sábado, 19 de setembro de 2015

O ensino está com a casa em ordem…

Quem o afirmou foi o Ministro da Educação e Ciência no contexto da abertura do ano letivo. E a casa do ensino está em ordem porque alegadamente o início do ano letivo de 2015/2016, que se encontra em processo de abertura desde 15 a 21 de setembro, está a ser “sereno e positivo”, está o “corpo docente estabilizado”, temos o “currículo mais bem organizado” e dispomos de “melhores escolas” e “melhor sistema educativo”.
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Se a serenidade aludida significa colocação atempada de professores, há que pôr em pratos limpos os termos da razoabilidade: os problemas de concursos e colocação de professores dos últimos são, na verdade, residuais. Têm, apesar disso, efetivamente muito impacto por duas razões: a primeira é que o aumento do número de alunos por turma, o decréscimo da população escolar, o fenómeno dos agrupamentos e agregações de agrupamentos e os cortes curriculares fizeram a rarefação do recrutamento e contratação de docentes e colocaram muitos docentes dos quadros na obrigação de concorrer a DACL (destacamento por ausência da componente letiva), embora muitos tenham sido induzidos a aposentação antecipada e alguns à rescisão de contrato por mútuo acordo; a segunda tem a ver com experiências inusitadas, baseadas em fórmulas matemáticas de mau conselho, originando situações mais que muitas de injustiças e faltas de atenção àquelas pessoas que em meados de setembro não sabiam aonde iriam parar (havendo docentes colocados em vários lugares e horários com vários docentes).
Sobre a colocação professores, há que dizer que foi sendo curada a hecatombe de 1976/77, em que as responsabilidades das colocações estapafúrdias de professores provisórios (os efetivos eram muito poucos) em quase todas as disciplinas e em quase todos os níveis de ensino foram atribuídas ao computador, que então passou a intervir, sem experiência, no sistema. E, assim, pensava-se que o DL n.º 18/88, de 21 de janeiro, e o DL n.º 35/88, de 4 de fevereiro (respetivamente para o 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário e para a educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico) tinham consolidado os mecanismos de concurso e colocação. Porém, em 2014, o Governo de Durão Barroso quis juntar num mesmo concurso os educadores de infância, os professores do 1.º Ciclo e os do 2.º e 3.º e os do ensino secundário. Para o efeito, entregou a tarefa ingente e complexa a uma empresa privada da área da informática, mas inexperiente na matéria. Além disso, o diálogo entre a equipa de procedimentos do Ministério da Educação (ME) e a da empresa não mostrava a mínima eficiência (dizem que a equipa do ME dava informações sucessivas e até contraditórias). O sistema enrolava continuamente e, quando desenrolava, os resultados eram catastróficos, até que a ministra da Educação de Santa Lopes arranjou solução para aquele momento. Depois, pensava-se que o mecanismo iria estabilizar, o que sucedeu com algumas alterações legislativas, algumas delas criticáveis.
Com o DL n.º 132/2012, de 27 de junho, e legislação subsequente, foi efetivamente introduzida alguma melhoria. No entanto, a aplicação dos normativos legais trouxe as situações incríveis para as pessoas, considerando a experiência acumulada. As escolas com autonomia reforçada contratualmente, as contextualizadas em TEIP (territórios educativos de intervenção prioritária) e as outras, por força da necessidade de substituir docentes requisitados ou destacados para outros serviços e os atingidos por doença ou por licença parental por motivos de nascimento sentiram-se enredadas na multiplicidade de colocados no mesmo horário ou de docentes colocados em vários horários em simultâneo, por fórmulas matemáticas inaplicáveis e por critérios e subcritérios de recrutamento e seleção. Isto, para não falar do propalado abuso de docentes (com falaciosas declarações médicas e administrativas) que, este ano, foram colocados em regime de destacamento por condições específicas antes dos docentes dos quadros de zona pedagógica e dos DACL (estes intempestivamente obrigados a concorrer) – situação a que acresce a do criticado e mal explicado atraso do início do ano letivo.
