terça-feira, 8 de setembro de 2015

A sinodalidade como necessária opção de vida pastoral

A sinodalidade pode ser encarada como uma necessidade e/ou como uma opção. E a necessidade pode provir da natureza das coisas, da gravidade das circunstâncias ou, ainda, dos dois fatores. Por outro lado, um fenómeno que resulte da necessidade pode ser assumido como opção de vida e exercido como um modo de estar, forma de atuar e estilo de relação.
Vêm estas considerações a propósito da alocução que hoje, dia 7 de setembro, véspera da festa da Natividade de Nossa Senhora, o Papa Francisco proferiu para os bispos portugueses, na Sala Clementina, no Palácio Apostólico, no âmbito da Visita ad Limina, a decorrer de 7 a 12 deste mês de setembro.
O Papa, logo de início, acolhe os bispos e saúda-os neste “encontro colegial com o Sucessor de Pedro”. Protesta-lhes a “fraterna alegria”, alegra-se por “ver a Igreja em Portugal solidária e solícita com a sorte do seu povo” e, mais adiante, afirma ver, “com esperança, crescer a sinodalidade como opção de vida pastoral nas vossas Igrejas particulares”.
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O que se entende por “sinodalidade”?
O termo deriva do nome grego “σύνοδος”, que significa: assembleia, congresso, sínodo, associação, assembleia geral, união, trato íntimo, confluência, passagem, estreito. E aquele nome grego já vem derivado de “οδός” (a significar: via, caminho, estrada, marcha, viagem, caminhada), a que se juntou o prefixo “συν”, transferido do advérbio “συν” (com a mesma forma), a significar “todos juntos” (ou: juntamente, em conjunto, além do mais, ao mesmo tempo) e da preposição “συν” (com a mesma forma) a significar “com” (ou: por meio de, ao mesmo tempo que).
Sendo assim, não admira que hoje “sínodo” seja utilizado na aceção de assembleia significativa para produzir altas e fundas reflexões e tomar decisões colegiais, seja em Roma, seja em alguma diocese da Igreja Católica, seja noutras Igrejas cristãs. Sínodo aparece com as correspondentes latinas “collegium” e “concilium”. Depois, com a especialização semântica destes vocábulos, não se assume no mesmo sentido o concílio (reunião de todos os bispos do mundo, ecuménico, e de uma região, se regional), o sínodo (assembleia de bispos em representação de diversas conferências episcopais em torno do Papa ou assembleia das forças vivas duma diocese em torno do seu bispo diocesano) e colégio, por exemplo dos bispos a tomar opções com o Papa no quadro da governação da Igreja Católica e na solicitude e pastoral pelas Igrejas locais.
Como os concílios são de si assembleias extraordinárias, são utilizadas recorrentemente, na linguagem eclesial, as noções de colegialidade (aplicada à solidariedade dos bispos com o Papa nas grandes definições doutrinais e ações perspetivantes da disciplina) e de sinodalidade (aplicada à caminhada solidária dos membros do Povo de Deus), que implica a tomada conjunta de decisões (contra o individualismo), estímulo a que todos progridam na fé, na esperança e na caridade, espera de respeito pelos ritmos e opiniões de cada um (contra o gregarismo), cultivo da alegria na esperança, vivência da comunhão íntima com o Pai, em Cristo e pelo Espírito Santo, atenção às necessidades e talentos de cada um, empenhamento conjunto nos projetos de ação ad extra para com aqueles e aquelas que não têm vez e voz, mergulhados na marginalidade e na exclusão ou acossados pela perseguição, opressão e exploração e, mesmo, coagidos a abandonar lar e pátria.
Mais: a sinodalidade faz parte do ser da Igreja (não é somente um estilo, uma floração). Quem o ensina é São João Crisóstomo no comentário ao salmo 149, em que ressalta a frase sentenciosa: Ἐκκλησία γὰρ συστήματος καὶ συνόδου ἐστὶν ὄνομα – a Igreja é uma assembleia, e sínodo é o seu nome.
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A necessidade da caminhada sinodal
Como se pode inferir desde já, a sinodalidade decorre da necessidade inerente ao ser da Igreja. A realidade sinodal encontra, na Igreja, a sua primeira e clara vivência e expressão no Concílio de Jerusalém, relatado por Lucas (vd At 15) e por Paulo (Gl 2,1-9). Apesar de não se encontrar na Assembleia de Jerusalém o que hoje se chama tecnicamente de “sínodo”, devem reconhecer-se ali vários elementos sinodais, como: a procura da verdade sob a invocação do Espírito Santo, a reunião dos Apóstolos e presbíteros que se encontram à frente das Igrejas, a auscultação das várias posições sobre uma determinada matéria, a tomada duma resolução vinculante e a sua posterior comunicação às diferentes Igrejas. Pode, pois, assim dizer-se que aquela reunião de Jerusalém inaugurou na vida da Igreja um modo de tomar decisões que podemos designar já como sinodalidade (cf Nuno Brás, in Sinodalidade e a tomada de decisões na Igreja, 2004).
A Igreja, perante a pertinência de esclarecer doutrina e normas de conduta para orientação dos seus membros terá de fazer apelo a solidariedade do Espírito, que nos ensinará toda a Verdade, manifestando-se pelas moções internas da consciência, mas também pela discussão in caritateo Espírito Santo e nós…(At 15,28), utilizando os mecanismos e o estilo da sinodalidade. É neste dar de mãos entre nós e o Espírito que se ganha a “grande serenidade e confiança no Senhor”, de que falou Francisco.
