quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Alterar o rumo da educação

Santana Castilho, no Público, do dia 9 de setembro, assinalando a maior pressão sobre os ombros, que a do seu adversário, com que António Costa se iria apresentar no dito histórico debate eleitoral televisivo do dia, destaca a vacuidade do debate sobre a educação.
Com efeito, do que sabemos da PAF, as suas opções e tendências são por demais conhecidas; do lado de António Costa e PS ficamo-nos, não em generalidades, mas em pindéricas pinças.
Aceito o sublinhado de Castilho de que o PS não faz passar a sua mensagem para o eleitorado, apesar de “ter um favorável cenário”: quatro anos de austeridade criadores de generalizado e contínuo sofrimento de cidadãos e famílias inteiras que foram atirados para a pobreza, sem que fosse cumprido um único dos objetivos fixados, quer ao nível do défice quer ao nível da dívida.  
Costa, por seu turno, embora tenha demonstrado até à saciedade que o Governo sempre se determinou a ir além da troika, cumpriu esse desiderato a ponto de, na era de Gaspar, ter ultrapassado os objetivos da troika em dobro, ao nível dos impostos e dos cortes de salários, subsídios e pensões – apenas não prosseguiu por efeito da travagem do Tribunal Constitucional – e, no fim deste consulado, foi ainda além da troika no âmbito das privatizações. E, se houve encaixe para o Estado com as privatizações, Portugal ficou altamente depauperado (quase totalmente esvaído) no seu setor estratégico, sem que o património alienado tenha adquirido qualquer vertente inovadora, mais-valia, melhoria de serviço ou dimensão de escala.
Se a PAF/Governo apresenta as suas quantificações a Bruxelas, o PS – apesar de estudos macroeconómicos, linhas programáticas e programa eleitoral definitivo – falha na insuficiência de propostas concretas que o configurem como alternativa credível e num excessivo discurso económico-financeiro, sem a definição de políticas públicas claras, sustentáveis e audazes.
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Santana Castilho frisa o facto de Costa se ter visto obrigado a escrever umas “oito cartas” abertas aos eleitores, mas também o facto de uma delas – “a que ele não escreveu”, ironizou Castilho – dever ter informado o Povo sobre o que efetivamente tem programado em matéria da educação, acentuando que o tema interessa a um sem número de alunos (“cerca de dois milhões”), de pais (cerca de “quatro milhões”) e a uns milhares de professores (“uns 150 mil”).
Tendo em conta dados epidérmicos de que todos falam – a inépcia na colocação de professores, a dança de secretários de Estado, as dificuldades do ensino artístico, o cerco ao ensino superior, a tendência municipalizante da educação, a afeição financeira ao ensino privado a inflação de notas na avaliação interna, sobretudo nos estabelecimentos de ensino privado e a orientação da prestação em sala de aula quase exclusivamente para o figurino de exame nacional – esperava-se do PS um programa de alteração do rumo da educação. Sabe a pouco o que efetivamente se sabe: incentivos à fixação de professores em zonas menos atrativas; reponderação da PACC (dos docentes); ponderação de manutenção/abolição das provas finais nacionais de Português e de Matemática no fim do 1.º e do 2.º Ciclo; reponderação da municipalização; intensificação da vertente da escola a tempo inteiro; e a intervenção na formação inicial dos professores e reforço da formação contínua.
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O ilustre professor do ensino superior, no pressuposto de que, “se queremos mudar Portugal, temos que dar atenção à educação e alterar-lhe o rumo”, sugere umas tantas medidas concretas, que transcrevo, não ao pé da letra, mas parafraseando-as, ou seja, reescrevendo-as e reordenando-as já segundo a minha ótica. São elas:
1- Alteração do modelo de direção das escolas, entregando a professores eleitos por professores a responsabilidade efetiva da sua gestão, restituindo-lhes a democraticidade e reconhecendo-lhes ampla e real autonomia (mais em consonância com o texto constitucional).
2- Recuperação, onde tal se justifique, da figura ancestral da escola como unidade orgânica, com gestão própria, de modo a devolver às escolas a identidade que os agrupamentos indevidamente lhes retiraram (Em municípios como Sernancelhe, Vila Nova de Paiva, Moimenta da Beira, Tarouca ou Castro Daire, etc., não se justifica o abandono do sistema de agrupamento) – não era necessário, para criar o espírito de agrupamento, prescindir da identidade de cada escola.
3- Dotação dos quadros de pessoal das escolas na dimensão adequada às suas efetivas necessidades permanentes.
4- Retoma da universalização das aulas com 50 minutos de duração (totalmente de acordo, achando estapafúrdia a conversão de tempos de 45 ou 90 minutos em unidades de 60 minutos, com as ditas compensações, minuto a minuto – os intervalos pedagogicamente necessários são trabalho).
5- Diminuição das elevadas cargas curriculares atuais, desajustadas ao desenvolvimento psicológico das crianças e recuperando a importância das artes, expressões e atividades físicas e desportivas (e eu acrescento a vertente humanística e clássica ao nível das línguas, culturas e literaturas).