Quanto a este início de ano, não se percebe nem a medida, que apenas se destina a dar folga a uma colocação de docentes menos turbulenta em ano de eleições legislativas (tudo anda calado, apesar de um ou dois diretores de agrupamento ainda terem levantado a voz, sobretudo em relação às necessidades eventuais dos agrupamentos), nem a crítica à medida. A crítica é contraditória, porque acusa o Governo de ser este o ano letivo em que escola pública começa mais tarde (esta acusação só a faz quem não tem memória, sobretudo depois que o ano escolar – não confundir com ano letivo! –começou a iniciar-se em 1 de setembro em vez de 1 de outubro, com a publicação dos DL n.º 18/88 e n.º 35/88, referidos), mas ninguém pede aulas suplementares para as disciplinas sujeitas a exame nacional ou a provas finais nacionais, como vergonhosamente sucedeu no ano transato. Em todo o caso, a explicação dada por Crato de que o objetivo foi que houvesse um maior equilíbrio entre os períodos letivos e não iludir a perspetiva eleitoral soa a ingenuidade matemática ou a fazer dos portugueses matematicamente ingénuos, dado que não se equilibram os períodos escolares apenas tirando três dias ao primeiro.
Diga-se também que é inusitada a referência pública à mais de uma centena de docentes que deixam os alunos sem aulas para integrarem campanha eleitoral. Sempre aconteceu com professores e outros trabalhadores, como com empresários. Ou será que os professores estão diminuídos nos seus direitos civis e políticos? Não será, antes, obrigação de quem dirige antecipar e resolver o problema?  
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Mas a serenidade evocada poderia resultar da melhoria do estatuto da carreia docente (ECD). Nem isso. A última grande alteração legislativa sobre a matéria foi o DL n.º 41/2012, de 21 de fevereiro, que alterou o modelo da avaliação de desempenho do pessoal docente. Porém, nem esta matéria foi substancialmente melhorada, nem a inútil sobrecarga de trabalho imposta aos docentes pela ex-ministra Milu Rodrigues foi minimamente aliviada. E, se os professores ainda podiam fazer uma leitura inteligente do seu ECD, os despachos normativos da organização do ano letivo, secundados pelos poderes que muitos diretores foram assumindo abusivamente até, criam o caos pedagógico e laboral. Depois, as metas curriculares, na definição complexa e rígida para cada ano de escolaridade, aliadas à quase proibição de retenção de alunos, levam à criação da sensação escolar de meter a Betesga no Rossio. Por outro lado, as solicitações ministeriais, as editoras, os rankings e a oposição público/privado induzem os docentes da escola pública a acentuarem a preparação dos alunos para exame através das diversas baterias de testes normalizados, ao invés de promoverem uma educação integral e integrante.
Acresce o aumento do horário de trabalho semanal de 40 horas, que significa juntar mais 5 às mais de quarenta que o povo docente já fazia em média, algumas das quais bem inúteis.
Depois, apetece-me perguntar como é que a PACC, por que tanto batalhou o MEC, se encontra eclipsada, a não ser que a campanha eleitoral tenha imposto este jejum ministerial ou a intervenção adequada na área da formação inicial de professores já tenha ocorrido e eu não tenha dado conta.
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Quanto ao “currículo mais bem organizado”, é de recordar que as últimas intervenções legislativas sobre currículo escolar (DL n.º 139/2012, de 5 de julho, DL n.º 91/2013, de 10 de julho, e Decreto Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro).
Porém, no atinente ao mérito da legislação, pode dizer-se que pouco se acrescentou ou diminuiu em relação aos normativos de 2011: os cortes curriculares quantitativos hoje equivalem-se. Depois, criou-se a confusão com as matrizes curriculares organizadas em função da opção das escolas pelo tempo curricular de aula de 50 ou de 45 minutos: com perda de tempo letivo no primeiro caso; e aumento do número de tempos letivos, no segundo, com a obrigação de compensar minuto a minuto a diferença dos 45 para 50 minutos na componente letiva e, segundo alguns diretores, também na componente não letiva. Como é que os professores são a única classe profissional para quem os intervalos não contam como trabalho?
