O
Papa falou à assembleia plenária do Congresso com mostras de simpatia e de proximidade
identificando-se como americano, mercê da imigração como muitos outros, e
terminou a sua alocução religiosamente como fazem os notáveis oradores
americanos “Deus abençoe a América”.
Além
disso, evidenciou algumas riquezas do património
cultural, do espírito do povo americano, desejando que este espírito se
desenvolva e cresça de modo que os jovens possam herdar e habitar numa terra
que inspirou tantas pessoas a sonhar.
E acabou por apresentar noções sobre: papel dos deputados;
definição de política; perfil do bom líder; pressupostos duma economia moderna;
e novas caraterísticas da dinâmica empresarial.
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Insere
a vocação dos congressistas no quadro da responsabilidade básica pessoal e
social dos cidadãos. Porém, cabe-lhes a eles, como rosto do povo, a missão
específica de, através da produção legislativa, fazer com que o país cresça
como nação.
Depois,
enuncia o fim da política: o bem comum, conseguido através da busca incansável e exigente, que se espelha no cuidado das pessoas,
satisfazendo as carências comuns, com relevo para os que estão em situação de maior vulnerabilidade ou risco. E atribui-lhes um significado nobre: Como Moisés, os congressistas
têm de perceber a necessidade que o povo tem de “manter vivo o seu sentido de
unidade” através dos “instrumentos duma legislação justa”. Por outro lado, os
congressistas, tal como Moisés remetia diretamente para Deus e para a dignidade
transcendente do ser humano, “devem proteger, com os instrumentos da lei, a
imagem e semelhança moldadas por Deus em cada rosto humano”.
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Passa
a manifestar a vontade de dialogar com os inúmeros milhares de homens e
mulheres que trabalham, esforçando-se por trazer para casa o pão de cada dia e
construir uma vida melhor para as suas famílias. São pessoas que “sustentam a
vida da sociedade”, “geram solidariedade com as suas atividades e criam
organizações que ajudam quem tem mais necessidade”.
Depois,
menciona os idosos enquanto “depósito de sabedoria forjada pela experiência e
que procuram de muito modos, especialmente através do voluntariado, partilhar
as suas histórias e experiências”.
Alude
aos jovens “que lutam por realizar as suas grandes e nobres aspirações, que não
se deixam extraviar por propostas superficiais e que enfrentam situações
difíceis, tantas vezes resultantes da imaturidade de muitos adultos”.
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No
contexto de celebração aniversária de americanos famosos, Francisco evoca
alguns dos que enditam a memória coletiva. Afirma que eles “foram capazes, com
todas as suas diferenças e limitações, de construir um futuro melhor com
trabalho duro e sacrifício pessoal – alguns à custa da própria vida”, dando
“forma a valores fundamentais, que permanecerão para sempre no espírito do povo
americano”. De entre eles, destaca Abraham Lincoln, Martin Luther King, Dorothy
Day e Thomas Merton.
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No
sesquicentenário do assassinato do Presidente Abraham Lincoln, Francisco
elogia “o guardião da liberdade e sublinha que a construção dum “futuro de
liberdade requer amor pelo bem comum e colaboração num espírito de
subsidiariedade e solidariedade”. E contrapõe a este cenário positivo o cenário
polvoroso do mundo atual: o mundo como “lugar de conflitos violentos, ódios e
atrocidade brutais, cometidos até mesmo em nome de Deus e da religião”.
Repudiando,
pois, qualquer forma de “fundamentalismo, tanto religioso como de qualquer
outro género”, pugna por um “delicado equilíbrio para se combater a violência”
perpetrada em nome duma religião, ideologia ou sistema económico, enquanto “se
salvaguarda a liberdade religiosa, a liberdade intelectual e as liberdades
individuais”.
Recusa
também o reducionismo maniqueísta que vê o bem todo dum lado e do outro todo o mal
e adverte que “imitar o ódio e a violência dos tiranos e dos assassinos é o
modo melhor para ocupar o seu lugar”. Ao invés, propõe “uma resposta de
esperança e cura, de paz e justiça”. E explica:
Os nossos esforços devem concentrar-se em
restaurar a paz, remediar os erros, manter os compromissos e assim promover o
bem-estar dos indivíduos e dos povos. Devemos avançar juntos, como um só, num
renovado espírito de fraternidade e solidariedade, colaborando generosamente
para o bem comum.
Depois,
salienta o papel das várias denominações religiosas “na construção e
fortalecimento da sociedade” e apela a que “a voz da fé continue a ser ouvida”
enquanto “voz de fraternidade e de amor que procura fazer surgir o melhor em
cada pessoa e em cada sociedade”. É esta cooperação “um poderoso recurso” para
a eliminação das novas formas de escravidão, nascidas de graves injustiças que
só podem ser superadas com “novas políticas” e formas de consenso.
