É o grande objetivo do Papa Francisco para todos os cristãos no âmbito
do Ano da Misericórdia. Para que todos os crentes possam desfrutar de “um
verdadeiro momento de encontro com a misericórdia de Deus”, o mesmo é dizer que
todos e cada um hão de fazer “uma experiência viva da proximidade do Pai”, o Pontífice escreveu, no
passado dia 1 de setembro, uma carta a
D. Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova
Evangelização, com a qual se concede a indulgência por ocasião deste jubileu extraordinário.
Francisco, confiando
na intercessão da Mãe da Misericórdia, a cuja proteção entrega a preparação deste
Ano Santo, entende que a proximidade
do tempo jubilar lhe permite “focar alguns pontos” importantes para levar os
crentes a “sentir pessoalmente” a ternura de Deus, de modo que a fé de cada um “se
revigore” e o seu “testemunho se torne cada vez mais eficaz”.
O Papa assegura
que a misericórdia divina vem ao encontro de todos com o rosto do Pai que
acolhe e perdoa, esquecendo completamente o pecado cometido”. Por isso, deseja
vivamente que todos os fiéis, em cada Diocese ou como peregrinos em Roma, vivam
intensamente a graça do Jubileu, pelo que espera que a indulgência jubilar “chegue
a cada um como uma experiência genuína da misericórdia de Deus”.
***
É de anotar
que Francisco não utiliza a expressão “indulgência plenária”, mas a expressão “indulgência
Jubilar”.
Na doutrina católica, “indulgência” (do nome latino indulgentia, que provém do verbo indulgeo, ser complacente, conceder) é o perdão concedido
fora dos sacramentos – total (indulgência plenária) ou parcial (indulgência parcial) – da pena temporal devida, à justiça divina,
pelos pecados que foram já perdoados, ou seja, do mal causado ao mistério da “comunhão
dos santos” (professada no símbolo dos Apóstolos) em consequência do pecado já perdoado. A
remissão é concedida pela Igreja Católica no exercício do poder das chaves (vd Mt 16,18-19; 18,18), por meio da aplicação dos
superabundantes méritos de Cristo, da Virgem
Maria e dos Santos, por algum motivo justo e razoável. Embora no Sacramento
da Penitência (ou da Reconciliação) a
culpa do pecado seja totalmente removida e, por conseguinte, cesse o castigo
eterno devido ao pecado mortal (matéria grave, perfeito conhecimento e advertência e pleno consentimento), ainda permanece a pena temporal exigida pela justiça divina
– exigência a ser cumprida na vida presente (sendo a penitência que o confessor
manda rezar ou fazer o testemunho dessa necessidade) ou depois da morte,
isto é, no chamado estado de Purgatório (daí a obrigação de rezar pelos defuntos, que
podem precisar das orações e boas obras dos crentes). A
indulgência oferece ao pecador penitente os meios para cumprir esta dívida
durante a sua vida na terra, reparando o mal decorrente do pecado cometido.
***
Para obter a indulgência, são necessárias várias condições cumulativas,
que o Papa enuncia:
- O gesto preceituado por quem
concede a indulgência, neste caso, “uma breve peregrinação rumo à Porta Santa, aberta em cada Catedral ou nas igrejas estabelecidas
pelo Bispo diocesano, e nas quatro Basílicas Papais em Roma, como sinal do
profundo desejo de verdadeira conversão;
- A celebração do Sacramento da
Reconciliação e da santa Eucaristia, neste caso, com uma reflexão sobre a
misericórdia;
- O desapego de qualquer sentimento de afeição
ao pecado, ora referido como o “profundo desejo de verdadeira conversão”;
- A profissão de fé;
- A oração pelo Santo Padre e suas intenções,
que Francisco explicita assim: “a oração
por mim e pelas intenções que trago no coração para o bem da Igreja e do mundo
inteiro”.
É claro que é
muito difícil lucrar a indulgência plenária
na sua plenitude, já que o desapego absoluto do pecado não é fácil. Talvez, por
isso, o Bispo de Roma se centre na espiritualidade inerente a este jubileu
extraordinário e prefira a indulgência
jubilar a que os crentes acederão na medida da misericórdia divina (que é infinita) e na medida das suas disposições de
alcançar essa misericórdia e de a distribuir generosamente pelos irmãos na fé e
na humanidade.
De igual modo,
o Papa estabelece que a indulgência jubilar se possa igualmente obter “nos
Santuários onde se abrir a Porta da Misericórdia e nas igrejas que
tradicionalmente são identificadas como Jubilares”.
Ademais, o
Sumo Pontífice oferece um gesto especialmente cordial para um bom número de pessoas
que não podem cumprir as condições normais de indulgência. Vêm, em primeiro
lugar, os doentes, os idosos e os sós:
Para “quantos, por diversos motivos, estiverem
impossibilitados de ir até à Porta Santa, sobretudo os doentes e as pessoas
idosas e sós, que muitas vezes se encontram em condições de não poder sair de casa,
para eles será de grande ajuda viver a enfermidade e o sofrimento como experiência
de proximidade ao Senhor que no mistério da sua paixão, morte e ressurreição
indica a via mestra para dar sentido à dor e à solidão”.
Para estes o
Papa dispõe o seguinte:
“Viver com fé e esperança jubilosa este momento de
provação, recebendo a comunhão ou participando na santa Missa e na oração
comunitária, inclusive através dos vários meios de comunicação, será para eles
o modo de obter a indulgência jubilar”.
Mas Francisco
apresenta uma medida inusitada para os reclusos. Considerando que o
Jubileu “constituiu sempre a oportunidade de uma grande amnistia, destinada a
envolver muitas pessoas que, mesmo merecedoras de punição, todavia, tomaram
consciência da injustiça perpetrada e desejam sinceramente inserir-se de novo
na sociedade, oferecendo o seu contributo honesto”, o pensamento pontifical (o Papa faz a ponte entre Deus e todos
os seres humanos e vice-versa) “dirige-se também aos encarcerados, que experimentam a limitação da sua
liberdade”.
Para que “a
todos eles chegue concretamente a misericórdia do Pai que quer estar próximo de
quem mais necessita do seu perdão”, o Papa determina:
“Nas capelas dos cárceres poderão obter a
indulgência, e todas as vezes que passarem pela porta da sua cela, dirigindo o
pensamento e a oração ao Pai, que este gesto signifique para eles a passagem
pela Porta Santa, porque a misericórdia de Deus, capaz de mudar os corações,
consegue também transformar as grades em experiência de liberdade”.
***
Também a
carta papal não esquece alguns dados tradicionais:
- A aplicação da indulgência obtida em prol dos
defuntos. Assim:
“A indulgência jubilar pode ser obtida também para
quantos faleceram. A eles estamos unidos pelo testemunho de fé e caridade que
nos deixaram. Assim como os recordamos na celebração eucarística, também
podemos, no grande mistério da comunhão dos santos, rezar por eles, para que o
rosto misericordioso do Pai os liberte de qualquer resíduo de culpa e possa
abraçá-los na beatitude sem fim.”.
- O compromisso na intensificação e ampliação da
prática das obras de misericórdia. Neste sentido, o Papa declara:
“Eu pedi que a Igreja redescubra neste tempo jubilar a
riqueza contida nas obras de misericórdia corporais e espirituais. De facto, a
experiência da misericórdia torna-se visível no testemunho de sinais concretos
como o próprio Jesus nos ensinou. Todas as vezes que um fiel viver uma ou mais
destas obras pessoalmente obterá sem dúvida a indulgência jubilar. Daqui o
compromisso a viver de misericórdia para alcançar a graça do perdão completo e
exaustivo pela força do amor do Pai que não exclui ninguém. Portanto,
tratar-se-á de uma indulgência jubilar plena, fruto do próprio evento que é
celebrado e vivido com fé, esperança e caridade.”.
Parece ser,
segundo o Pontífice, a aliança entre a intensa espiritualidade em torno da misericórdia
divina, manifesta naqueles gestos indicados supra, e a sua concretização da
mesma através das suas obras que pode levar efetivamente os crentes à consecução
da indulgência jubilar em plenitude (Indulgência plenária?!).
- Uma concessão deveras extraordinária marcante
do Jubileu. Neste caso, vem, primeiro, a referência expressa à prática do
aborto e, depois, o atinente à Fraternidade de São Pio X.
Quanto ao
aborto, é pena que a Comunicação Social se tenha fixado exclusivamente na
mulher e não também (e de
igual modo) nos
instigadores, cúmplices e colaboradores. Vejamos como Francisco enquadra
doutrinal e psicossocialmente a situação, de que se faz esta condensação:
“Um grave problema atual é a relação com a vida.
Mentalidade muito difundida fez perder a sensibilidade pessoal e social pelo
acolhimento duma nova vida. O drama do aborto é vivido por uns com uma consciência
superficial, sem darem conta do gravíssimo mal que tal gesto comporta. Outros,
vivendo-o como uma derrota, julgam que não ter outro caminho. Penso, de modo
particular, nas mulheres que recorreram ao aborto. Conheço os condicionamentos
que as levaram à decisão. É um drama existencial e moral. Encontrei muitas que
traziam a cicatriz desta escolha sofrida e dolorosa no coração. O que aconteceu
é profundamente injusto; contudo, só a verdadeira compreensão pode impedir que
se perca a esperança. O perdão de Deus não pode ser negado a quem esteja
arrependido, sobretudo quando com coração sincero se aproxima do Sacramento da
Confissão para obter a reconciliação com o Pai.”.
Depois vem a
medida:
“Decidi conceder a todos os sacerdotes para o Ano
Jubilar a faculdade de absolver do pecado de aborto quantos o cometeram e,
arrependidos de coração, pedirem que lhes seja perdoado. Os sacerdotes se
preparem para esta grande tarefa sabendo conjugar palavras de acolhimento
genuíno com uma reflexão que ajude a compreender o pecado cometido, e indicar
um percurso de conversão autêntica para conseguir entender o verdadeiro e
generoso perdão do Pai, que tudo renova com a sua presença.”.
Quanto à
Fraternidade de São Pio X, na convicção de que o Ano Jubilar não exclui ninguém e porque, de diversas partes, alguns
Bispos lhe fizeram referências acerca da boa fé e prática sacramental das
pessoas que frequentam as liturgias da instituição, porém unidas à dificuldade
de viver uma condição pastoralmente árdua, o Papa – confiado em que no futuro
próximo se possam encontrar soluções para recuperar a plena comunhão com os
sacerdotes e os superiores da Fraternidade determina:
“Movido pela exigência de corresponder
ao bem destes fiéis, estabeleço por minha própria vontade que quantos, durante
o Ano Santo da Misericórdia, se aproximarem para celebrar o Sacramento da
Reconciliação junto dos sacerdotes da Fraternidade São Pio X, recebam válida e
licitamente a absolvição dos seus pecados”.
***
Não se percebe
como plausível a omissão, pela Comunicação Social, da concessão feita no Ano Jubilar
à Fraternidade de São Pio X por Francisco, sobretudo atendendo aos motivos
invocados.
Sei que
alguns acham pouco o determinado quanto à absolvição alargada do ato abortivo,
por ser possível apenas durante um ano, enquanto outros acham que foi uma porta
que se abriu irreversivelmente. Em todo o caso, gostaria de que o Papa tivesse
determinado de modo igual para quantos se confessem de pecados cuja absolvição está,
pelo direito, reservada ao bispo diocesano (mesmo que não os especificasse), como sinal de maior liberalidade misericordiosa. Não
obstante, há que recordar que, em todas as dioceses, há o cónego penitenciário (ou padre com iguais prerrogativas, caso não haja cónegos; e o
respetivo confessor pode reportar com nome fictício de penitente a confissão a
essa entidade, podendo mandar em paz o penitente depois de o informar) com a faculdade ordinária de os
absolver presencialmente. Mais: nalgumas dioceses, os padres, sobretudo os párocos,
gozam dessa prerrogativa, sobretudo durante a Quaresma.
Ademais, é
importante que se respire todo o sentido doutrinal, prático e espiritual do
todo da carta, em articulação com a leitura da bula Misericordiae Vultus.
2015.09.08 – Louro de Carvalho
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