Assinada
com data do passado dia 15 de agosto, foi publicada hoje, dia 29 de setembro, a
Mensagem do
Papa Francisco para a XXXI Jornada Mundial da Juventude 2016, cujo
epicentro se localizará em Cracóvia.
Por vontade do Pontífice, a JMJ de 2106 circula
em torno do tema “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7),
devidamente preparado e meditado – num longo e exigente caminho – com a
meditação da bem-aventurança “Felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu” (Mt 5,3), em 2014, e com a da bem-aventurança “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8), em 2015.
Pode
hoje dizer-se que o Ano da Misericórdia, em cujo decurso recai a JMJ de 2016,
não foi uma ideia repentina de Francisco, mas terá sido gerada, pelo menos, no
início do seu exercício do ministério o Petrino e acalentada desde então. Disto
parecem ser testemunho as citações que, a propósito, o Papa faz de suas
intervenções anteriores.
Se o 15 de agosto, significativa solenidade da
Assunção de Maria, põe em evidência o cântico da misericórdia de Deus entoado pela
mãe de Jesus – a Sua misericórdia se estende de geração em geração (Lc 1,50) – o 29 de setembro, festa
dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael, constitui a expressão da comunicação e concretização
da misericórdia divina entre os homens. Miguel, o arcanjo do grito Quem como
Deus, é o protetor da Igreja de Deus e guia do cristão; Gabriel, o
mensageiro da Encarnação (Deus, graças ao seu
coração de misericórdia, visita-nos lá das alturas como sol nascente e vive com
os homens – cf Lc 1,78; Jo 1,14), tornou-se o
patrono das telecomunicações; e Rafael, por antonomásia a medicina de Deus
(Deus que em Jesus Cristo revelou o seu rosto
misericordioso na compaixão pelos pobres, doentes, pecadores e marginalizados), é conselheiro, companheiro de viagem, defensor e médico dos que
precisam.
***
O Papa não esconde o seu desígnio de, inserindo
a JMJ no Ano Santo da Misericórdia, fazer dela “um verdadeiro e próprio Jubileu dos
Jovens a nível mundial”, aduzindo que “não é a primeira vez que uma jornada mundial
de juventude coincide com um Ano Jubilar. Tal sucedeu durante o Ano Santo da Redenção (1983/1984), em que São João Paulo II convocou
pela primeira vez os jovens de todo o mundo para o Domingo de Ramos; e durante
o Grande Jubileu do ano 2000, ano em
que mais de dois milhões de jovens, provenientes de cerca 165 países, se
reuniram em Roma para a XV JMJ. Também agora Francisco está convicto de que “o
Jubileu dos Jovens em Cracóvia será um dos momentos fortes deste Ano Santo”.
Depois,
explica pacientemente o sentido do ano jubilar:
- O texto bíblico do capítulo 25 do livro do Levítico ajuda a compreender o
significado do jubileu de Israel: de 50 em 50 anos, os judeus ouviam a trombeta
(jobel) que os convocava (jobil) para um ano santo de reconciliação (jobal) para todos. Nele se devia recuperar
ou reforçar a boa relação com Deus, com o próximo e com a criação, estribada na
gratuidade. Assim, se promovia, por exemplo, o perdão das dívidas, particular
ajuda a quem caíra na miséria, a melhoria das relações interpessoais e a libertação
dos escravos.
- No fim dos
tempos, “Jesus Cristo veio anunciar e realizar o tempo perene da graça do
Senhor, levando a boa nova aos pobres, a liberdade aos prisioneiros, a vista
aos cegos e a libertação aos oprimidos” (cf Lc 4,18-19). Jesus fez a leitura do livro de Isaías
(Is 61,1-2), mas omitiu o segmento “e o dia em que o nosso Deus fará justiça”
– o que irritou os ouvintes, por alegadamente não assumir a “Bíblia” hebraica por
inteiro, o que chegou ao rubro quando perceberam que o Nazareno estava a aplicar
a si a profecia de Isaías. Não obstante, é n’Ele e no seu Mistério Pascal que
se realiza plenamente o sentido mais profundo do jubileu.
