O
pensamento papal de
Francisco sobre os jovens é diversificado: desde a compreensão pela
desconfiança dos jovens em relação à política e à catequização da Igreja e
práticas religiosas – passando pela necessidade de acompanhar e provocar os jovens
– até à afirmação da generosidade dos jovens enquanto esperança de construção
do futuro em novas bases e à confiança nos políticos jovens.
Depois da
encenação da Via Sacra da XXVIII Jornada
Mundial da Juventude (JMJ), que
decorreu na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em julho de 2013, com a
presença de centenas de milhares de pessoas, o Papa expressou a sua compreensão
e apoio moral aos numerosos jovens que não confiam nas instituições políticas
corruptas e àqueles que perderam a fé devido aos maus padres, que não observam
o Evangelho.
Em
contraponto, o líder da Igreja Católica assegurou que Jesus “está unido aos
numerosos jovens que não confiam nas instituições políticas, porque veem
egoísmo e corrupção”. Esta declaração constituiu uma inequívoca alusão a todos
aqueles que, em qualquer parte do mundo, estão descontentes com a sua classe
política e com as falsas promessas com que ela tenta seduzir o eleitorado. Mas Francisco foi
mais longe ao afirmar que o Cristo, que “bota fé nos jovens”, também se une
àqueles “que perderam a fé na Igreja, e mesmo em Deus, devido à incoerência dos
cristãos e dos ministros do Evangelho”.
Por outro lado, o
Pontífice fez apelo forte à “coragem” e garantiu aos jovens que Jesus Cristo,
com a cruz, “percorre as nossas estradas para tomar os nossos medos, os nossos
problemas, mesmo os mais profundos”. É com a cruz que o Mestre dos mestres se
junta “ao silêncio das vítimas da violência que não podem gritar, sobretudo aos
inocentes e àqueles que estão desamparados”. Com ela, Jesus “une-se às famílias
que estão em dificuldades, que choram a morte dos seus filhos ou que sofrem,
vendo-os presos em paraísos artificiais, como a droga”, a que acrescento a
diversão vazia, a falta de centros de interesse, o pequeno crime, a prostituição
e outras formas de alienação e exploração.
Mais: Jesus une-se “a
todas as pessoas que sofrem de fome num mundo que a cada dia joga no lixo
toneladas de comida”; e Jesus une-se “àqueles que são perseguidos pela sua
religião, pelas suas ideias, ou simplesmente pela cor da sua pele”.
Por isso e apesar de
tudo, o Pastor universal apelou aos jovens para serem corajosos, para irem
contra a corrente e não agirem como Pôncio Pilatos, que não teve a coragem de
salvar Jesus, alinhando com facilidade nos pedidos ululantes das multidões
manipuladas, pensando assim agradar aos chefes judaicos e ao Imperador romano.
***
Na
entrevista concedida à Rádio Renascença e disponibilizada aos rádio-ouvintes no
passado dia 14 de setembro, o Papa, no contexto da verificação de que “há um
problema mundial, que é a corrupção”, protestou a sua confiança nos políticos
jovens.
A
jornalista Aura Miguel apontou-lhe o seu tom muito crítico sobre o estilo de vida ocidental e
da Europa, o chamado primeiro mundo, muito centrado no bem-estar. E o Papa Francisco
apontou também o fenómeno das “grandes cidades americanas, quer da América do Norte,
quer da América do Sul”, onde “existe este o mesmo problema”, e que “não é só
na Europa”.
Reiterando que esse é um problema “nas grandes
cidades”, particularizou com o exemplo de Buenos Aires, colocando em evidência
a idiossincrasia peculiar da Europa e da sua cultura:
“Em Buenos
Aires, há um grande setor da cultura do bem-estar e, por isso, também há esses
cordões à volta das cidades, as favelas e todas essas coisas, não é? Eu, em
relação à Europa, hoje, não lhe atiraria à cara este tipo de coisas. Há que
reconhecer que a Europa tem uma cultura excecional. Realmente, são séculos de
cultura e isso também dá um bem-estar intelectual. Em todo o caso, o que eu
diria da Europa é a sua capacidade de retomar uma liderança no concerto das
nações. Ou seja, que volte a ser a Europa que define rumos, pois tem cultura
para o fazer.”.
À questão colocada pela entrevistadora sobre se a Europa mantém a identidade,
hoje em dia, e se está em condições de a afirmar, o Papa reporta-se ao que
disse em Estrasburgo e é aqui que surge a declaração
da confiança nos políticos jovens:
“O que eu
disse em Estrasburgo, pensei muito antes de o dizer. Ou seja, volto a repetir
um pouco isso: a Europa ainda não morreu. Está meia-avozinha, mas pode voltar a
ser mãe. E eu tenho confiança nos
políticos jovens. Os políticos jovens tocam outra música. Há um
problema mundial, que afeta não só a Europa, mas o mundo inteiro, que é o
problema da corrupção. A corrupção a todos os níveis... e isso também revela um
baixo nível moral, não é?”.
Segundo as palavras de Aura Miguel, o Santo Padre fala disso na sua
última encíclica, a Laudato Sí, e
pede que as populações estejam mais conscientes. Porém, ela confronta-o com a
verificação da excessiva abstenção eleitoral, havendo casos em que a abstenção
é quase maior do que um partido. Por seu turno, Francisco, ao indicar as
causas, renova a afirmação do papel peculiar da Europa:
“Porque a
gente está desiludida, em parte, por causa da corrupção, em parte pela
ineficácia, em parte pelos compromissos assumidos anteriormente. E, no entanto,
a Europa – volto a dizer o que disse em Estrasburgo – tem que desempenhar o seu
papel, ou seja, recuperar a sua identidade. É verdade que a Europa se enganou –
não estou a criticar, mas só a recordar –, quando quis falar da sua identidade
sem querer reconhecer o mais profundo da sua identidade, que é a sua raiz
cristã, não foi? Aí enganou-se. Bom, mas todos nos enganamos na vida... está a
tempo de recuperar a sua fé.”
