral da Administração da Justiça), no Edifício E do Campus de Justiça, em Lisboa.
O Seminário dedicado ao
flagelo da violência doméstica
realizou-se pelo quarto ano consecutivo. Após uma abordagem mais generalista no seu primeiro
Seminário, com um enfoque especial na realidade da “Violência contra Pessoas Idosas” na sua segunda edição, e um
terceiro sobre a “Violência contra
Crianças e Adolescentes”, surgiu agora o quarto Seminário dedicado a esta
temática da violência doméstica.
Este IV Seminário de Violência Doméstica teve como objetivo a abordagem
de temas associados à Violência nas Relações Íntimas e contra Pessoas
Especialmente Vulneráveis. Para tanto, o painel de oradores contou com especialistas de diferentes
áreas, mas cujo denominador comum foi a responsabilidade pela problemática
deste crime em Portugal, seja no âmbito da investigação ou do estudo, seja no
da prevenção ou no da intervenção (no quadro do combate e da sanção).
Pretendeu-se, desta forma, a mobilização da comunidade científica e dos diversos
operadores – sociais, médico-legais, de enfermagem, policiais e judiciários –
para este fenómeno. Assim, este Seminário teve como destinatários-alvo magistrados,
juristas, psicólogos, assistentes sociais, elementos das forças de segurança e
demais profissionais que de alguma forma atuem neste domínio.
***
Os trabalhos organizaram-se no
quadro de quatro mesas temáticas que se desenvolveram pelo sistema de sucessão,
e não de simultaneidade como acontece noutros seminários. Nestes termos, todos
os participantes tiveram acesso a todos os debates.
Segundo o previsto no alinhamento
programático, que foi integralmente cumprido, a primeira mesa, a segunda e a
quarta abordaram três subtemas, ao passo que a terceira apenas abordou dois. Assim:
A Mesa I – Violência nas Relações Íntimas – expôs situações atinentes a: “Intervenção da UCVD”; “Fatores de risco em violência nas
relações íntimas”; e “Intervenção da
PSP na investigação do crime”.
A Mesa 2 – Proteção de Vítimas Vulneráveis de Violência nas Relações Íntimas –
abordou as três temáticas seguintes: “Intervenção social/Respostas à violência
doméstica”; “Violência doméstica entre e contra pessoas LGBT (lésbicas, gays,
bissexuais e transgénero): Que especificidades?”; e “Estatuto de vítima”.
A Mesa 3 – Violência Sexual contra Mulheres, Crianças, Idosos e Pessoas Incapazes
– abordou questões concernentes a estas duas problemáticas: “Os novos desafios
de combate à violência sexual”; e “Distorção cognitiva na agressão a pessoa
incapaz de resistência”,
Por fim, a Mesa 4 – A Prova na Investigação de Crime – equacionou problemas respeitantes
a: “Procedimentos de investigação na criminalidade contra a liberdade e
autodeterminação sexual dos menores”; “Papel da enfermagem forense na violência
doméstica”; e “Violência na conjugalidade e contra pessoas vulneráveis”.
***
De acordo
com o que transpirou para a opinião pública, a grande conclusão, que se intuía
como expectável foi a de que a Justiça tem
sido pouco eficaz no combate à violência doméstica.
O DIAP revelou que, devido à ausência ou colaboração
de testemunhas e vítimas, foram arquivados cerca de dois terços dos inquéritos
relacionados com violência doméstica que, em 2014, deram entrada no Ministério
Público.
Por seu turno, a procuradora Maria Fernanda Alves,
coordenadora da UCVD da 7.ª Secção do DIAP, defendeu que “as vítimas destas
situações têm de ser apoiadas durante a fase do inquérito para colaborarem com as
autoridades”, especificando:
“A violência
contra as mulheres, crianças, idosos e vítimas especialmente vulneráveis é um
problema persistente, sendo por isso necessário definir mecanismos de prevenção
e combate que permitam ganhar mais eficácia em relação aos resultados obtidos
na condenação deste tipo de crimes”.
Durante o seminário em referência, a insigne procuradora
informou que “as ações de prevenção feitas de forma isolada não têm significado”,
pelo que defendeu a criação de redes de apoio comunitário especializadas, bem
como “a definição de modelos de intervenção integrada sobre a violência”.
Foram ainda advertidos os participantes, por Maria
Fernanda Alves, para a necessidade de promover uma alteração de valores,
comportamentos e atitudes porque a violência não é uma inevitabilidade, tornando-se assim imprescindível “aumentar
o investimento na formação específica dos magistrados do Ministério Público,
dos funcionários judiciais e também dos órgãos de polícia criminal”.
No entanto, nem tudo tem sido negativo em termos da eficácia
da Justiça neste âmbito. Tanto assim é que, entre janeiro e novembro de 2015,
dos processos que chegaram a julgamento houve 52 condenações com suspensão de
pena, sete prisões efetivas e 28 absolvições.
Todavia, o panorama referente a 2014 é, de acordo com
dados do DIAP, o seguinte: Deram entrada no DIAP 2360 inquéritos de violência
doméstica. Destes houve 252 acusações, 206 suspensões de pena e 1507
arquivamentos.
É, certo, segundo referiu Maria Fernanda Alves, que “existem
já muitas condenações com penas de prisão efetivas, só que são insuficientes
para se poder falar em prevenção geral”, até porque – sublinhou – “muitos
magistrados não estão sensibilizados para a aplicação de penas acessórias o que
é muito importante para evitar a reincidência deste tipo de crimes”.
Ora, “para que a Justiça seja mais eficaz perante
estes casos, é fundamental”, segundo a magistrada, “implementar políticas que
levem à articulação de todos quantos trabalham no terreno”, porque, só desta
forma, será possível punir o agressor de forma “célere e complementar” e, ao
mesmo tempo, “encontrar as melhores soluções para reparar e/ou minorar o
sofrimento das vítimas.”
***
Porque
se torna difícil a eficácia da Justiça nesta matéria, apesar de se tratar de
crime público?
É
facto que levar ao conhecimento das autoridades os casos de violência doméstica,
para que elas possam agir em conformidade, torna-se problemático, já que as
vítimas têm medo, pelo que só o fazem em último caso. Por seu turno, os
possíveis conhecedores – vizinhos, familiares ou amigos do presumível agressor ou
têm medo de represálias ou se escudam num certo comodismo.
Depois,
a produção de prova, que é necessária, é extremamente difícil. Ademais, retirar
a vítima do seu ambiente torna-se complicado, e decretar como medida de coação a
permanência do agressor na sua residência com controlo remoto é, nestes casos,
falível e proibi-lo de contactar com a vítima é redundante ou então ineficaz.
As
testemunhas cansam-se facilmente ou pela demora do processo, ou pela pressão do
agressor e seus satélites, ou pela dificuldade de conhecimento suficiente dos contornos
do crime, dado o melindre de algumas situações e a problemática inerente à índole
de intimidade de alguns tipos de violência nomeadamente a sexual.
Por
outro lado, há vítimas que pretendem desistir da ação judicial fiadas na alegada
promessa de mudança comportamental do agressor ou condicionadas pelas suas ameaças.
Por isso, eu bem gostava de saber o que se discutiu sobre o estatuto de vítima.
Entretanto,
as vítimas continuam a sofrer e muitas, sobretudo mulheres, continuam a morrer
(Camilo
Castelo Branco acrescentaria: “convenientemente”).
2015.12.07 –
Louro de Carvalho
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