É certo que todos os alunos terão sete anos de inglês (do 3.º ao 9.º), mas mantêm-se as reduções curriculares nas outras línguas estrangeiras e em Geografia e História: aumentou-se a carga horária em Português e Matemática, mas diminuiu-se às outras áreas (língua estrangeira, História e Geografia de Portugal e Ciências Naturais, no 2.º CEB; línguas estrangeiras e Ciências Naturais e Físico-Química, no 3.º CEB). Introduziu-se o ensino do Mandarim, mas tal introdução é de âmbito bem limitado, não se sabendo qual a língua sacrificada. Introduziu-se a área facultativa das línguas, culturas e literaturas clássicas, mas resta saber qual a extensão da medida e a vantagem para a aprendizagem do Português e enditamento da cultura literária do aluno cidadão em formação, uma vez que, no atinente à cultura, já os alunos têm a compromete na disciplina História.
E o ministro ousa ainda afirmar que temos “uma componente profissionalizante, tanto através do ensino profissional como do ensino vocacional, mais estabilizado e que está a caminho do que na União Europeia, em relação ao ensino secundário, se aponta, que são os 50% de jovens em vias profissionalizantes, 50% de jovens nas vias científico-humanísticas. Ora, em termos sistémicos, não temos alteração substancial à caminhada encetada pela Milu Rodrigues, com as insuficiências e perturbações lançadas no sistema público de ensino. E o resultado é a procura do ensino privado, apoiado pelo Estado em nome da liberdade de escolha, de modo a fabricar candidatos à Universidade sem olhar a meios, ficando na escola pública os alunos com menos recursos.
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Entretanto, alguns professores protestaram pela forma como são feitos os concursos. A agência Lusa conta a história de uma das manifestantes, que vincou que “a experiência profissional não conta, a experiência profissional não interessa” e que lamentou a existência de uma grande diversidade de momentos concursais e de diferentes critérios de graduação em cada um.
Depois, o desinvestimento no ensino artístico é outro dos temas que têm estado no centro das atenções. Hoje, dia 18, professores, diretores escolares, alunos e encarregados de educação manifestaram-se frente ao MEC contra as exíguas verbas atribuídas às escolas de ensino artístico que obrigam a retirar das turmas milhares de crianças que já estavam inscritas.
Nuno Crato contrapõe que “não há desinvestimento nenhum no ensino artístico”, realçando que os recursos para o ensino artístico este ano “são exatamente os mesmos deslocados o ano passado”. Porém, os diretores das escolas têm outra versão. Falam em cortes de financiamento e avisam muitos pais de que os seus filhos poderão ser retirados das turmas em que estão inscritos. E, segundo o levantamento da AEEPC (Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo) junto de 30% das escolas, há menos 2519 alunos apoiados em relação ao ano passado.
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Em contraponto, David Rodrigues, no Público de hoje, afirma que “a Educação é uma arma carregada de futuro”, parafraseando o poeta espanhol Gabriel Celaya que inseriu em 1955 no seu livro Cantos Iberos uma poesia intitulada A poesia é uma arma carregada de futuro, que se tornou famosa depois de ter sido interpretado por Paco Ibañez.
