Quem
o afirmou foi o Ministro da Educação e Ciência no contexto da abertura do ano
letivo. E a casa do ensino está em ordem porque alegadamente o início do ano
letivo de 2015/2016, que se encontra em processo de abertura desde 15 a 21 de
setembro, está a ser “sereno e positivo”, está o “corpo docente estabilizado”,
temos o “currículo mais bem organizado” e dispomos de “melhores escolas” e
“melhor sistema educativo”.
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Se
a serenidade aludida significa colocação atempada de professores, há que pôr em
pratos limpos os termos da razoabilidade: os problemas de concursos e colocação
de professores dos últimos são, na verdade, residuais. Têm, apesar disso,
efetivamente muito impacto por duas razões: a primeira é que o aumento do
número de alunos por turma, o decréscimo da população escolar, o fenómeno dos
agrupamentos e agregações de agrupamentos e os cortes curriculares fizeram a
rarefação do recrutamento e contratação de docentes e colocaram muitos docentes
dos quadros na obrigação de concorrer a DACL (destacamento por
ausência da componente letiva),
embora muitos tenham sido induzidos a aposentação antecipada e alguns à
rescisão de contrato por mútuo acordo; a segunda tem a ver com experiências
inusitadas, baseadas em fórmulas matemáticas de mau conselho, originando
situações mais que muitas de injustiças e faltas de atenção àquelas pessoas que
em meados de setembro não sabiam aonde iriam parar (havendo
docentes colocados em vários lugares e horários com vários docentes).
Sobre
a colocação professores, há que dizer que foi sendo curada a hecatombe de
1976/77, em que as responsabilidades das colocações estapafúrdias de
professores provisórios (os efetivos eram muito poucos) em quase todas as disciplinas e
em quase todos os níveis de ensino foram atribuídas ao computador, que então
passou a intervir, sem experiência, no sistema. E, assim, pensava-se que o DL
n.º 18/88, de 21 de janeiro, e o DL n.º 35/88, de 4 de fevereiro (respetivamente
para o 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário e para a educação
pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico)
tinham consolidado os mecanismos de concurso e colocação. Porém, em 2014, o
Governo de Durão Barroso quis juntar num mesmo concurso os educadores de
infância, os professores do 1.º Ciclo e os do 2.º e 3.º e os do ensino
secundário. Para o efeito, entregou a tarefa ingente e complexa a uma empresa
privada da área da informática, mas inexperiente na matéria. Além disso, o
diálogo entre a equipa de procedimentos do Ministério da Educação (ME) e a da empresa não mostrava a
mínima eficiência (dizem que a equipa do ME dava
informações sucessivas e até contraditórias). O sistema enrolava continuamente e, quando
desenrolava, os resultados eram catastróficos, até que a ministra da Educação
de Santa Lopes arranjou solução para aquele momento. Depois, pensava-se que o
mecanismo iria estabilizar, o que sucedeu com algumas alterações legislativas,
algumas delas criticáveis.
Com
o DL n.º 132/2012, de 27 de junho, e legislação subsequente, foi efetivamente
introduzida alguma melhoria. No entanto, a aplicação dos normativos legais
trouxe as situações incríveis para as pessoas, considerando a experiência
acumulada. As escolas com autonomia reforçada contratualmente, as
contextualizadas em TEIP (territórios educativos de
intervenção prioritária)
e as outras, por força da necessidade de substituir docentes requisitados ou destacados
para outros serviços e os atingidos por doença ou por licença parental por
motivos de nascimento sentiram-se enredadas na multiplicidade de colocados no
mesmo horário ou de docentes colocados em vários horários em simultâneo, por
fórmulas matemáticas inaplicáveis e por critérios e subcritérios de
recrutamento e seleção. Isto, para não falar do propalado abuso de docentes (com
falaciosas declarações médicas e administrativas) que, este ano, foram colocados em regime de
destacamento por condições específicas antes dos docentes dos quadros de zona
pedagógica e dos DACL (estes intempestivamente obrigados a
concorrer) –
situação a que acresce a do criticado e mal explicado atraso do início do ano
letivo.
Quanto
a este início de ano, não se percebe nem a medida, que apenas se destina a dar
folga a uma colocação de docentes menos turbulenta em ano de eleições
legislativas (tudo anda calado, apesar de um ou dois diretores de
agrupamento ainda terem levantado a voz, sobretudo em relação às necessidades
eventuais dos agrupamentos),
nem a crítica à medida. A crítica é contraditória, porque acusa o Governo de
ser este o ano letivo em que escola pública começa mais tarde (esta
acusação só a faz quem não tem memória, sobretudo depois que o ano escolar –
não confundir com ano letivo! –começou a iniciar-se em 1 de setembro em vez de
1 de outubro, com a publicação dos DL n.º 18/88 e n.º 35/88, referidos), mas ninguém pede aulas
suplementares para as disciplinas sujeitas a exame nacional ou a provas finais
nacionais, como vergonhosamente sucedeu no ano transato. Em todo o caso, a
explicação dada por Crato de que o objetivo foi
que houvesse um maior equilíbrio entre os períodos letivos e não iludir a
perspetiva eleitoral soa a ingenuidade matemática ou a fazer dos portugueses
matematicamente ingénuos, dado que não se equilibram os períodos escolares apenas
tirando três dias ao primeiro.
Diga-se
também que é inusitada a referência pública à mais de uma centena de docentes
que deixam os alunos sem aulas para integrarem campanha eleitoral. Sempre
aconteceu com professores e outros trabalhadores, como com empresários. Ou será
que os professores estão diminuídos nos seus direitos civis e políticos? Não
será, antes, obrigação de quem dirige antecipar e resolver o problema?
***
Mas
a serenidade evocada poderia resultar da melhoria do estatuto da carreia
docente (ECD). Nem isso. A última grande
alteração legislativa sobre a matéria foi o DL n.º 41/2012, de 21 de fevereiro,
que alterou o modelo da avaliação de desempenho do pessoal docente. Porém, nem
esta matéria foi substancialmente melhorada, nem a inútil sobrecarga de
trabalho imposta aos docentes pela ex-ministra Milu Rodrigues foi minimamente
aliviada. E, se os professores ainda podiam fazer uma leitura inteligente do
seu ECD, os despachos normativos da organização do ano letivo, secundados pelos
poderes que muitos diretores foram assumindo abusivamente até, criam o caos
pedagógico e laboral. Depois, as metas curriculares, na definição complexa e
rígida para cada ano de escolaridade, aliadas à quase proibição de retenção de
alunos, levam à criação da sensação escolar de meter a Betesga no Rossio. Por
outro lado, as solicitações ministeriais, as editoras, os rankings e a oposição público/privado induzem os docentes da escola
pública a acentuarem a preparação dos alunos para exame através das diversas
baterias de testes normalizados, ao invés de promoverem uma educação integral e
integrante.
Acresce
o aumento do horário de trabalho semanal de 40 horas, que significa juntar mais
5 às mais de quarenta que o povo docente já fazia em média, algumas das quais
bem inúteis.
Depois,
apetece-me perguntar como é que a PACC, por que tanto batalhou o MEC, se
encontra eclipsada, a não ser que a campanha eleitoral tenha imposto este jejum
ministerial ou a intervenção adequada na área da formação inicial de
professores já tenha ocorrido e eu não tenha dado conta.
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Quanto
ao “currículo mais bem organizado”, é de recordar que as últimas intervenções
legislativas sobre currículo escolar (DL n.º 139/2012, de 5
de julho, DL n.º 91/2013, de 10 de julho, e Decreto Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro).
Porém,
no atinente ao mérito da legislação, pode dizer-se que pouco se acrescentou ou
diminuiu em relação aos normativos de 2011: os cortes curriculares
quantitativos hoje equivalem-se. Depois, criou-se a confusão com as matrizes
curriculares organizadas em função da opção das escolas pelo tempo curricular
de aula de 50 ou de 45 minutos: com perda de tempo letivo no primeiro caso; e
aumento do número de tempos letivos, no segundo, com a obrigação de compensar
minuto a minuto a diferença dos 45 para 50 minutos na componente letiva e,
segundo alguns diretores, também na componente não letiva. Como é que os professores
são a única classe profissional para quem os intervalos não contam como
trabalho?
É
certo que todos os alunos terão sete anos de inglês (do
3.º ao 9.º), mas
mantêm-se as reduções curriculares nas outras línguas estrangeiras e em
Geografia e História: aumentou-se a carga horária em Português e Matemática,
mas diminuiu-se às outras áreas (língua estrangeira,
História e Geografia de Portugal e Ciências Naturais, no 2.º CEB; línguas
estrangeiras e Ciências Naturais e Físico-Química, no 3.º CEB). Introduziu-se o ensino do
Mandarim, mas tal introdução é de âmbito bem limitado, não se sabendo qual a
língua sacrificada. Introduziu-se a área facultativa das línguas, culturas e
literaturas clássicas, mas resta saber qual a extensão da medida e a vantagem
para a aprendizagem do Português e enditamento da cultura literária do aluno
cidadão em formação, uma vez que, no atinente à cultura, já os alunos têm a
compromete na disciplina História.
E
o ministro ousa ainda afirmar que temos “uma
componente profissionalizante, tanto através do ensino profissional como do
ensino vocacional, mais estabilizado e que está a caminho do que na União
Europeia, em relação ao ensino secundário, se aponta, que são os 50% de jovens
em vias profissionalizantes, 50% de jovens nas vias científico-humanísticas.
Ora, em termos sistémicos, não temos alteração substancial à caminhada encetada
pela Milu Rodrigues, com as insuficiências e perturbações lançadas no sistema
público de ensino. E o resultado é a procura do ensino privado, apoiado pelo
Estado em nome da liberdade de escolha, de modo a fabricar candidatos à
Universidade sem olhar a meios, ficando na escola pública os alunos com menos
recursos.
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Entretanto, alguns professores protestaram pela forma como
são feitos os concursos. A agência Lusa conta
a história de uma das manifestantes, que vincou que “a experiência profissional
não conta, a experiência profissional não interessa” e que lamentou a
existência de uma grande diversidade de momentos concursais e de diferentes
critérios de graduação em cada um.
Depois, o desinvestimento no ensino artístico é outro dos
temas que têm estado no centro das atenções. Hoje, dia 18, professores,
diretores escolares, alunos e encarregados de educação manifestaram-se frente ao
MEC contra as exíguas verbas atribuídas às escolas de ensino artístico que
obrigam a retirar das turmas milhares de crianças que já estavam inscritas.
Nuno Crato contrapõe que “não há desinvestimento nenhum no
ensino artístico”, realçando que os recursos para o ensino artístico este ano
“são exatamente os mesmos deslocados o ano passado”. Porém, os
diretores das escolas têm outra versão. Falam em cortes de financiamento e avisam
muitos pais de que os seus filhos poderão ser retirados das turmas em que estão
inscritos. E, segundo o levantamento da AEEPC (Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e
Cooperativo) junto de 30% das escolas, há menos 2519 alunos apoiados em
relação ao ano passado.
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Em
contraponto, David Rodrigues, no Público
de hoje, afirma que “a Educação é uma arma carregada de futuro”, parafraseando o
poeta espanhol Gabriel Celaya que inseriu em 1955 no seu livro Cantos Iberos uma poesia intitulada A poesia é uma arma carregada de futuro,
que se tornou famosa depois de ter sido interpretado por Paco Ibañez.
Ora, a educação tem, na perspetiva do
colunista, íntima relação com o futuro, “porque se dirige a cidadãos que irão
deter a capacidade de ação e decisão nos tempos que estão para vir”. No
entanto, a idade não é o critério único de perspetivação do futuro. De acordo
com Rodrigues, há “pessoas que, sendo jovens, estão saudosas do passado e
pessoas idosas que anseiam pelas soluções e mudanças que o futuro trará”.
