Vem o desafio enunciado em epígrafe como
reconhecimento da exigência que os portugueses fazem a quem nos governa, ou diz
que nos quer governar, de que nos digam a verdade toda. As meias verdades ou
verdades diplomáticas fiquem remetidas para a relação entre Estados para
eventualmente não se atrapalharem diligências e projetos de convivência em paz
ou em reivindicação de posições no concerto das nações. Por outro lado, o apelo
em causa justiça-se em razão das disparidades existentes entre tudo ou quase
tudo o que afirma quem governa e o que afirma quem está na oposição. E aqui os
construtores de opinião pública não podem colocar-se de fora, seja porque são
cúmplices na confusão, seja porque alinham numa ou noutra onda, conforme as
conveniências, seja porque investigam e chegam a conclusões, mas não acham o
momento oportuno para dizer a verdade.
Por isso, resolvi lançar alguns itens como exigência
explicativa de apuramento da verdade:
1- Dizem-nos que os governos do PS solicitaram a
intervenção externa para ajustamento económico e financeiro do país (1976-1978;
1983-1984; e 2011).
Em relação aos dois primeiros momentos, não poderá
dizer-se que o Governo gastou os primeiros dias a delapidar o erário e, depois,
ousou pedir a ajuda externa. Recordo que, entre 1974 e início de 1976, o país
passou por um intenso período revolucionário, com avanços e recuos e com a
integração de milhares e milhares de portugueses provindos das ex-colónias. E
recordo que, de fins de 1978 até fins de 1979, foi o período dos governos de
iniciativa presidencial (sem PS) e que,
desde início de 1980 a fins de 1982, foi a AD que governou.
Quanto ao ano de 2011, será que a intervenção externa
se justifica por termos vivido acima das nossas possibilidades, pela má
governação, pela orientação europeia na forma de responder à crise internacional,
pela retirada do tapete da banca à execução dos megaprojetos de impacto
nacional e internacional, ao enervamento dos mercados, à falta de compromisso
interpartidário de que hoje tanto fala o PR, à rutura encoberta do setor
financeiro?
Porque é que o PSD de Passos Coelho apoiou todos os
“PEC” do Governo minoritário, com exceção do PEC IV? Porque ninguém nos diz
qual a verdadeira diferença entre o PEC IV e o Memorando de Entendimento ou Programa de Ajustamento Financeiro (o PAF de então)?
2- No atinente ao Memorando
de Entendimento, não se percebe como é que tanto o PS como o PSD (Sócrates e
Teixeira dos Santos, dum lado, e Eduardo Catroga, do outro) não se cansavam de lhe exaltar a bondade para
ultrapassar a crise, sem prejudicar mais salários e subsídios e sem aumentar
impostos. Depois, o Governo, que, em campanha eleitoral, garantia não se
importar de governar com o FMI e, após a tomada de posse, pretendia ir além da
troika, no tempo de Vítor Gaspar não acertou uma única previsão, apesar de ter
revelado uma força impetuosa (apenas travada em parte pelo Tribunal Constitucional) na redução salarial dos funcionários públicos e dos seus
subsídios de natal e de férias, no aumento brutal de impostos e na criação de
outros, no corte drástico (por diversos modos) nas pensões de aposentados e reformados, na cessação de atividade da
parte de funcionários do Estado (pelas vias da reestruturação de
serviços, da aposentação antecipada, da rescisão por mútuo acordo, da
requalificação), na
supressão de feriados, no aumento do horário semanal de trabalho e no regime de
justificação das faltas por doença. Quem nos explica de modo cabal como é que
isto foi possível? Ou, se havia outro caminho, onde é que ele estava? Como era
possível fazer de outro modo?
3- Tendo em conta a dívida e o défice, os dados,
sobretudo os percentuais, são divergentes conforme o lado político por que são
lidos. Evidentemente que, se o critério de aferição do défice ou da dívida for
unicamente o PIB, é óbvio que, se este crescer um pouquito, o défice e a dívida
baixam. No entanto, não se pagam dívidas e juros sobre a percentagem de dívida,
mas sobre os montantes.
Dizem também que os critérios e métodos de cálculo do
défice e da dívida mudaram. Mais: que os dados percentuais são uns ou outros
conforme as instituições que os apreciam ou que houve importantes frações de
dívida que não foram contabilizadas.
Ora, em vez de tudo isto, digam-nos, ano económico a
ano económico, consulado a consulado, quais os montantes absolutos da dívida e
do défice, os valores referentes a cada período de referência e respetivos
critérios de cálculo, o que é que ficou de fora e porquê (se
licitamente ou ilicitamente e, neste caso, por culpa de quem). Digam quais são os indicadores para o cálculo do
PIB e se estes foram alterados ao longo do tempo e, se sim, em que medida.
Digam-nos, a sério e sem subterfúgios, também qual o
montante exato da dívida do Estado, a dívida das empresas e a dívida das
famílias. Será que os portugueses têm de ser penalizados pelos desmandos dos
bancos (BCP, BPN,
BES/GES – e dizem que Montepio Geral, Banif … e a própria CGD!) e de empresários que declaram falência da empresa ou
do grupo empresarial e constituem outra ao lado, quiçá com o mesmo núcleo
gestor ou até nas mesmas instalações. Como é que se chega ao desplante de
nacionalizar, liquidar ou “resolver” um banco sem ir à procura do dinheiro, mas
manter em atividade a entidade proprietária; sem penalizar os gestores, mas vendê-lo
ao desbarato depressa para que a situação não se repercuta no défice e sem
honrar os compromissos com aqueles que se sentem gravemente lesados, até por
haverem acreditado em declarações públicas de quem devia merecer credibilidade?
Quem diz que os contribuintes não são chamados pagar
direta ou indiretamente os custos do BPN ou os do Novo Banco, que o demonstre e
que diga porque é a pressa de vender o NB. E quem diz o contrário que o
explique até à exaustão com palavras que todos percebam.
4- Creio não valer a pena entrar na polémica dos números
do desemprego nos últimos 4 anos. Era o que faltava os números do desemprego
não terem diminuído nos últimos 2 anos e o país não estar um pouquito melhor.
Há uma pressão psicossocial menor porque a troika, embora continue a mandar
recados algo contraditórios, já não mora permanentemente em Lisboa, o BCE
alterou os procedimentos e o serviço da dívida ficou menos oneroso em virtude
da baixa dos juros. E, se algum clima de confiança se restabeleceu, é óbvio que
a economia tinha de crescer alguma coisa. Aliás, o Governo está para fazer
alguma coisa.
Porém, para que não restem dúvidas, digam-nos p-à-pá santa justa se nos últimos 10
anos foram ou não alterados os critérios e as metodologias do apuramento dos
dados do desemprego. Explicitem em termos de números, ano a ano e na totalidade
deste quadriénio: quantos efetivamente caíram no desemprego; quantos ganharam
ou reganharam um emprego; quantos deixaram uma situação de emprego estável e
passaram a emprego precário; quantos estão em estágios não pagos; quantos
ingressaram em estágios profissionais; quantos entraram em cursos de formação
alternativos ao emprego ou em requalificação profissional; quantos rescindiram
contrato por mútuo acordo na administração pública e no setor privado; quantos
trabalham a recibo verde; quantos deixaram de contactar regularmente com o
respetivo centro de emprego; quantos deixaram de procurar ativamente emprego;
quantos deixaram de aceitar emprego por a oferta não ser compatível com as
habilitações ou com a experiência; quantos emigraram; quantos regressaram;
quantos imigrantes retornaram aos países de origem. E tenham coragem de fazer
e/ou aceitar a comparação destes dados com os mesmos relativamente ao
quadriénio imediatamente anterior.
De modo similar, informem: quantas empresas faliram;
quantas empresas se criaram; quantas empresas e serviços (no setor
público e no privado) foram
reestruturados; quantas famílias e pessoas individuais declararam insolvência;
quantos foram vítimas da reestruturação de empresa /serviço e extinção do posto
de trabalho; quantos pediram a reforma ou aposentação antecipada.
5- Todos ouviram dizer que os sacrifícios foram pedidos
a todos os portugueses. Até sabemos que se operaram corte em salários e
subsídios também nos detentores de cargos públicos. Então, expliquem como foi
possível, nos últimos quatro anos, os elementos do poder legislativo e alguns
do executivo e os magistrados terem passado por um aumento médio de salário (ou
equivalente) de 9% ou
cerca de 250 euros por mês. E como se justifica em termos de equidade e ética
que os funcionários do BdP e os trabalhadores de empresas públicas em
concorrência como o setor privado ou em vias de privatização tenham ficado
imunes aos cortes salariais e de subsídios?
6- Por falar de privatizações, informem-nos a sério
sobre o que falta vender. E prestem contas. Digam em pormenor: quanto encaixou
o Estado com a privatização de cada empresa (EDP, REN, PT, ANA, CTT, EGF, Seguradoras,
TAP… a maioria agora de capital estrangeiro) e no global; digam em quanto ficou a capitalização de cada empresa; que
reestruturação sofreram; que benefícios e prejuízos resultaram para os clientes;
que mais-valia e inovação apresentam em planeamento, organização, funcionamento
e eficácia; como cumpriram o caderno de encargos.
E quem está contra as privatizações e subscreveu o Memorando de Entendimento explique como
contornaria o documento sem levar a cabo as privatizações ou como é que as
faria de outro modo.
A quem não subscreveu o programa da troika, informe responsavelmente
como nos levaria a sair da embrulhada da barra da “bancarrota” ou explique como
é que efetivamente o país não estava em bancarrota, tendo, antes, tal atoarda
sido produto da especulação financeira.
7- Tenham ainda a fineza de nos explicar como é que tem
funcionado o fenómeno exportações vs importações ano a ano, nos dois últimos quadriénios,
e se o decréscimo das importações e o aumento das exportações é um dado
sustentável e como.
8- Expliquem ao povo o que se passa sobre a Segurança
Social. Há mais alguma novidade (do lado do Governo e do lado da
oposição) sobre o cálculo de pensões de
reforma/aposentação e idade (e tempo de serviço) para a sua consecução.
Como é que uns se propõem resolver eficazmente o
problema do plafonamento e outros, o do abaixamento da TSU? Porquê a tentação
de transferência da responsabilidade do Estado para os privados, quando o Estado
nos últimos foi buscar fundos de pensões privados, assumindo o pagamento das
pensões futuras?
Como apontar a não sustentabilidade da CGA se os Governos
barraram as admissões e se o Estado não pagava a sua quota de patrão sobre o vencimento
de cada subscritor, o que honestamente implicaria a disponibilização do Orçamento
do Estado. Ou como respirar insustentabilidade da Segurança Social, se os seus
Institutos compram dívida pública e se os empregos criados geram salários cada
vez mais baixos e, por consequência, menor contribuição patronal e laboral para
a Segurança Social?
9- Respondam a Catarina Martins: É verdade ou não que
nos dois próximos anos o serviço da dívida equivale ao conjunto dos gastos do Estado
com a saúde e a educação?
Enfim, o que é que verdadeiramente a PAF, o PS, a CDU
e o BE pretendem fazer ao nível da saúde, da educação e da segurança social?
Digam-nos estas formações partidárias porque é que o
petróleo embaratece cada vez mais e nós continuamos a pagar os combustíveis por
demasiado alto preço em comparação com os demais países europeus. E porque é
que se paga mais pelas telecomunicações e pela energia elétrica?
Digam-nos estas formações partidárias como vão lidar
com o furor negocial dos angolanos em Portugal e com o seu domínio na
Comunicação Social, quando no seu país desigualdades, miséria, crime e violação
dos direitos humanos são o “pão nosso de cada dia”?
10- Finalmente, digam-nos – PAF, o PS, a CDU e o BE – se
acreditam que a competitividade se consegue com os baixos salários (ou com o
baixo custo do trabalho em vez do abaixamento dos custos de produção) e não pelos seguintes fatores: seleção criteriosa, formação contínua e motivação permanente do pessoal;
efetiva diferenciação de produção de produtos/serviços e seu valor acrescentado;
diversificação de mercado, com diluição de riscos; adoção de uma política de ‘Qaullity
Insurance’ (desde a
conceção à entrega ao cliente e ao consumidor, dentro dos prazos); e reconhecimento
material e psicológico de quem tem mérito e se destaca em eficiência e eficácia (cf Miguel Matos Chaves, in O Diabo, de 1 de setembro, pgs 8-9).
***
Dizem-nos que isto está muito melhor, fazendo-nos crer
que o difícil passou e agora tudo vai melhorar. Todos ficamos satisfeitos com
as melhorias. Porém, perguntemos aos familiares dos cerca de 400 mil
portugueses que emigraram se isto está efetivamente melhor; às centenas de
milhares de desempregados que já não recebem qualquer subsídio de desemprego (cerca de 50%
dos inscritos nos centros de emprego) como isto
está; aos trabalhadores de inúmeras empresas onde passou a aplicar-se o banco de horas se estão melhor, agora
que, por salários de miséria e sem direito a horas extraordinárias, têm de
ficar em casa quando não querem, ou trabalhar inúmeras horas quando a entidade
patronal quer.
As exportações aumentaram, mas em grande parte à custa
de salários cada vez mais baixos. É que, comparado com 2011, o número de
assalariados a receberem o salário mínimo nacional passou de 11,3% para 19,6%.
Dizem que em 2016 vamos recuperar parte da sobretaxa do
IRS. Mas, a acontecer, isto não passa de uma gota de água doce no oceano do que
é preciso recuperar. Estamos de cofres cheios (títulos de dívida), mas de algibeiras vazias. Quem quer enganar quem?!
2015.09.02 –
Louro de Carvalho
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