Reconhece
a singular marca da história política dos Estados Unidos, “onde a democracia
está profundamente radicada no espírito do povo americano”. Depois de evocar a Declaração
de Independência, propõe uma política que esteja verdadeiramente ao serviço
da pessoa humana, que não pode estar submetida à economia e às
finanças. E, como justificação, apresenta a sua noção de política:
A expressão da nossa insuprível
necessidade de vivermos juntos em unidade, para podermos construir unidos o bem
comum maior – uma comunidade que sacrifique os interesses particulares para
poder partilhar, na justiça e na paz, os seus benefícios, os seus interesses, a
sua vida social.
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Evocando
a marcha de Martin Luther King, há 50 anos, de Selma a Montgomery, como parte
da campanha para alcançar o sonho de plenos direitos civis e políticos para os
afro-americanos, o Pontífice sustenta o cariz inspirador daquele sonho, que
leva “à ação, à participação, ao compromisso”. Aponta a América como uma terra
de sonhos, para muitos, e declara:
Nos últimos séculos, milhões de pessoas
chegaram a esta terra perseguindo o sonho de construírem um futuro em
liberdade. Nós, pessoas deste continente, não temos medo dos estrangeiros,
porque outrora muitos de nós éramos estrangeiros.
No
entanto, o Papa não deixa de lançar um olhar crítico sobre o passado:
Tragicamente, os direitos daqueles que
estavam aqui, muito antes de nós, nem sempre foram respeitados. (…). Aqueles
primeiros contactos foram muitas vezes tumultuosos e violentos, mas é difícil
julgar o passado com os critérios do presente.
Sobre
a atitude a adotar, exprime-se com clareza, sobre a relação com os imigrantes:
Quando o estrangeiro no nosso meio nos
interpela, não devemos repetir os pecados e os erros do passado. Devemos
decidir viver agora o mais nobre e justamente possível e, de igual modo, formar
as novas gerações para não virarem as costas ao seu próximo e a tudo o que nos rodeia. Construir uma nação pede-nos
para reconhecer que devemos constantemente relacionar-nos com os outros,
rejeitando uma mentalidade de hostilidade para se adotar uma subsidiariedade
recíproca, num esforço constante de contribuir com o melhor de nós.
Em
relação ao presente, Francisco mostra-se realista e sublinha o epifenómeno dos
refugiados e dos que, no continente americano, se sentem impelidos a viajar
para o Norte. Esta crise de refugiados, que assumiu proporções não vistas desde
os tempos da II Guerra Mundial, constitui uma realidade que nos coloca perante “grandes
desafios e decisões difíceis”. Evocando a regra de ouro (o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a
eles –
Mt 7,12),
explicita:
Não devemos deixar-nos assustar pelo seu
número, mas antes olhá-los como pessoas, fixando os seus rostos e ouvindo as
suas histórias, procurando responder o melhor que pudermos às suas situações.
Uma resposta que seja sempre humana, justa e fraterna. Devemos evitar uma
tentação hoje comum: descartar quem quer que se demonstre problemático.
Por
consequência e a nível positivo,
Procuremos para os outros as mesmas
possibilidades que buscamos para nós mesmos. Ajudemos os outros a crescer, como
quereríamos ser ajudados nós mesmos. Em suma, se queremos segurança, demos
segurança; se queremos vida, demos vida; se queremos oportunidades,
providenciemos oportunidades. A medida que usarmos para os outros será a medida
que o tempo usará para connosco.
E
com toda a clareza expõe a sua convicção:
A regra de ouro põe-nos diante também da
nossa responsabilidade de proteger e
defender a vida humana em todas as fases do seu desenvolvimento.
Ora,
porque cada vida é sagrada, cada pessoa
humana está dotada duma dignidade inalienável, e a sociedade só pode beneficiar
da reabilitação daqueles que são condenados por crimes, o Papa Francisco
declara o seu apoio aos bispos dos Estados Unidos, que recentemente “renovaram
o seu apelo pela abolição da pena de morte”. Mais: encoraja “todos
aqueles que estão convencidos de que uma punição justa e necessária nunca deve
excluir a dimensão da esperança e o objectivo da reabilitação”.
Em
suma, o Pontífice declara-se contra a pena de morte e contra a prisão perpétua!
***
Num
tempo de grandes preocupações sociais, vem a referência à Serva de Deus Dorothy
Day, que fundou o Catholic
Worker Movement, e ao seu compromisso social e paixão pela justiça e pela
causa dos oprimidos, com inspiração no Evangelho,
na sua fé e no exemplo dos Santos.
À
sombra da obra benfazeja desta americana extraordinária, Francisco reconhece o
trabalho feito “para fazer sair as pessoas da pobreza extrema”. Não obstante, mostrou
a convicção “de que se tem de fazer ainda muito mais e de que, em tempos de
crise e dificuldade económica, não se deve perder o espírito de solidariedade
global”. Mais: não se podem esquecer
todas as pessoas à nossa volta encastradas nas espirais da pobreza; é
preciso dar-lhes esperança. A luta contra a pobreza e contra a fome deve ser travada com constância nas suas
múltiplas frentes, especialmente nas suas causas.
Para
tanto, há que apostar na criação e distribuição de riqueza; na utilização correta
dos recursos naturais; na aplicação apropriada da tecnologia; e na capacidade
de orientar devidamente o espírito empresarial – elementos essenciais duma
economia que procura ser moderna, inclusiva e sustentável.
Por
outro lado, há que fazer da atividade empresarial – nobre vocação orientada
para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos – “uma maneira muito
fecunda de promover a região onde instala os seus empreendimentos”, sobretudo através
da “criação de postos de trabalho” como
“parte imprescindível do seu serviço ao bem comum”.
Segundo
a perspetiva papal, o bem comum inclui “também a terra”, tema central da
Encíclica Laudato si’, escrita para “entrar
em diálogo com todos acerca da nossa casa comum” e propor “um debate que nos
una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas
dizem respeito [a todos] e têm impacto sobre todos nós” (LS,14).
Torna-se
imperativo o “esforço corajoso e responsável para mudar de rumo e evitar os efeitos mais sérios da degradação
ambiental causada pela atividade humana”. Continuando a citar a encíclica,
ligando a luta contra a pobreza ao cuidado da natureza e expressando a sua
confiança no “contributo vital das instituições americanas de investigação e
académicas nos próximos anos, o insigne orador explicita:
Agora é o momento de empreender ações
corajosas e estratégias tendentes a implementar uma cultura do cuidado e uma
abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos
e, simultaneamente, cuidar da natureza. Temos a liberdade necessária para
limitar e orientar a tecnologia, para individuar modos inteligentes de orientar, cultivar e limitar o nosso poder
e colocar a tecnologia ao serviço doutro
tipo de progresso, mais saudável, mais humano, mais social, mais integral.
***
Quanto
a Thomas
Merton, este monge cisterciense, nasceu há um século, nos começos da I
Grande Guerra, que o Papa Bento XV chamou
de “massacre inútil”. E continua a ser “uma fonte de inspiração espiritual e um
guia para muitas pessoas”. Merton era, acima de tudo, “o homem de oração”, o “pensador
que desafiou as certezas da época e abriu novos horizontes para as almas e para
a Igreja”, o “homem de diálogo”, o “promotor de paz entre povos e religiões”.
À
luz do perfil deste extraordinário americano, o Papa – convicto do seu “dever
de construir pontes e ajudar, por todos os modos possíveis, cada homem e cada
mulher a fazerem o mesmo” – saúda os esforços dos últimos meses para “procurar
superar as diferenças históricas ligadas a episódios dolorosos do passado”.
Nesta perspetiva, assegura (provavelmente, tendo em mente Cuba e Estados Unidos) que, “quando nações que
estiveram em desavença retomam o caminho do diálogo, se abrem “novas
oportunidades para todos”.
No
pressuposto de que isto exige coragem e audácia, enuncia, citando a sua Evangelii Gaudium (222-223), o perfil do bom líder
político:
O bom líder político é aquele que, tendo em
conta os interesses de todos, lê o momento presente com espírito de abertura e
sentido prático. Um bom líder político não cessa de optar mais por iniciar processos
do que possuir espaços.
Porém,
estar ao serviço do diálogo e da paz significa, segundo o Papa Bergoglio, a
determinação “em reduzir e, a longo prazo, pôr termo a tantos conflitos armados
em todo o mundo”.
E
vem, de imediato, a interrogação pertinente: Por que motivo se vendem armas letais àqueles que têm em mente infligir
sofrimentos inexprimíveis a indivíduos e sociedade?
Com
a reposta certa, mas infeliz: Por
dinheiro; dinheiro que está impregnado de sangue, e muitas vezes sangue inocente.
Com
uma exigência: Perante este silêncio
vergonhoso e culpável, é nosso dever enfrentar o problema e deter o comércio de
armas.
***
Finalmente,
evocando o Encontro Mundial das Famílias,
em que vai participar, enaltece a essencialidade da família na construção do
país e que “merece o nosso apoio e encorajamento”, perante as inúmeras ameaças que
impendem sobre ela, internas e externas.
Sobre
isto, repropõe a importância e, sobretudo, a riqueza e a beleza da vida
familiar”, não perdendo o ensejo de chamar a atenção para os jovens, que são os
membros da família mais vulneráveis. E diz:
Para muitos deles anuncia-se um futuro
cheio de tantas possibilidades, mas muitos outros parecem desorientados e sem
uma meta, encastrados num labirinto sem esperança, marcado por violências,
abusos e desespero. Os seus problemas são os nossos problemas. (…). É
necessário enfrentá-los juntos, falar deles e procurar soluções eficazes em vez
de ficar empantanados nas discussões. (…). Vivemos numa cultura que impele os
jovens a não formarem uma família, porque lhes faltam possibilidades para o
futuro. Mas esta mesma cultura apresenta a outros tantas opções que também eles
são dissuadidos de formar uma família.
***
Discurso
difícil, na dialética entre a simpatia e a dureza dos problemas a enfrentar com
esperança e determinação – que vale a pena ler e reler, porque se dirige aos
americanos no horizonte do mundo inteiro.
2015.09.27 – Louro
de Carvalho
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