Segundo ele, a educação relaciona-se com o futuro não tanto pelas idades dos
destinatários, “mas sobretudo pela forma como lida, cultiva e acarinha os
valores de futuro”. E, na convicção de que “as opções que se tomam em educação
são muito reveladoras e claras sobre as ideias que temos sobre o que queremos
que prevaleça no futuro”, o colunista do Público
faz referência a quatro:
Primeira – Pensar quem são os destinatários do sistema educativo. Os
destinatários da ação educativa são todas as crianças, adolescentes e jovens em
idade de escolarização. É a universalidade da educação. Pugnar por uma educação
para todos, independentemente das condições e situações, é a meta estruturante,
justa e ambiciosa. Implica que a educação chegue em condições de igualdade a alunos
de qualquer origem social, económica ou cultural – pobres e ricos. Significa que os alunos “bons” e os “maus”
têm igualmente direito a educação de qualidade, que não os diminua face às suas
possibilidades de sucesso.
Segunda – Pensar numa estrutura inclusiva. Deve partir do que os alunos
sabem, do que sentem e do que viveram “para que possam todos enriquecer-se com
a experiência uns dos outros”. Com efeito, assegura Rodrigues que “não é
possível ensinar nada a uma pessoa que não saiba nada”. Todas as boas
metodologias de ensino procuram certificar-se, como ponto de partida, dos
conhecimentos e experiências dos alunos para “estabelecer pontes, relações
entre o que se sabe e o que se tem de aprender”. Assim, há que partir do
pressuposto de que todos os alunos têm uma experiência, uma personalidade, uns conhecimentos
e uma cultura que precisamos de conhecer para trabalhar a partir dessa
realidade. A escola não se cinge aos conhecimentos eventualmente numerosos e
“diferentes” dos alunos: leva-os, antes, de forma cíclica, progressiva,
ampliada e aprofundante, a estádios mais avançados do seu conhecimento e da
construção da sua personalidade e da capacidade de intervenção na sociedade
democrática e competitiva. Temos que dispor, como diz o colunista, “de uma
escola inclusiva, isto é, que não desista dos alunos e não incense ou lance
anátemas sobre o que eles sabem ou sentem”.
Terceira – Imaginar uma estrutura que seja criativa e não só de reprodução de
conhecimentos. De certa forma, a escola vive neste equilíbrio: se, por um
lado, se espera que forneça aos alunos as bases e conhecimentos fundamentais
para participar e usufruir das oportunidades – “o património cultural da
Humanidade” – também é certo que escola que se foque exclusivamente no ensino
do conhecido corre o risco de se tornar obsoleta e desinteressante. A escola
tem de se comprometer com a inovação baseada no conhecimento do “novo”, com a
inovação nos conteúdos e nas metodologias. Cabe-lhe também um papel supletivo e
inovador face às experiências extraescolares que estão disponíveis da parte da
sociedade.
Quarta e última – Tornar a escola numa estrutura democrática e
participativa. A escola tem de ser um espaço liberdade e responsabilidade.
Isto não se consegue só com aulas, com conselhos, com punições, com
regulamentos e estruturas de administração e gestão. A criação, manutenção e
desenvolvimento duma estrutura democrática escolar significa que os alunos têm direito
e devem ter oportunidades e dever de se pronunciarem sobre a vida da escola, de
serem ouvidos sobre opções, problemas e recursos da escola, de serem chamados à
colaboração e contribuição responsáveis para a resolução de problemas que lhes
digam respeito.
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E termino, por fim, com as palavras sentenciosas
David Rodrigues, que integram um lema buarquiano:
“A educação é uma arma carregada de
futuro, se for universal, se for inclusiva, se for inovadora e se for
emancipatória. Por isso, precisamos de influenciar as políticas falando, agindo,
mostrando e convencendo. O futuro anda rápido (quando comecei a escrever este
texto ela ainda era futuro) e não podemos, pois, esperar. Chico Buarque já
cantou há muito que ‘quem espera nunca
alcança’.”.
2015.09.18 – Louro de Carvalho
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