No 80.º
aniversário da morte do poeta, o semanário Expresso,
com o apoio da EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação
Cultural (Lisboa), assume a meritória iniciativa do
lançamento da coleção Obra Essencial de
Fernando Pessoa gratuitamente e em nove volumes. Os volumes da coleção
serão publicados com a edição semanal do jornal a partir do dia 19 de setembro,
prevendo-se que o último volume seja publicado a 14 de novembro.
Sob a
coordenação científica do Professor Ivo Castro e a editorial da Alêtheia
Editores, a coleção adota, sempre que possível, o texto fixado pela Edição
Crítica da IN-CM e é composta pelos seguintes títulos: 1- Mensagem e Outros Poemas; 2- Poesia
Ortónima; 3- Livro do Desassossego;
4- Correspondência e Artigos de Imprensa;
5- Poesia de Ricardo Reis; 6-Poesia de Alberto Caeiro; 7- Poesia de Álvaro de Campos; 8- Prosa Crítica e Ensaística; e 9- Contos Policiais.
A obra foi
apresentada a 8 de setembro na Casa
Fernando Pessoa, em sessão, também da iniciativa do Expresso, em que participaram António M. Feijó, Clara
Ferreira Alves, Fernando Pinto do Amaral, Ivo Castro, Nuno Júdice e Rita
Patrício, tendo sido Henrique Monteiro, do Expresso,
o moderador.
Na sessão foi
comentada e explicada, embora de modo resumido, a obra de Fernando Pessoa,
sendo relevada a forma de escrever pessoana e a mensagem que o poeta entendia
dever passar. Foi efetivamente dada a conhecer toda a obra do escritor-poeta,
mas ficou em situação de destaque “Mensagem”
e a heteronímia.
***
Como foi
referido, o Expresso publicará os
aludidos nove volumes à razão de um por semana entre os dias 19 de setembro e
14 de novembro.
O primeiro
volume – Mensagem e Outros Poemas –
será da responsabilidade do Professor Fernando Pinto do Amaral, da Universidade
de Lisboa, poeta e comissário do
Plano Nacional de Leitura (PNL); o segundo
volume – Poesia Ortónima (subscrita pelo próprio Fernando
Pessoa) – será trabalho de Richard Zenith, escritor norte-americano, investigador pessoano e
vencedor do Prémio Pessoa 2012; o terceiro volume – Livro do Desassossego (de Bernardo Soares) – será organizado pelo Professor Nuno Júdice, da
Universidade Nova de Lisboa, poeta e ensaísta; o quarto volume – Correspondência e Artigos de Imprensa –
será organizado pelo Professor António M. Fijó, ensaísta e vice-reitor da
Universidade de Lisboa; o quinto volume – Poesia
de Ricardo Reis – será organizado pela professora Ana Luísa Amaral, poetisa
e professora da Universidade do Porto; o sexto volume – Poesia de Alberto Caeiro – será organizado pela Professora Rita
Patrício, da Universidade do Minho, investigadora colaboradora do ELAB,
integrando o projeto Humanizar Pessoa;
o sétimo volume – Poesia de Álvaro de
Campos – será apresentado pela jornalista Clara Ferreira Alves, jurista e
crítica literária, que foi diretora da Casa Fernando Pessoa; o oitavo volume – Prosa Crítica e Ensaística – estará a
cargo do Professor Miguel Tamen, da Universidade de Lisboa, crítico literário e
professor visitante da Universidade de Chicago; e o nono volume – Contos Policiais – será organizado pelo
jurista Pedro Mexia, poeta, cronista e coordenador
da coleção de poesia das Edições Tinta-da-China.
***
Feita a
indicação das pessoas que prestaram a sua colaboração ativa na edição da Obra
Essencial de Fernando Pessoa,
ressalta que são uns ilustres obreiros da língua e literatura portuguesas cujo
crédito académico, científico, artístico e comunicacional não fica por mãos
alheias nem por escusos caminhos.
Entretanto, gostaria de expressar uma palavra de apreço para com o
Professor Ivo Castro, de quem recebi aulas em tempos longínquos e que marcou
presença na aludida sessão do passado dia 8 de setembro.
O professor catedrático de Linguística, jubilado da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, ocupou cargos de direção do Centro de Linguística e
da área das Ciências da Linguagem da sua faculdade. Tem publicações nas áreas
da História do Português, do Português Moderno, da Onomástica Portuguesa, da Crítica
Textual e da Crítica Textual Moderna.
Relevo duas das suas publicações: uma mais conexa com a História da
Língua, A demanda da ortografa portuguesa
(com
Inês Duarte e Isabel Leiria, Lisboa: Ed. Sá da Costa, 1987); outra, referente
a Pessoa, Editar Pessoa (Lisboa: INCM, 1990).
Sobre a pindérica iniciativa da comemoração dos alegados 800 anos da
Língua Portuguesa em 27 de junho de 2014, data do testamento de Dom Afonso II,
o professor que dirige a edição on line de
História da Língua Portuguesa, nega qualquer pertinência na comemoração dos
pretensos 8 séculos do Português, declarando que a Língua Portuguesa é muito
mais antiga do que isso e que merecia muito mais cuidado e muitas iniciativas.
Não pode tomar-se aquele testamento afonsino como início da Língua
Portuguesa por não ser nem o documento único do ano de 1214 nem o mais antigo.
Daquele documento são conhecidas duas versões. Os escribas revelavam possuir
“uma técnica de escrita apurada e experimentada” em documentos anteriores.
Depois, a língua não nasceu quando foi escrita a primeira vez. Antes de
escrita, já ela tinha muitos séculos de existência real, embora apenas no
âmbito da sua realização oral.
Todos sabem, julgo eu, que as pessoas começam por aprender a falar,
sendo que a aprendizagem da escrita ocorre mais tarde na vida das pessoas e não
chega a todas sem a criação de mecanismos formais e sustentados de aprendizagem.
Veja-se o esforço que ainda há que fazer para a erradicação do analfabetismo. Por
outro lado, embora a escrita, enquanto instrumento de retorno, contribua para o
reforço da aprendizagem da língua, não deixa de constituir um código linguístico
derivado da madre, a fala.
E o Professor jubilado levanta questões pertinentes como estas:
- Se a Língua Portuguesa teve início apenas em 1214, que língua teria
falado Dom Afonso Henriques e os primeiros trovadores ou em que língua cantava
o jogral?
- Se uma língua só nasce quando passa a ser escrita, que nome se deverá
dar às denominadas línguas ágrafas?
E, do meu ponto de vista, se queremos significar a Língua como um facto
verdadeiramente político, então as comemorações deveriam reportar-se ao decreto
dionisíaco que determinou em 1289 que todos os documentos oficiais do Reino
fossem redigidos em Língua Portuguesa, contra o uso tradicional da sua redação
em latim.
***
Porém, atendo-nos a Pessoa, havemos de reconhecer o mérito da obra
atualmente em lançamento, por se tratar de acervo significativo do património
literário português e do mundo e ser reconhecida no cânone literário do nosso sistema
educativo. Por outro lado, revela toda a idiossincrasia profunda e plural do
poeta, que não foi só poeta, mas o homem que se multiplicou como cidadão,
trabalhador, comentador, crítico e analista. É o poeta que inventou uma nada
convencional teorização poética e uma técnica de produção poética – o fingimento,
muito diferente da metapoesia do fingimento da coita amorosa do trovador das
cantigas de amor.
Por trás da obra plural, de que emerge o sentido de unidade do ser
esfrangalhado na diversidade contraditória e polémica, esconde-se o Fernando
esotérico, cabalista e astrólogo; o defensor do Estado com o forte chefe como
timoneiro, à boa maneira do Príncipe Perfeito; o poeta de versos de escárnio a Oliveira
Salazar, que defendera, mas com quem acabou por se zangar, ou o libertário que
defende a liberdade do homossexualismo, pelo menos na saudação a Whitman, e escreve contra a ilegalização
da maçonaria.
E vêm também, como inéditos, ou pelo menos como desconhecidos, os seus
contos policiais.
Tudo isto se deve ao homem franzino de chapéu e bengala, tímido e
simplório, a quem os meninos gozavam e que, tendo amado unicamente a sua querida
Ofélia Queirós, com quem não casou e a quem terá dito espontaneamente que ela o
encontrara numa tarde, em que passava na rua, em “flagrante delitro”, fez escrever ao seu
companheiro heterónimo Álvaro de Campos que todas as cartas de amor são
ridículas.
Todas estas informações, explicitadas em pormenor, bem como as razões
das seleções dos poemas e outros textos se poderão ler nos prefácios, notas e
comentários de cada um dos nove volumes a dar à estampa.
Se calhar, valerá a pena ler e reler, sobretudo se for por prazer.
2015.09.12 –
Louro de Carvalho
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