Aura Miguel equaciona o problema dos conceitos de liberdade e felicidade
conexos com a educação, perguntando ao Pontífice “o que é que pode tocar a
liberdade de alguém” que “faz o que quer” e que foi educado desde pequeno com
um conceito de felicidade para quem “a felicidade é não ter problemas”,
aduzindo que, “em geral, educam-se as crianças com este desejo de que a
felicidade é não ter problemas e fazer o que se quer. Aqui, o Pastor pedagogo atalhou:
“Uma vida
sem problemas é aborrecida. É um tédio. O homem tem, dentro de si, a
necessidade de enfrentar e de resolver conflitos e problemas. Evidentemente,
uma educação para não ter problemas é uma educação asséptica. Faça você mesma a
experiência: pegue num copo de água mineral, de água comum, da torneira, e
depois pegue num copo com água destilada. Mete nojo, mas a água destilada não
tem problemas... é como educar as crianças no laboratório, não é? Por favor!”
Daqui resulta, segundo Francisco que é preciso “correr o risco, propor sempre metas”. E acrescenta,
falando com o gesto e movimento:
“Para
educar, faz falta usar os pés. Para educar bem, há que ter um pé bem apoiado no
chão e o outro pé levantado mais à frente e ver onde o posso apoiar. E quando
tenho apoiado o outro, levanto este [faz
o gesto com os pés] e... isso é educar: apoiar-se sobre algo seguro, mas
tentar dar um passo em frente até que o tenha firme e, depois, dar outro passo.”.
É claro que assim educar dá mais trabalho. O Papa não desiste do seu tom
coloquial a integrar o diálogo:
“É arriscar!
Porquê? Porque talvez piso mal e caio...
pois bem, levantas-te e segues em frente!”
Ante a onda individualista em que vivemos parece um capricho exigir
direitos, sempre mais direitos separados da busca da verdade – insinuou a
jornalista. E o Papa argentino continuou, apontando o narcisismo da educação que
ministramos e da civilização em que estamos envoltos:
“Pode ser...
sempre com mais exigências, sem a generosidade de dar. Ou seja, é exigir só os
meus direitos e não os meus deveres perante a sociedade, não é? Eu creio que
direitos e deveres caminham juntos. Senão, isso cria a educação do espelho;
porque a educação do espelho é o narcisismo e hoje estamos numa civilização
narcisista.”
À pergunta como é que se a vence, como
se combate? – Francisco não hesita:
“Com a
educação, por exemplo, com direitos e deveres, com a educação dos riscos
razoáveis, procurando metas, avançando e não ficando quieto ou a olhar ao
espelho... não vá acontecer-nos como aconteceu ao Narciso que, de tanto se
olhar espelhado na água e se achar tão lindo, tão lindo, “blup”, afogou-se.”.
***
Face
ao exposto, tenho que declarar que o Papa devia ter razão, mas não sei se a tem
quando protesta a sua confiança tão clara nos políticos jovens. Não tenho as
cartas informativas que Sua Santidade tem ao seu dispor. Os políticos jovens
deviam estar efetivamente ao arrepio da corrupção e do politicamente correto, ser
portadores do entendimento do poder como genuíno serviço à comunidade, da
educação solidária e enraizada na consciência dos direitos e na assunção dos
deveres, da educação pelo sacrifício e problematizadora e da educação não
pactuante com o facilitismo.
Porém,
a avaliar pelo que vejo em Portugal, a música não é nada outra. Os políticos
jovens vivem fechados no aparelhismo partidário e têm dificuldade em sair dele;
vivem a síndrome do conflito intergeracional; apregoam a inevitabilidade da
receita austeritária; buscam um lugar no aparelho do Estado e na administração das
empresas; são fáceis em exigir uma educação sem sacrifícios e sem deveres e a
acusar, quando lhes convém, pais e professores de os haverem enganado com o
facilitismo; e alguns até assacaram licenciaturas com base em equivalências (profissionais e sociais) duvidosas.
Depois, nem passaram os sacrifícios e limitações por que passaram as gerações
anteriores nem acreditam que elas os tenham sofrido.
E,
se falarmos dos governantes novos (e também fora de Portugal), facilmente verificaremos como eles passaram para
a governança a partir das empresas e bancos que acertaram, em tempos
anteriores, as PPP com prejuízos para o Estado, os contratos swap, as fugas ao fisco e à Segurança
Social, branqueamento da vida e de capitais, o estilo de gastos excessivos em
virtude dos quais agora dizem que temos vivido acima das nossas possibilidades,
etc.
Penso
que, se os jovens de que fala o Papa – os generosos que apostam na dinâmica
missionária da Igreja, das tarefas que lhes são confiadas, mesmo que
temporariamente; os verdadeiramente acompanhados com as três linguagens
catequéticas que o Papa propõe (o idioma da cabeça, o idioma do
coração e o idioma das mãos: pensar o que se sente e o que se faz; sentir o que
se pensa e o que se faz; e fazer o que se sente e o que se pensa) –
fossem atraídos pela verdadeira política enquanto serviço à comunidade e gestão
superior da coisa pública, na atenção aos mais pobres, no estilo de ação de
proximidade e na educação pelo trabalho, então a música poderia realmente ser
outra! Porém, quererá a Igreja fazer por isso? Estará a sociedade recetiva? Ou
continuará o império do deus dinheiro e o do narcisismo egotista?
2015.09.16 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário