As
eleições legislativas de 2015 têm um dinamismo bastante parecido com outras
congéneres: partidos e coligações a apresentar candidaturas, romarias por todo
o país, comícios, tempos de antena, cobertura jornalística especial, etc.
Também, como em outras, a campanha eleitoral, aliás na esteira da pré-campanha,
tem sido morna, pouco esclarecedora e mais de acusações que de projetos. Todos
dizem que não fazem promessas, mas vão fazendo… algumas travestidas de
compromissos não austeritários e outras de mudança para melhor no quadro
existente.
Entretanto,
este período eleitoral tem as suas peculiaridades. Desde já, perde-se imenso
tempo a discutir a paternidade da troika, pondo-se cada um dos responsáveis a
tirar-se para fora do ADN do memorando de entendimento ou a reduzir à expressão
mais simples a sua responsabilidade (pressão dos outros
partidos e dos bancos, uma simples assinatura, uma reunião de apenas uma hora,
etc.). Também as
contas da Segurança Social, os cortes ou não de pensões, a diferença entre cortes
e poupanças, o plafonamento vertical e o plafonamento horizontal, a mudança de
paradigma ou a continuidade têm sido temas recorrentes, mas pouco explicados ou
explicados de forma contraditória e confusa. Parece que nem têm certezas os
contendores nem o povo eleitor. De certo modo, fazem-me lembrar as conversas de
miúdos: não fui eu, foste tu. Não, tu é que tens a culpa, eu não fiz nada.
Algumas enunciações são tão parecidas em duas das formações partidárias que uma
entrevistadora se referiu num frente a frente radiofónico a um dos contendores
chamando-o de “Dr. Passos Costa” (Poderia ter dito “Costa
Coelho”).
***
Porém,
num contexto em que determinadas formações partidárias tinham criado algumas
expectativas, os efeitos formulados por alguns não se verificam. Assim, nem se
está a aforar o fenómeno “Marinho e Pinto”, nem a coligação que sustenta o
Governo leva a “banhada” que alguns vaticinavam nem o principal partido da
oposição descolou no terreno eleitoral para uma vitória estrondosa, antes pelo
contrário. As duas forças que se espera terem maior número de votos parecem
estar com o dito empate técnico, ora com vantagem para um lado ora para o
outro. Nem parece que livres, avançados ou exibicionistas de gravidez em revistas
provoquem qualquer tsunami político. A
conclusão óbvia é a de que ninguém irá obter maioria absoluta.
A
este respeito, o Presidente da República (PR) terá feito saber que não
empossaria um governo minoritário – o que motivou algumas críticas de quem
colocava a hipótese séria de obter vitória eleitoral com maioria relativa,
embora fugisse à questão, no sentido de que o PR tem de respeitar os resultados
eleitorais. Talvez por isso, o PR esclareceu que não há propriamente governos
minoritários e que, tal como acontece nos principais países da União Europeia,
os partidos, após as eleições, devem entender-se e encontrar uma solução ou
através da formação de coligação pós-eleitoral de que resulte um governo ou
através de acordo de incidência parlamentar. E poderia ter acrescentado algo da
experiência portuguesa, embora de efeito não duradouro, a não ser no caso da
governança de Guterres: governo de um só partido sem apoio da maioria parlamentar,
mas com acordos pontuais consoante as matérias.
Com
efeito, o artigo 187.º da CRP não dispõe da forma de conseguir a constituição
do governo. Limita-se a determinar que o “Primeiro-Ministro
é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos
os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais (n.º 1). Nada refere
sobre o que os partidos possam ou não dizer nem proíbe governo de apoio parlamentar
minoritário nem obriga a qualquer forma de constituição de maiorias. Depois, o
n.º 2 dispõe que os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente
da República, sob proposta do Primeiro-Ministro. Parece que é o
Primeiro-Ministro (PM)
que tem a faculdade constitucional de formar governo, podendo ou não o PR
exercer ou não a sua influência sobre uma ou outra escolha, o que o texto
constitucional nem proíbe nem recomenda.
Entretanto,
as sondagens deixaram antever a possibilidade de a uma maior percentagem de
votos num partido ou coligação poder não corresponder um maior número de
deputados no Parlamento por conta da mesma força partidária. Ou seja, pode um
partido/coligação obter mais votos e outro/a dispor de mais deputados. E aí
levantou-se a questão: Qual será, nesse
caso, a opção do PR?
Creio
que os constitucionalistas que entendem que o PR deve atender ao número de
mandatos em detrimento do número de votos, estão no entendimento correto. É
certo que, em democracia, é válido o princípio de que a cada cabeça corresponde
um voto. No entanto, em concreto, devem ser observadas as regras que a mesma democracia
estabelece. E o texto constitucional determina a conversão dos votos em
mandatos por forma a assegurar o sistema
de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na
conversão dos votos em número de mandatos (art.º 149.º/1). É natural que, neste sistema,
alguns votos em cada círculo eleitoral fiquem dispersos, sem aproveitamento
para o apuramento de deputados. Não faz, porém, sentido o PR ter em conta o
maior número de votos em detrimento do maior número de mandatos: o apuramento de
mandatos é que se torna instrumental e uma solução destas só iria acrescentar
uma dificuldade adicional à formação do governo. Tal hipótese seria viável
somente se os partidos com assento parlamentar se pronunciassem nesse sentido.
E, nesse caso, poderiam colocar essa condição para se comprometerem a deixar
passar o programa do governo e a viabilizar os documentos fundamentais como o
orçamento. Com efeito, o PR deve ouvir os partidos e ter em conta os resultados
eleitorais: são duas exigências e não só uma ou outra.
A
isto, o PR fez saber que opção presidencial assentará no número de mandatos e
não no dos votos – informação que parece de pouca utilidade e, em tese, não
única, como referi. Por outro lado, o PR sabe que alguns esclarecimentos que
produza podem ser entendidos como interferência na campanha, o que não é
desejável nem corresponderá à verdade.
***
Outra
questão peculiar foi a de os líderes de partidos que formam uma coligação
participarem em pé de igualdade nos debates eleitorais (não
falo de entrevistas, mas de debates).
Do meu ponto de vista, a celebração de uma coligação eleitoral trará vantagens,
como a automática acoplação de mandatos por círculo eleitoral, o que pode dar
maioria à coligação, provavelmente não alcançável por cada um dos seus partidos
se concorressem em separado. Ora quem pretende as vantagens também deve assumir
as limitações. Assim, em debates e em tempos de antena, como em cobertura
jornalística de campanha, a coligação deve ser liderada pelo chefe de um dos
partidos. Ou seja, Jerónimo e Passos, a menos que deleguem no respetivo número
dois. Tão simples como isto: também as listas de coligação são conjuntas e não
em duplicado.
Porém,
a lei, dita obsoleta, de 1975 – o DL n.º 85-D/75, de 26 de fevereiro – deu
lugar à sadia e inatacável Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, mas as dúvidas
não foram dissipadas. E a verdade é que alguns órgãos de Comunicação Social dão
igual cobertura ao partido de Passos e ao de Portas, que vão coligados (Cobertura
em duplicado!).
***
Também
o futebol se introduziu, não na campanha, mas no dia das eleições. Pela primeira vez, os três maiores
clubes de futebol vão participar em jogos do campeonato no dia de eleições, a 4
de outubro.
É
certo que a lei não proíbe os desafios de futebol no dia das eleições. Em todo
o caso, se as eleições devem ser amplamente participadas – o voto é um dever e
um direito e a hierarquia da Igreja Católica em Portugal chegou a priorizar o
ato eleitoral sobre a missa dominical – caberia à entidade responsável pela
jornada futebolística respeitar o caráter “sacral” do momento eleitoral.
É óbvio que alguém falhou, a liga de clubes ou o Ministério da
Administração interna. Não deveria haver eventos com grande aglomeração de
pessoas e que obriguem a deslocações para longe das áreas de residência. Assim,
a CNE desaconselhou a realização de eventos do género em dias de eleições,
pois, além de poderem contribuir para a abstenção, podem causar “problemas
sérios devido à proximidade dos jogos às assembleias de voto”.
Já são tantas as razões que levam as pessoas à abstenção! E não
vale vir dizer que os jogadores vão votar pela manhã. O problema é dos
espectadores dos jogos: muitos deslocam-se para longe e têm de estar no estádio
respetivo horas e horas antes do início do jogo.
***
Depois, levantou-se a questão da votação dos
que estão abrangidos pela medida de coação de permanência na sua residência com
vigilância policial. Dado que a lei eleitoral dispõe sobre o voto dos reclusos,
mas omite a situação daqueles, veio a CNE (Comissão Nacional de Eleições) esclarecer que é
possível o voto destes cidadãos desde que o respetivo tribunal o autorize.
É pena que tenha de ser o poder judicial a
determinar o sentido da lei, como é esquisito que seja a CNE a interpretar a
lei. Onde param os deputados? Aí, dado que se trata do exercício de um direito
e de uma obrigação cívica, penso que a lei, interpretada segundo o espírito do legislador,
permitirá que o cidadão abrangido por aquela medida de coação se desloque à assembleia
de voto, obviamente nas condições de vigilância que se encontra na sua residência
e observadas as outras normas eleitorais, designadamente a ausência de armas no
local do voto. Por isso, terá razão quem prescinda do pedido de autorização e
cumpra o dever de informação ao tribunal. Pode parecer uma questão de pormenor.
No entanto, há uma diferença: a autorização implica submissão, ao passo que a
informação/comunicação constitui um ato de delicadeza e salvaguarda a
segurança.
***
Finamente, vem um outro elemento discursivo relacionado
com a campanha, embora não seja propriamente de campanha, mas de entendimento
perverso da relação intergeracional. O cabeça de lista de um determinado partido
por um determinado círculo eleitoral referiu os idosos com sendo “a peste
grisalha”. É óbvio que como peste não fazem mais nada do que incomodar, estorvar...
e não sei que mais. É preciso não ter vergonha para não respeitar e acarinhar o
património que, fabricado por vezes na dureza do sacrifício bem suado por cada
geração, se transmite e enriquece de geração em geração.
Além disso, como estou já nos alvores desta
peste grisalha, gostava de, enquanto deixo o meu singelo e modesto protesto,
dizer aos críticos da peste grisalha que oxalá não venham a passar pelas privações
por que passaram as gerações que os precederam para que estes tivessem acesso à
escola, à saúde, ao emprego (nem sempre
ao trabalho), à mesada, à viagens, às discotecas e bares,
aos concertos, etc… e sobretudo à liberdade
É bom que estudem a História de Portugal do
século XX!
2015.09.22 – Louro de Carvalho
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