sábado, 12 de setembro de 2015

Obra essencial de Fernando Pessoa

No 80.º aniversário da morte do poeta, o semanário Expresso, com o apoio da EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (Lisboa), assume a meritória iniciativa do lançamento da coleção Obra Essencial de Fernando Pessoa gratuitamente e em nove volumes. Os volumes da coleção serão publicados com a edição semanal do jornal a partir do dia 19 de setembro, prevendo-se que o último volume seja publicado a 14 de novembro.
Sob a coordenação científica do Professor Ivo Castro e a editorial da Alêtheia Editores, a coleção adota, sempre que possível, o texto fixado pela Edição Crítica da IN-CM e é composta pelos seguintes títulos: 1- Mensagem e Outros Poemas; 2- Poesia Ortónima; 3- Livro do Desassossego; 4- Correspondência e Artigos de Imprensa; 5- Poesia de Ricardo Reis; 6-Poesia de Alberto Caeiro; 7- Poesia de Álvaro de Campos; 8- Prosa Crítica e Ensaística; e 9- Contos Policiais.
A obra foi apresentada a 8 de setembro na Casa Fernando Pessoa, em sessão, também da iniciativa do Expresso, em que participaram António M. Feijó, Clara Ferreira Alves, Fernando Pinto do Amaral, Ivo Castro, Nuno Júdice e Rita Patrício, tendo sido Henrique Monteiro, do Expresso, o moderador.
Na sessão foi comentada e explicada, embora de modo resumido, a obra de Fernando Pessoa, sendo relevada a forma de escrever pessoana e a mensagem que o poeta entendia dever passar. Foi efetivamente dada a conhecer toda a obra do escritor-poeta, mas ficou em situação de destaque “Mensagem” e a heteronímia.
***
Como foi referido, o Expresso publicará os aludidos nove volumes à razão de um por semana entre os dias 19 de setembro e 14 de novembro.
O primeiro volume – Mensagem e Outros Poemas – será da responsabilidade do Professor Fernando Pinto do Amaral, da Universidade de Lisboa, poeta e comissário do Plano Nacional de Leitura (PNL); o segundo volume – Poesia Ortónima (subscrita pelo próprio Fernando Pessoa) será trabalho de Richard Zenith, escritor norte-americano, investigador pessoano e vencedor do Prémio Pessoa 2012; o terceiro volume – Livro do Desassossego (de Bernardo Soares) – será organizado pelo Professor Nuno Júdice, da Universidade Nova de Lisboa, poeta e ensaísta; o quarto volume – Correspondência e Artigos de Imprensa – será organizado pelo Professor António M. Fijó, ensaísta e vice-reitor da Universidade de Lisboa; o quinto volume – Poesia de Ricardo Reis – será organizado pela professora Ana Luísa Amaral, poetisa e professora da Universidade do Porto; o sexto volume – Poesia de Alberto Caeiro – será organizado pela Professora Rita Patrício, da Universidade do Minho, investigadora colaboradora do ELAB, integrando o projeto Humanizar Pessoa; o sétimo volume – Poesia de Álvaro de Campos – será apresentado pela jornalista Clara Ferreira Alves, jurista e crítica literária, que foi diretora da Casa Fernando Pessoa; o oitavo volume – Prosa Crítica e Ensaística – estará a cargo do Professor Miguel Tamen, da Universidade de Lisboa, crítico literário e professor visitante da Universidade de Chicago; e o nono volume – Contos Policiais – será organizado pelo jurista Pedro Mexia, poeta, cronista e coordenador da coleção de poesia das Edições Tinta-da-China.
***
Feita a indicação das pessoas que prestaram a sua colaboração ativa na edição da Obra Essencial de Fernando Pessoa, ressalta que são uns ilustres obreiros da língua e literatura portuguesas cujo crédito académico, científico, artístico e comunicacional não fica por mãos alheias nem por escusos caminhos.
Entretanto, gostaria de expressar uma palavra de apreço para com o Professor Ivo Castro, de quem recebi aulas em tempos longínquos e que marcou presença na aludida sessão do passado dia 8 de setembro.
O professor catedrático de Linguística, jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ocupou cargos de direção do Centro de Linguística e da área das Ciências da Linguagem da sua faculdade. Tem publicações nas áreas da História do Português, do Português Moderno, da Onomástica Portuguesa, da Crítica Textual e da Crítica Textual Moderna.
Relevo duas das suas publicações: uma mais conexa com a História da Língua, A demanda da ortografa portuguesa (com Inês Duarte e Isabel Leiria, Lisboa: Ed. Sá da Costa, 1987); outra, referente a Pessoa, Editar Pessoa (Lisboa: INCM, 1990).
Sobre a pindérica iniciativa da comemoração dos alegados 800 anos da Língua Portuguesa em 27 de junho de 2014, data do testamento de Dom Afonso II, o professor que dirige a edição on line de História da Língua Portuguesa, nega qualquer pertinência na comemoração dos pretensos 8 séculos do Português, declarando que a Língua Portuguesa é muito mais antiga do que isso e que merecia muito mais cuidado e muitas iniciativas.
Não pode tomar-se aquele testamento afonsino como início da Língua Portuguesa por não ser nem o documento único do ano de 1214 nem o mais antigo. Daquele documento são conhecidas duas versões. Os escribas revelavam possuir “uma técnica de escrita apurada e experimentada” em documentos anteriores. Depois, a língua não nasceu quando foi escrita a primeira vez. Antes de escrita, já ela tinha muitos séculos de existência real, embora apenas no âmbito da sua realização oral.
Todos sabem, julgo eu, que as pessoas começam por aprender a falar, sendo que a aprendizagem da escrita ocorre mais tarde na vida das pessoas e não chega a todas sem a criação de mecanismos formais e sustentados de aprendizagem. Veja-se o esforço que ainda há que fazer para a erradicação do analfabetismo. Por outro lado, embora a escrita, enquanto instrumento de retorno, contribua para o reforço da aprendizagem da língua, não deixa de constituir um código linguístico derivado da madre, a fala.
E o Professor jubilado levanta questões pertinentes como estas:
- Se a Língua Portuguesa teve início apenas em 1214, que língua teria falado Dom Afonso Henriques e os primeiros trovadores ou em que língua cantava o jogral?
- Se uma língua só nasce quando passa a ser escrita, que nome se deverá dar às denominadas línguas ágrafas?
E, do meu ponto de vista, se queremos significar a Língua como um facto verdadeiramente político, então as comemorações deveriam reportar-se ao decreto dionisíaco que determinou em 1289 que todos os documentos oficiais do Reino fossem redigidos em Língua Portuguesa, contra o uso tradicional da sua redação em latim.
***
Porém, atendo-nos a Pessoa, havemos de reconhecer o mérito da obra atualmente em lançamento, por se tratar de acervo significativo do património literário português e do mundo e ser reconhecida no cânone literário do nosso sistema educativo. Por outro lado, revela toda a idiossincrasia profunda e plural do poeta, que não foi só poeta, mas o homem que se multiplicou como cidadão, trabalhador, comentador, crítico e analista. É o poeta que inventou uma nada convencional teorização poética e uma técnica de produção poética – o fingimento, muito diferente da metapoesia do fingimento da coita amorosa do trovador das cantigas de amor.
Por trás da obra plural, de que emerge o sentido de unidade do ser esfrangalhado na diversidade contraditória e polémica, esconde-se o Fernando esotérico, cabalista e astrólogo; o defensor do Estado com o forte chefe como timoneiro, à boa maneira do Príncipe Perfeito; o poeta de versos de escárnio a Oliveira Salazar, que defendera, mas com quem acabou por se zangar, ou o libertário que defende a liberdade do homossexualismo, pelo menos na saudação a Whitman, e escreve contra a ilegalização da maçonaria.
E vêm também, como inéditos, ou pelo menos como desconhecidos, os seus contos policiais.
Tudo isto se deve ao homem franzino de chapéu e bengala, tímido e simplório, a quem os meninos gozavam e que, tendo amado unicamente a sua querida Ofélia Queirós, com quem não casou e a quem terá dito espontaneamente que ela o encontrara numa tarde, em que passava na rua, em “flagrante delitro”, fez escrever ao seu companheiro heterónimo Álvaro de Campos que todas as cartas de amor são ridículas.
Todas estas informações, explicitadas em pormenor, bem como as razões das seleções dos poemas e outros textos se poderão ler nos prefácios, notas e comentários de cada um dos nove volumes a dar à estampa.
Se calhar, valerá a pena ler e reler, sobretudo se for por prazer.

2015.09.12 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário