A
Rádio Renascença, hoje, dia 14 de setembro, pelas 9 horas, pôs no ar a
entrevista concedida há dias pelo Papa Francisco à jornalista Aura Miguel, com
acreditação permanente no Vaticano. Está programada a repetição da passagem da entrevista
para as 19 horas de logo.
Nessa
entrevista dada em exclusivo à RR, Francisco fala de Portugal e dos portugueses,
da Igreja Católica que está em Portugal e do Santuário de Fátima; verifica que
um dos maiores males do mundo é a corrupção a diversos níveis, o que deixa as pessoas
desiludidas; e acredita que o grande desafio da Europa, que se enganou ao
recusar inscrever nos Tratados a sua matriz cristã, passe da avozinha em que se
tornou ao estatuto e à função de “mãe Europa”; apela ao acolhimento dos refugiados
enquanto ação humanitária de emergência, que não dispensa a integração e a
deteção das causas e o combate às mesmas; pede uma catequese menos teórica,
mais prática e mais radicada na vertente da misericórdia; quer que a Igreja
saia de si mesma e não aprisione o Cristo e o seu Evangelho.
A presente reflexão
cinge-se àquilo que o Papa disse sobre o que pensa de Portugal e dos
portugueses.
***
À questão
levantada pela jornalista como é que “um Papa que vem do fim do mundo” olha
para Portugal e para os portugueses, Francisco revela que do Portugal físico só
conhece o aeroporto, onde apenas estivera uma vez, há anos, em trânsito de
Buenos Aires para Roma, “num avião da Varig que fazia escala em Lisboa”. No entanto,
declarou conhecer muitos portugueses, dando como exemplo o caso do Seminário de
Buenos Aires, onde “havia muitos empregados, emigrantes portugueses, gente boa,
que tinha muita familiaridade com os seminaristas”.
Acrescentou que
o pai “tinha um colega de trabalho português” e que se lembrava do seu nome, “Adelino,
bom homem”. Também conheceu “uma senhora portuguesa, com mais de 80 anos”, que
lhe deixara boa impressão.
Dos exemplos
aduzidos passa à asserção de que nunca conheceu “um português mau”.
Ora, o campo
empírico apresentado para concluir da existência ou não de portugueses maus é
muito reduzido. Não quer dizer que os não haja, mas não convém ao Pontífice pronunciar
um juízo negativo sobre um povo de que pouco conhece a não ser por via
indireta.
Ademais,
pelos relatórios que terá lido e a crer nas palavras que dirigiu aos bispos de
Portugal por ocasião da visita destes Ad
limina, percebe-se que Sua Santidade sabe que muitas coisas não estão bem. Recordo
alguns exemplos: a voz da Igreja em Portugal não é devidamente escutada e
seguida; muitos jovens abandonam a prática religiosa no pós-Crisma; algumas paróquias
vivem demasiado centradas no seu pároco e nos seus assuntos, sem abertura
solidária ao todo da Igreja e da Sociedade; os manuais da catequese espelham a
figura de Cristo, que pode ser difícil de identificar na pessoa do catequista e
na vivência da comunidade.
Por isso, o
Papa, enquanto elogiava a caminhada sinodal da Igreja em Portugal e os seus
esforços de evangelização e solidariedade, disse aos bispos portugueses:
“A Igreja em Portugal precisa de
jovens capazes de dar resposta a Deus que os chama, para voltar a haver
famílias cristãs estáveis e fecundas, para voltar a haver consagrados e
consagradas que trocam tudo pelo tesouro do Reino de Deus, para voltar a haver
sacerdotes imolados com Cristo pelos seus irmãos e irmãs”.
Por isso,
“Precisamos de conferir dimensão
vocacional a um percurso catequético global que possa cobrir as várias idades
do ser humano, de modo que todas elas sejam uma resposta ao bom Deus que chama:
ainda no seio da mãe, chamou à vida e o nosso ser assomou à vida; e, ao findar
a sua etapa terrena, há de responder com todo o seu ser a esta chamada: ‘Servo bom e fiel, entra no gozo do teu
Senhor’ (Mt 25,21).”.
Nesta curiosa entrevista, ao ser-lhe recordado por Aura Miguel o seu
discurso aos bispos portugueses, em que elogiava o povo português e olhava para
a nossa Igreja com serenidade, a jornalista evidencia que o Papa manifesta uma preocupação
em relação aos jovens e outra em relação à catequese. E acentua a forma da
linguagem utilizada no discurso papal: “os vestidos da primeira comunhão já não
servem aos jovens” e alude a “certas comunidades que insistem em vestir-lhos”.
Francisco escuda-se na adução de que “é uma maneira de dizer”, mas
explicita com clareza:
“Os jovens
são mais informais e têm o seu próprio ritmo. Temos de deixar que o jovem
cresça, temos de o acompanhar, não o deixar sozinho, mas acompanhá-lo. E saber
acompanhá-lo com prudência, saber falar no momento oportuno, saber escutar
muito. Um jovem é inquieto. Não quer que o incomodem e, nesse sentido, pode-se
dizer que ‘o vestido da primeira comunhão
não lhes serve’.”
Ao contrário
das crianças que, pelo contrário, “quando vão comungar, gostam do vestido da
primeira comunhão”, “os jovens têm outras ilusões que, muitas vezes, são muito
boas, mas há que respeitar, porque eles mesmos não se entendem, porque estão a
mudar, estão a crescer, estão à procura”.
O Papa
entende que “é preciso deixar o jovem crescer, há que o acompanhar, respeitar e
falar-lhe muito paternalmente”. Porém, não se deve deixar de criar exigências
aos jovens, as quais para surtirem efeito devem tornar-se atrativas. E surge o
exemplo:
“Se você
propõe a um jovem – e vemos isto por todo o lado – fazer uma caminhada, um
acampamento ou fazer missão para outro sítio, ou por vezes ir a um “cotolengo”
[obra, fundada pelo sacerdote italiano José Benedito Cotolengo, de
acolhimento de doentes com grave deficiência múltiplas, abandonadas pelas
famílias e em situação de risco] para cuidar dos doentes, durante uma semana ou
quinze dias, entusiasma-se porque quer fazer algo pelos outros, está envolvido”.
À pergunta de Aura Miguel sobre o jovem, Então, porque é que não fica? – Sua Santidade responde
laconicamente, mas com determinação: “Porque
está a caminhar”.
No atinente à catequese, a perspetiva papal é a de que “não seja puramente teórica”. Sendo a catequese dar doutrina
para a vida, “tem de incluir três linguagens, três idiomas: o idioma da cabeça, o idioma do coração e o
idioma das mãos”. E especifica os três idiomas: que o jovem pense e saiba qual é a fé, mas que, por sua vez, sinta com
o seu coração o que é a fé e que, por sua vez, faça coisas. Se falta à catequese
um destes três idiomas, ela não avança. São, em suma, três linguagens: pensar o que se sente e o que se faz; sentir
o que se pensa e o que se faz; e fazer o que se sente e o que se pensa.
***
Sobre o centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima e a
expectativa que se está a criar em torno da sua vista a Portugal, até porque três
Papas já nos visitaram (Paulo VI, João Paulo II por três vezes – eu digo quatro – e Bento XVI), o Papa
Francisco esclarece:
“Eu tenho
vontade de ir a Portugal para o centenário. Em 2017, também se cumprem 300 anos
do encontro da Imagem da Virgem de Aparecida. Por isso, também estou com
vontade de lá ir e já prometi lá ir. Quanto a Portugal, disse que tenho
vontade de ir e gostaria de ir. É mais fácil ir a Portugal, porque podemos ir e
voltar num só dia, um dia inteiro, ou, quanto muito, ir um dia e meio ou dois
dias. Ir ter com a Virgem. A Virgem é mãe, é muito mãe, e a sua presença
acompanha o povo de Deus. Por isso, gostaria de ir a Portugal, que é
privilegiado.”
Não deixa de ser interessante a ponte lusófona que o Pontífice pretende fazer
a pretexto dos centenários marianos coincidentes (o do Brasil, mais antigo; o de Portugal, privilegiante), que a entrevistadora
chamou de data estereofónica, aspeto sublinhado pelos risos do entrevistado.
E também sabemos que o cardeal secretário de estado do Vaticano vem
presidir à peregrinação aniversária de outubro de 2016, como que precursor do
Papa Francisco que espera vir a Fátima no 13 de maio seguinte.
***
Por fim, há que sublinhar a resposta às questões: E o que espera de nós, portugueses? Como podemos preparar-nos para o
receber e também para seguir os pedidos de Nossa Senhora?
A este respeito
o Papa é clarividente:
O que a
Virgem pede sempre é que rezemos, que cuidemos da família e dos mandamentos.
Não pede coisas estranhas. Pede que rezemos pelos que andam desorientados,
pelos que se dizem pecadores – todos o somos, eu sou o primeiro. Mas a Virgem
pede e há que se preparar através desses pedidos da Virgem, através dessas
mensagens tão maternais, tão maternais... e manifestando-se às crianças. É
curioso, Ela procura sempre almas muito simples, não é? Muito simples.
Francisco
apresenta-se como o primeiro pecador, não porque seja quem tem mais pecados,
mas porque é o primeiro rosto de uma Igreja Santa in Christo – cabeça, mas pecadora na vida dos seus membros.
Entretanto, o
Papa tem um recado quase subentendido aos portugueses, que não pode passar em
claro. Ele, Bergoglio, é fruto da onda migratória de 1929:
Eu sou filho
de emigrantes e pertenço à onda migrante do ano 1929. Mas na Argentina, desde o
ano 1884, começaram a chegar italianos, espanhóis... portugueses, não sei quando chegou a primeira onda
portuguesa; vinham sobretudo destes três
países. E quando chegavam lá, alguns tinham dinheiro, outros iam para o hotel
de emigrantes e daí eram enviados para as cidades. Iam trabalhar ou procurar
trabalho.
Então, mais
do que a sensação gostosa da lisonja papal, deve apostar-se no alinhamento pela
perspetiva catequética de Francisco e pela sua exigência de colocar a Igreja em
saída às periferias e no acolhimento a quem foge da miséria, da guerra e da perseguição
– salvo por acaso ou por milagre do látego da exploração ou da fúria das ondas
do mar da morte.
2015.09.14 – Louro de Carvalho
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