- À convocação
dum jubileu pela Igreja em nome de Cristo deve corresponder a vivência, por
parte de todos, de um tempo extraordinário de graça. E, particularmente neste,
a Igreja – chamada a oferecer abundantes “sinais da presença e proximidade de
Deus, a despertar nos corações a capacidade de olhar para o essencial” – deve “reencontrar
o sentido da missão que o Senhor lhe confiou no dia de Páscoa: ser instrumento da misericórdia do Pai”.
***
Sendo o lema do
ano jubilar misericordiosos como o Pai,
importa refletir sobre o sentido da misericórdia divina:
- O Antigo
Testamento usa, para exprimir a semântica da misericórdia vários termos, sendo
os mais significativos hesed e rahamim. O primeiro exprime a indefetível
fidelidade amorosa de Deus à sua Aliança com o povo. O segundo, que pode ser
traduzido por entranhas, evoca o
símbolo do ventre maternal para nos fazer compreender o amor de Deus pelo seu
povo, igual ao da mãe pelo seu filho (cf Is 49,15). Um amor tal, que revela o genuíno rosto materno de Deus, implica criar
dentro de cada um espaço para o outro, sentir, sofrer e alegrar-se com o
próximo. Por outro lado, a misericórdia inclui a vertente concreta do amor
fiel, gratuito e que sabe perdoar. A propósito, Francisco cita o profeta Oseias
para dar visualização ao amor de Deus, comparado ao do pai extremoso pelo seu
filho:
Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do
Egito o meu filho. Mas, quanto mais os chamei, mais se afastaram (...).
Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não
reconheceram que era Eu quem cuidava deles. Segurava-os com laços humanos, com
laços de amor, fui para eles como os que levantam uma criancinha contra o seu
rosto; inclinei-me para ele para lhe dar de comer (Os 11,1-4).
O comportamento
errado do filho mereceria punição, mas o amor do pai é fiel e perdoa sempre ao
filho arrependido. É este o rosto da misericórdia!
- Por seu
turno, o Novo Testamento apresenta-nos a misericórdia divina (eleos)
como síntese da obra de Jesus no mundo em nome do Pai (cf Mt 9,13). A misericórdia do Senhor “manifesta-se
sobretudo quando Se debruça sobre a miséria humana e demonstra a sua compaixão
por quem precisa de compreensão, cura e perdão”. E o Papa exclama com
eloquência: “Em Jesus, tudo fala de misericórdia. Mais ainda, Ele mesmo é a misericórdia”.
- Sobre as três
parábolas da misericórdia (vd Lc 15) – a
ovelha tresmalhada, a moeda perdida e a conhecida por filho pródigo – Francisco
constata que “impressiona a alegria de Deus, a alegria que Ele sente quando
reencontra um pecador e o perdoa” e explicita:
Sim, a alegria de Deus é perdoar! Aqui está a síntese
de todo o Evangelho. Cada um de nós é aquela ovelha tresmalhada, a moeda
perdida; cada um de nós é aquele filho que esbanjou a própria liberdade,
seguindo ídolos falsos, miragens de felicidade, e perdeu tudo. Mas Deus não Se
esquece de nós, o Pai nunca nos abandona. É um pai paciente, espera-nos sempre!
Respeita a nossa liberdade, mas permanece sempre fiel. E, quando voltamos para
Ele, acolhe-nos como filhos na sua casa, porque nunca, nem sequer por um
momento, deixa de esperar por nós com amor. E o seu coração fica em festa por
cada filho que volta para Ele. Fica em festa, porque Deus é alegria. Vive esta
alegria, cada vez que um de nós, pecadores, vai ter com Ele e pede o seu perdão.
***
Referindo-se à
cruz das JMJ, que os jovens amam por significar o dom de São João Paulo II e
que acompanha estes encontros mundiais desde 1984, perspetiva as muitas verdadeiras
e próprias conversões de jovens – para lá de outras mudanças positivas na vida dos jovens
– a partir do encontro da singeleza daquela cruz – “o sinal mais eloquente da
misericórdia de Deus. E aponta o comportamento de um dos malfeitores que foi
crucificado ao lado de Jesus: não lançou insultos como o seu companheiro de
malfeitoria, mas reconhece ter errado e volta-se para o Senhor clamando: Jesus, lembra-Te de mim, quando estiveres no
teu Reino. Jesus fita-o com misericórdia e assegura: Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso (cf Lc 23,32.39-43). Torna-se imperioso que nos identifiquemos
com aquele que, tendo sido malfeitor, “se reconhece necessitado da misericórdia
divina e a implora de todo o coração”. E o Papa afiança-nos que, “no Senhor,
que deu a sua vida por nós na cruz, encontraremos sempre o amor incondicional
que reconhece a nossa vida como um bem e sempre nos dá a possibilidade de
recomeçar”.
***
Sublinhando “a alegria
extraordinária de sermos instrumentos da misericórdia de Deus”, Francisco
ensina que, iluminados pela Palavra de Deus, sentiremos a felicidade expressa
na dádiva a Deus e ao próximo, no seguimento da espiritualidade da 1.ª carta de
São João:
Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem
de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus.
Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. (…) É nisto
que está o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos
amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados.
Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros
(1Jo 4,7-11).
Depois,
ilustra a doutrina e espiritualidade expostas com o exemplo do bem-aventurado
Piergiorgio Frassati, um jovem que assumira o que significa ter um coração
misericordioso, sensível aos mais necessitados, dando-lhes muito mais do que
meras coisas materiais, dando-se a si mesmo, disponibilizando tempo, palavras,
capacidade de escuta; e Santa Faustina, apóstola humilde da Misericórdia Divina
(através da oração e das
ações de misericórdia espirituais e corporais) nos nossos tempos e canonizada por São João Paulo II
no ano jubilar de 2000.
Não tiveram qualquer
inibição em seguir à risca o cap. 25 do Evangelho de Mateus: “Sempre que fizestes isto a um dos meus
irmãos mais pequeninos a mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40).
***
Finalmente,
perante o cansaço de tantos jovens neste mundo tão dividido, no qual se
digladiam partidários de diferentes facções, existem muitas guerras e há até
quem use a própria religião como justificação da violência”, o Pontífice crê
que “temos de suplicar ao Senhor que nos dê a graça de ser misericordiosos com
quem nos faz mal, como Jesus que, na cruz, assim rezava por aqueles que O
crucificaram: Perdoa-lhes, Pai, porque
não sabem o que fazem (Lc 23,34). E, acreditando que “o único caminho para vencer o
mal é a misericórdia”, já que, sendo muito necessária a justiça, sozinha, não
basta – justiça e misericórdia devem caminhar juntas – Francisco deseja a união
de todos “numa oração coral, saída do mais fundo dos nossos corações,
implorando que o Senhor tenha misericórdia de nós e do mundo inteiro”.
Além disso,
indica Cracóvia como ponto de convergência da JMJ de 2106, cidade onde espera
os jovens a sombra tutelar de Santa Faustina e de São João Paulo II.
***
Quer-me
parecer que o tom habitual das palavras usuais do Papa – contra a economia que
mata, o deus dinheiro, o esmagamento dos pobres e o descarte dos incómodos – se
radica no culto da misericórdia divina e no acatamento filial da profunda linha
da espiritualidade do Papa polaco que instituiu o Dia da Divina Misericórdia,
em 2000, e inaugurou o santuário do Senhor Misericordioso em Cracóvia, no ano
de 2002.
É
o fio condutor do pontificado contemporâneo no seu melhor!
2015.09.29 –
Louro de Carvalho
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