6- Redefinição global dos planos de estudo e dos programas disciplinares, expurgando-os dos milhares de metas incumpríveis, sem sentido nem escala humana razoável (totalmente de acordo).
7- Reorganização e aumento das respostas a crianças com necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e culturais, bem como a aceitação de que as escolas problemáticas ensaiem turmas reduzidas e, em situações específicas, dois professores por turma. Não se admite que, havendo alunos e sendo obrigatória a escolaridade de doze anos, o MEC negue autorização ao funcionamento de mais uma ou mais turmas numa determinada área (e exija um número mínimo demasiado alto para o funcionamento de uma disciplina de opção) ou que a escola pública, alegando falta de vaga, mande embora um aluno residente na área de intervenção da escola.
8- Diminuição da taxa de retenções/reprovações, identificando precocemente os obstáculos à aprendizagem e conferindo às escolas meios materiais e humanos para superá-los, reconhecendo que os alunos têm ritmos e necessidades diferentes (sem atribuir a culpa exclusivamente aos docentes).
9- Redução do peso institucional e social dos exames/provas nacionais e abolição da sua aplicação nos 4.º e 6.º anos de escolaridade (o que se está a passar é uma vergonha: escolas como as de condução, que preparam para exame e não promovem a aprendizagem).
10- Criação e funcionamento de reais serviços médicos e de orientação escolar, vocacional e tutorial nas escolas. Que é feito da saúde escolar?
11- Dignificação do ensino profissional e contraindicação de qualquer adopção vocacional em idade precoce (mas deveria adotar-se também a metodologia da educação pelo trabalho, é claro sem exploração, como chegou a acontecer no 8.º ano e no 9.º).
12- Retardamento da entrada no ensino básico para os sete anos de idade. Está visto que a escolaridade menos serôdia não é de si autonomizante. Quantos alunos e alunas precisam de que os pais os acompanhem na ida à universidade?!
13- Criação de um departamento de desenvolvimento curricular, especializado e permanente, que substituiria a cultura assente em grupos ad hoc, sempre que se operam intervenções em planos de estudo e programas.
14- Substituição do estatuto do aluno, de caráter nacional, por simples códigos de conduta, construídos preferencialmente no âmbito de cada escola (discordo neste aspeto: se os alunos criam regras, também se sentem à vontade para as transgredirem), e despojamento do processo disciplinar escolar do excessivo garantismo de hoje, similar às do processo penal, conferindo-lhe caráter sumário, de natureza pedagógica, com medidas definitivas e executórias da responsabilidade exclusiva dos órgãos pedagógicos da escola (aqui totalmente de acordo).
15- Atribuição aos professores estatuto de autoridade pública, com todas as consequências legais e administrativas.
16- Conceção de um estatuto de carreira docente, em que os professores portugueses se revejam, que seja instrumento de desburocratização da profissão e se lhe fixe um referencial deontológico claro.
17- Revogação do modelo de avaliação do desempenho dos professores e sua substituição por instrumentos definidos autonomamente em cada unidade orgânica, privilegiando a avaliação do desempenho da escola, enquanto somatório do desempenho de seus atores, sendo certo que contextos científicos e pedagógicos diferentes não podem ser avaliados do mesmo modo.
18- Reavaliação e reformulação de toda a legislação de concursos e colocação dos professores, acentuando a necessidade da sua natureza sempre nacional, com base na graduação profissional dos candidatos.
19- Redefinição da missão e estrutura da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, orientando-a prioritariamente para a vertente pedagógica.
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Devo dizer mais ainda o seguinte:
É pena que a escola esteja demasiado judicializada e demasiado amarrada por Ministro, autarcas e pais. Estes têm o direito/dever de participar, através dos seus representantes, na definição de políticas educativas e cada um de interagir com a escola no âmbito da educação do seu educando (informando e recebendo informação, sem ultrapassar os limites da correção e urbanidade e sem impor conteúdos ou metodologias).
É preciso arredar os atuais dirigentes que não tenham a capacidade de mediação entre o MEC e a Escola, entre a Escola e a Comunidade, recentrando a Escola na sua verdadeira autonomia e tratando os docentes como pessoas. E não se percebe como dos estatutos profissionais, todos são objeto de ato legislativo do parlamento (médico, advogados, magistrados, advogados, polícias, militares, etc.), exceto o dos professores, que também configura algum condicionamento das liberdades, direitos e garantias, bem como uma profissão de desgaste e risco.
É preciso que a escola respire! Face a tudo isto pergunto, não “Quem quer casar com a carochinha?”, mas “Quem quer dar a volta à educação”?

2015.09.10 – Louro de Carvalho

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