Santana Castilho, no Público, do dia 9 de setembro, assinalando a maior pressão sobre os
ombros, que a do seu adversário, com que António Costa se iria apresentar no
dito histórico debate eleitoral televisivo do dia, destaca a vacuidade do
debate sobre a educação.
Com efeito, do que sabemos da PAF, as suas opções e
tendências são por demais conhecidas; do lado de António Costa e PS ficamo-nos,
não em generalidades, mas em pindéricas pinças.
Aceito o sublinhado de Castilho de que o PS não faz passar a sua
mensagem para o eleitorado, apesar de “ter um favorável cenário”: quatro anos
de austeridade criadores de generalizado e contínuo sofrimento de cidadãos e famílias
inteiras que foram atirados para a pobreza, sem que fosse cumprido um único dos
objetivos fixados, quer ao nível do défice quer ao nível da dívida.
Costa, por seu turno, embora tenha demonstrado até à saciedade que
o Governo sempre se determinou a ir além da troika, cumpriu esse desiderato a
ponto de, na era de Gaspar, ter ultrapassado os objetivos da troika em dobro, ao
nível dos impostos e dos cortes de salários, subsídios e pensões – apenas não prosseguiu
por efeito da travagem do Tribunal Constitucional – e, no fim deste consulado, foi
ainda além da troika no âmbito das privatizações. E, se houve encaixe para o Estado
com as privatizações, Portugal ficou altamente depauperado (quase totalmente esvaído) no seu setor estratégico, sem que o património alienado tenha
adquirido qualquer vertente inovadora, mais-valia, melhoria de serviço ou dimensão
de escala.
Se a PAF/Governo apresenta as suas quantificações a Bruxelas, o PS
– apesar de estudos macroeconómicos, linhas programáticas e programa eleitoral definitivo
– falha na insuficiência de propostas concretas que o configurem como alternativa
credível e num excessivo discurso económico-financeiro, sem a definição de
políticas públicas claras, sustentáveis e audazes.
***
Santana Castilho frisa o facto de Costa se ter visto obrigado a
escrever umas “oito cartas” abertas aos eleitores, mas também o facto de uma delas
– “a que ele não escreveu”, ironizou Castilho – dever ter informado o Povo sobre
o que efetivamente tem programado em matéria da educação, acentuando que o tema
interessa a um sem número de alunos (“cerca de
dois milhões”), de pais (cerca de “quatro milhões”) e a uns milhares de
professores (“uns 150 mil”).
Tendo em conta dados epidérmicos de que todos falam – a inépcia na
colocação de professores, a dança de secretários de Estado, as dificuldades do
ensino artístico, o cerco ao ensino superior, a tendência municipalizante da
educação, a afeição financeira ao ensino privado a inflação de notas na avaliação
interna, sobretudo nos estabelecimentos de ensino privado e a orientação da
prestação em sala de aula quase exclusivamente para o figurino de exame
nacional – esperava-se do PS um programa de alteração do rumo da educação. Sabe
a pouco o que efetivamente se sabe: incentivos à fixação de professores em zonas
menos atrativas; reponderação da PACC (dos docentes); ponderação de
manutenção/abolição das provas finais nacionais de Português e de Matemática no
fim do 1.º e do 2.º Ciclo; reponderação da municipalização; intensificação da vertente
da escola a tempo inteiro; e a intervenção na formação inicial dos professores
e reforço da formação contínua.
***
O ilustre professor do ensino superior, no pressuposto de que, “se
queremos mudar Portugal, temos que dar atenção à educação e alterar-lhe o rumo”,
sugere umas tantas medidas concretas, que transcrevo, não ao pé da letra, mas parafraseando-as,
ou seja, reescrevendo-as e reordenando-as já segundo a minha ótica. São elas:
1- Alteração do modelo de direção
das escolas, entregando a professores eleitos por professores a
responsabilidade efetiva da sua gestão, restituindo-lhes a democraticidade e reconhecendo-lhes ampla e real autonomia
(mais em consonância
com o texto constitucional).
2- Recuperação, onde tal se
justifique, da figura ancestral da escola como unidade orgânica, com gestão
própria, de modo a devolver às escolas a identidade que os agrupamentos indevidamente lhes retiraram (Em municípios como
Sernancelhe, Vila Nova de Paiva, Moimenta da Beira, Tarouca ou Castro Daire, etc.,
não se justifica o abandono do sistema de agrupamento) – não era necessário, para criar o espírito de
agrupamento, prescindir da identidade de cada escola.
3- Dotação dos quadros de pessoal das escolas na dimensão adequada
às suas efetivas necessidades permanentes.
4- Retoma da universalização das aulas com 50 minutos de duração (totalmente de acordo,
achando estapafúrdia a conversão de tempos de 45 ou 90 minutos em unidades de
60 minutos, com as ditas compensações, minuto a minuto – os intervalos
pedagogicamente necessários são trabalho).
5- Diminuição das elevadas cargas curriculares atuais, desajustadas
ao desenvolvimento psicológico das crianças e recuperando a importância das
artes, expressões e atividades físicas e desportivas (e eu acrescento a vertente
humanística e clássica ao nível das línguas, culturas e literaturas).
6- Redefinição global dos planos de estudo e dos programas
disciplinares, expurgando-os dos milhares de metas incumpríveis, sem sentido
nem escala humana razoável (totalmente de acordo).
7- Reorganização e aumento das respostas a crianças com
necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e
culturais, bem como a aceitação de que as escolas problemáticas ensaiem turmas
reduzidas e, em situações específicas, dois professores por turma. Não se admite que, havendo alunos e sendo
obrigatória a escolaridade de doze anos, o MEC negue autorização ao funcionamento
de mais uma ou mais turmas numa determinada área (e exija um número mínimo demasiado
alto para o funcionamento de uma disciplina de opção) ou que a escola pública,
alegando falta de vaga, mande embora um aluno residente na área de intervenção
da escola.
8- Diminuição da taxa de retenções/reprovações,
identificando precocemente os obstáculos à aprendizagem e conferindo às escolas
meios materiais e humanos para superá-los, reconhecendo que os alunos têm
ritmos e necessidades diferentes (sem atribuir a culpa exclusivamente aos docentes).
9- Redução do peso institucional e social dos exames/provas
nacionais e abolição da sua aplicação nos 4.º e 6.º anos de escolaridade (o que se está a passar
é uma vergonha: escolas como as de condução, que preparam para exame e não
promovem a aprendizagem).
10- Criação e funcionamento de reais serviços médicos e de orientação escolar, vocacional e tutorial nas escolas.
Que é feito da saúde escolar?
11- Dignificação do ensino profissional e contraindicação de
qualquer adopção vocacional em idade precoce (mas deveria adotar-se também a metodologia da educação pelo
trabalho, é claro sem exploração, como chegou a acontecer no 8.º ano e no 9.º).
12- Retardamento da entrada no ensino básico para os sete anos de
idade. Está visto que a escolaridade menos serôdia não é de si autonomizante. Quantos alunos e alunas precisam de que os
pais os acompanhem na ida à universidade?!
13- Criação de um departamento de desenvolvimento curricular,
especializado e permanente, que substituiria a cultura assente em grupos ad
hoc, sempre que se operam intervenções em planos de estudo e programas.
14- Substituição do estatuto do aluno, de caráter nacional, por
simples códigos de conduta, construídos preferencialmente
no âmbito de cada escola (discordo neste aspeto: se os alunos criam regras, também se sentem
à vontade para as transgredirem), e despojamento do processo disciplinar escolar do excessivo
garantismo de hoje, similar às do processo penal, conferindo-lhe caráter
sumário, de natureza pedagógica, com medidas definitivas e executórias da
responsabilidade exclusiva dos órgãos pedagógicos da escola (aqui totalmente de acordo).
15- Atribuição aos professores estatuto de autoridade pública, com
todas as consequências legais e administrativas.
16- Conceção de um estatuto de carreira docente, em que os professores
portugueses se revejam, que seja instrumento de desburocratização da profissão
e se lhe fixe um referencial deontológico claro.
17- Revogação do modelo de avaliação do desempenho dos professores
e sua substituição por instrumentos definidos autonomamente em cada unidade
orgânica, privilegiando a avaliação do desempenho da escola, enquanto somatório
do desempenho de seus atores, sendo certo que contextos científicos e
pedagógicos diferentes não podem ser avaliados do mesmo modo.
18- Reavaliação e reformulação de toda a legislação de concursos e
colocação dos professores, acentuando a necessidade da sua natureza sempre nacional,
com base na graduação profissional dos candidatos.
19- Redefinição da missão e estrutura da Inspeção-Geral da
Educação e Ciência, orientando-a prioritariamente para a vertente pedagógica.
***
Devo dizer mais ainda o seguinte:
É pena que a escola esteja demasiado judicializada e demasiado
amarrada por Ministro, autarcas e pais. Estes têm o direito/dever de participar,
através dos seus representantes, na definição de políticas educativas e cada um
de interagir com a escola no âmbito da educação do seu educando (informando e recebendo informação, sem ultrapassar os limites da
correção e urbanidade e sem impor conteúdos ou metodologias).
É preciso arredar os atuais dirigentes que não tenham a capacidade
de mediação entre o MEC e a Escola, entre a Escola e a Comunidade, recentrando
a Escola na sua verdadeira autonomia e tratando os docentes como pessoas. E não
se percebe como dos estatutos profissionais, todos são objeto de ato legislativo
do parlamento (médico, advogados, magistrados, advogados, polícias, militares,
etc.),
exceto o dos professores, que também configura algum condicionamento das
liberdades, direitos e garantias, bem como uma profissão de desgaste e risco.
É preciso que a escola respire! Face a tudo isto pergunto, não “Quem
quer casar com a carochinha?”, mas “Quem quer dar a volta à educação”?
2015.09.10 – Louro de
Carvalho
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