Depois, a sinodalidade torna-se necessária e imprescindível em virtude das dificuldades que “parecem ofuscar as perspetivas de um futuro melhor” e, “quando se experimenta o falimento e o vazio em redor de nós”. Surge então “o momento da esperança cristã, fundada no Senhor ressuscitado e acompanhada por um amplo esforço caritativo em favor dos mais necessitados”. A sinodalidade, que acredita na esperança, torna-se “solidária e solícita” com a sorte dos povos e das pessoas e marca a marcha conjunta “no caminho do anúncio da salvação de Jesus Cristo”.
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A sinodalidade como opção pastoral e estilo de atuação
O Papa acentua a sinodalidade “como opção de vida pastoral” e estilo de atuação nas nossas Igrejas particulares, “procurando envolver o maior número possível de seus membros na obra incessante de evangelização e santificação dos homens”.
Que importa reconhecer a necessidade de uma determinada doutrina e de um determinado modo de vida, se não o assumimos como opção nossa e como estilo nosso? Não é verdade que o Evangelho se encontra ao dispor de todos e se constitui como obrigação de todos e muitos não fazem dele sua opção de vida e não o introduzem na sua vida e na do mundo. Limitam-se a ler ou a ouvir, embora com agrado! E deviam ser não apenas ouvintes, mas cumpridores (cf Tg 1,22).
Não acontece assim no dizer de Francisco, que cita os efeitos da visita de Bento XVI a Portugal:
“Desejo exprimir-vos o meu apreço pelo zelo pastoral e pelas múltiplas iniciativas empreendidas, individualmente e como Conferência, nos anos transcorridos desde a Visita ad Limina de 2007, com momento alto no acolhimento que reservastes ao Papa Bento XVI em maio de 2010”.
E releva em concreto a grande utilidade, pelo seu realismo interpelador, a sucessiva auscultação geral da fé e das crenças do povo, “com uma primeira resposta geral na Nota Pastoral Promover a Renovação da Pastoral da Igreja em Portugal (abril de 2013) – e cita o âmago do texto dos bispos de Portugal – com os caminhos que agora nos propomos percorrer para sabermos melhor levar Cristo aos nossos irmãos e os nossos irmãos a Cristo”.
Da leitura dos relatórios quinquenais, salienta: a serenidade da Igreja que vive em Portugal, guiada pelo bom senso, escutada pela maioria da população e pelas instituições; a bondade, hospitalidade, generosidade e religiosidade do povo; a fraternidade do episcopado; a existência de sacerdotes preparados espiritual e culturalmente, empenhados num testemunho cada vez mais coerente de vida interior realizada de modo evangélico, enraizada na oração e na caridade; a fidelidade dos consagrados e consagradas ao carisma dos respetivos fundadores, que manifestam à sociedade o valor da sua entrega total a Deus mediante os conselhos evangélicos e colaboram na pastoral de conjunto de cada Igreja particular; o empenho dos leigos em exprimirem, com a sua vida no mundo, a presença eficaz da Igreja para a autêntica promoção humana e social.
Embora também haja algumas sombras – e Francisco recorda que nem sempre a voz da Igreja em Portugal é devidamente escutada e, mais adiante, aponta algumas das graves debilidades – é certo que, “nesta consonância de intentos de viver a comunhão na Igreja e de contribuir para a sua presença no mundo”, se abrem “múltiplos espaços para iniciativas apropriadas, em particular para quantos desejam viver a experiência do voluntariado nos âmbitos da catequese, da cultura, da assistência amorosa a seus irmãos pobres, marginalizados, deficientes, idosos”.
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Exortações  
O Papa exorta à prossecução no empenho duma evangelização constante e metódica, secundada por “uma formação autenticamente cristã da consciência” de extrema e indispensável ajuda ao “amadurecimento social” e ao “verdadeiro e equilibrado bem-estar” do país. Exorta a que não se perca a coragem perante situações que suscitam perplexidade e amargura, como: paróquias estagnadas e necessitadas (algumas) de reavivar a fé baptismal que acorde no indivíduo e na comunidade um autêntico espírito de missão ou paróquias (algumas) centradas e fechadas no seu pároco, avessas a uma lógica dinâmica e eclesial na comunhão; sacerdotes que, tentados pelo ativismo, não cultivam a oração e a profundidade espiritual; o grande número de adolescentes e jovens que abandonam a prática cristã; o vazio de formação cristã juvenil na oferta paroquial, que poderia prevenir situações familiares irregulares; e, sobretudo, a “necessidade de conversão pessoal e pastoral até que todos possam dizer com verdade e alegria: a Igreja é a nossa casa”.
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Interrogações do Pontífice  
O Papa não deixou de lançar pertinentes questões aos bispos sobre o abandono da prática cristã da parte dos jovens, que se transcrevem na íntegra:
“A juventude deixa, porque assim o decide? Decide assim, porque não lhe interessa a oferta recebida? Não lhe interessa a oferta, porque não dá resposta às questões e interrogativos que hoje a inquietam? Não será simplesmente porque, há muito, deixou de lhe servir o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o? É possível que a comunidade cristã insista em vestir-lho?”

Depois, aponta o exemplo de Jesus, que “também cresceu, tomou a vida em suas mãos no meio dalguma incompreensão dos pais (cf Lc 2,48-52) e abraçou os desígnios do Céu”, com abandono total nas mãos do Pai (cf Lc 23,46); que, num momento de crise que envolveu os amigos e seguidores acabando muitos por desertarem, perguntou aos doze se também queriam ir embora.
Naquele momento, Pedro protestou, em nome dos companheiros, a fé em Cristo:
Tu tens palavras de vida eterna! Por isso, nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-69). A proposta de Jesus convencera-os, ao passo que a nossa proposta de Jesus não convence. É certo que, nos guiões preparados para os diversos anos de catequese, está bem apresentada a figura e a vida de Jesus, mas será difícil encontrá-Lo no testemunho de vida do catequista e da comunidade que o envia e sustenta, apoiada nas palavras de Jesus: “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28,20). Está e estará, mas então “onde é que nós O escondemos?” – pergunta o Papa, que assegura:
“Jesus caminha com o jovem… Infelizmente o pensamento dominante atual, que vê o ser humano como aprendiz-criador de si mesmo e totalmente embriagado de liberdade, tem dificuldade em aceitar o conceito de vocação, no sentido alto de um chamamento que chega à pessoa vindo do Criador do seu próprio ser e vida”.

Porém, Deus, ao criar-nos livres na existência, predispôs a nossa essência ao pensá-la e dotá-la das capacidades requeridas para uma missão concreta ao serviço da humanidade que Ele ama. E ama-nos demais, para nos abandonar à míngua de bem. Assim, a nossa felicidade depende da individuação e seguimento da vocação para tal missão. A esta liberdade predisposta do mais íntimo do ser para um bem determinado, o mundo toma-a por contradição e, no seu calculismo, não vê possibilidade de irmos parar no posto exato que o Ser infinito nos atribuiu.
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Os apelos do senhor Bispo de Roma
Perante este juízo do mundo Francisco não hesita em apontar o engano do mundo, pois, o Senhor, na sua misericórdia, põe os olhos nos humildes e neles opera maravilhas. O exemplo eloquente deste modo de agir vem plasmado no cântico de Maria (cf Lc 1,48-50), modo de agir terno de que ninguém se pode autoexcluir.
E o Papa conclui:
“A Igreja em Portugal precisa de jovens capazes de dar resposta a Deus que os chama, para voltar a haver famílias cristãs estáveis e fecundas, para voltar a haver consagrados e consagradas que trocam tudo pelo tesouro do Reino de Deus, para voltar a haver sacerdotes imolados com Cristo pelos seus irmãos e irmãs”.

Mas para isso, indica a receita:
“Precisamos de conferir dimensão vocacional a um percurso catequético global que possa cobrir as várias idades do ser humano, de modo que todas elas sejam uma resposta ao bom Deus que chama: ainda no seio da mãe, chamou à vida e o nosso ser assomou à vida; e, ao findar a sua etapa terrena, há de responder com todo o seu ser a esta chamada: ‘Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor’ (Mt 25,21).”.

Finalmente, confiado no zelo apostólico e no espírito de iniciativa dos bispos para alcançarem este objetivo, com o emprego do esforço humano ligado à eficácia do auxílio divino, o Papa Francisco recorda as palavras de Cristo, “Quem crê em Mim também fará as obras que Eu faço” (Jo 14,12), apesar da nossa total indignidade e fraqueza humana. Porém, os Apóstolos, incluindo Pedro, eram homens fracos. No entanto, sabiam que o Espírito lhes ensinaria toda a verdade e explicaria todas as coisas (cf Jo 14,26; 16,13). E por isso, se justifica o apelo pontifício ao esforço de colaboração da Igreja inteira, porque foi à Igreja que o Senhor assegurou a sua constante presença e a sua infalível assistência. Assim se impõe a opção pastoral pela sinodalidade em resultado da sua necessidade decorrente da indignidade e da fraqueza dos homens, ainda que apóstolos. Assim os bispos retomarão, no próximo dia 12, com empenho renovado o seu caminho colegial, solidário, solícito e missionário.
Também é exigência da sinodalidade o pedido que o Papa fez aos bispos – unanimemente aceite – de fazerem com que cada paróquia receba pelo menos uma família de refugiados, a exemplo do que já decidiram as duas paróquias do Vaticano!

2015.09.07 – Louro de Carvalho

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