Ora, a educação tem, na perspetiva do colunista, íntima relação com o futuro, “porque se dirige a cidadãos que irão deter a capacidade de ação e decisão nos tempos que estão para vir”. No entanto, a idade não é o critério único de perspetivação do futuro. De acordo com Rodrigues, há “pessoas que, sendo jovens, estão saudosas do passado e pessoas idosas que anseiam pelas soluções e mudanças que o futuro trará”. Segundo ele, a educação relaciona-se com o futuro não tanto pelas idades dos destinatários, “mas sobretudo pela forma como lida, cultiva e acarinha os valores de futuro”. E, na convicção de que “as opções que se tomam em educação são muito reveladoras e claras sobre as ideias que temos sobre o que queremos que prevaleça no futuro”, o colunista do Público faz referência a quatro:
Primeira – Pensar quem são os destinatários do sistema educativo. Os destinatários da ação educativa são todas as crianças, adolescentes e jovens em idade de escolarização. É a universalidade da educação. Pugnar por uma educação para todos, independentemente das condições e situações, é a meta estruturante, justa e ambiciosa. Implica que a educação chegue em condições de igualdade a alunos de qualquer origem social, económica ou cultural – pobres e ricos. Significa que os alunos “bons” e os “maus” têm igualmente direito a educação de qualidade, que não os diminua face às suas possibilidades de sucesso.
Segunda – Pensar numa estrutura inclusiva. Deve partir do que os alunos sabem, do que sentem e do que viveram “para que possam todos enriquecer-se com a experiência uns dos outros”. Com efeito, assegura Rodrigues que “não é possível ensinar nada a uma pessoa que não saiba nada”. Todas as boas metodologias de ensino procuram certificar-se, como ponto de partida, dos conhecimentos e experiências dos alunos para “estabelecer pontes, relações entre o que se sabe e o que se tem de aprender”. Assim, há que partir do pressuposto de que todos os alunos têm uma experiência, uma personalidade, uns conhecimentos e uma cultura que precisamos de conhecer para trabalhar a partir dessa realidade. A escola não se cinge aos conhecimentos eventualmente numerosos e “diferentes” dos alunos: leva-os, antes, de forma cíclica, progressiva, ampliada e aprofundante, a estádios mais avançados do seu conhecimento e da construção da sua personalidade e da capacidade de intervenção na sociedade democrática e competitiva. Temos que dispor, como diz o colunista, “de uma escola inclusiva, isto é, que não desista dos alunos e não incense ou lance anátemas sobre o que eles sabem ou sentem”.
Terceira – Imaginar uma estrutura que seja criativa e não só de reprodução de conhecimentos. De certa forma, a escola vive neste equilíbrio: se, por um lado, se espera que forneça aos alunos as bases e conhecimentos fundamentais para participar e usufruir das oportunidades – “o património cultural da Humanidade” – também é certo que escola que se foque exclusivamente no ensino do conhecido corre o risco de se tornar obsoleta e desinteressante. A escola tem de se comprometer com a inovação baseada no conhecimento do “novo”, com a inovação nos conteúdos e nas metodologias. Cabe-lhe também um papel supletivo e inovador face às experiências extraescolares que estão disponíveis da parte da sociedade.
Quarta e última – Tornar a escola numa estrutura democrática e participativa. A escola tem de ser um espaço liberdade e responsabilidade. Isto não se consegue só com aulas, com conselhos, com punições, com regulamentos e estruturas de administração e gestão. A criação, manutenção e desenvolvimento duma estrutura democrática escolar significa que os alunos têm direito e devem ter oportunidades e dever de se pronunciarem sobre a vida da escola, de serem ouvidos sobre opções, problemas e recursos da escola, de serem chamados à colaboração e contribuição responsáveis para a resolução de problemas que lhes digam respeito.
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E termino, por fim, com as palavras sentenciosas David Rodrigues, que integram um lema buarquiano:
“A educação é uma arma carregada de futuro, se for universal, se for inclusiva, se for inovadora e se for emancipatória. Por isso, precisamos de influenciar as políticas falando, agindo, mostrando e convencendo. O futuro anda rápido (quando comecei a escrever este texto ela ainda era futuro) e não podemos, pois, esperar. Chico Buarque já cantou há muito que ‘quem espera nunca alcança’.”.

2015.09.18 – Louro de Carvalho

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