segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Um inédito peditório…

Como foi prometido à opinião pública, vários fatores de perturbação – uns de origem nitidamente política, outros nem tanto – se intrometeram no mecanismo do período eleitoral. Foi a movimentação de forças policiais, designadamente as associações da GNR, pela não aprovação do seu estatuto profissional; foram os enfermeiros, em razão das condições de trabalho, nomeadamente salariais; foram os taxistas contra a concorrência da Uber; foi o caso de José Sócrates, político preso (a que se juntaram figuras públicas de menor visibilidade política), com o caso de uma pizza extraqueijo de tipo Pepperone, que afinal ele não pedira, e os episódios do seu aniversário e da audição do debate entre Passos e Costa (tudo servido pela publicitação de imagens); e são os lesados do BES/GES, sobretudo a AIEPC (Associação dos Indignados e Lesados/enganados do Papel Comercial do BES).
Conquanto os temas dos enfermeiros, dos taxistas e da GNR continuem sobre a mesa das negociações à espera de solução, nunca assaz satisfatória para os interessados, mas de facto episódico na pré-campanha eleitoral passam facilmente ao modo de eclipse, possibilitando a discussão política, os outros dois casos manter-se-ão na campanha como se fossem andores de procissão prestes a matar um homem devoto e a fazer umas dezenas de feridos ligeiros ou uma grua sobranceira ao telhado da mesquita de Meca a abater umas dezenas de peregrinos em romaria circulante à Kaaba.
A figura e obra de Sócrates, autotransportada à campanha pelas suas declarações e aparições, bem como coincidentemente pelo Ticão, que o recambiou para casa escoltada, neste preciso momento, terão de ser encaradas, explicadas e sublimadas pelos seus herdeiros políticos, que as devem assumir em parte e em parte delas se demarcar. Estes dados, porque os principais adversários, por mais que digam o contrário, continuarão a trazer à colação a figura e a governança liderada pelo ex-primeiro-ministro. E não vale a pena dizer que não trazem à liça do debate o caso da justiça, mas só a governação, que não evocam o arguido e o cidadão, mas o governante. As circunstâncias que envolvem a figura de Sócrates são inseparáveis e a política, precisamente porque é política, tem a ver com tudo. E diga-se a verdade: quem está contra a governança que alguém liderou, quando fala dela, fala da personalidade que a corporiza e fala dela como ela era, como é e como se pensa que será.
E o caso dos lesados do BES/GES, sobretudo os elementos da AIEPC?
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As ações de protesto dos lesados do BES/GES – tanto daqueles a quem foi vendido papel comercial do grupo GES, mesmo da “Rio Forte”, aos balcões do BES, como dos emigrantes a quem foram vendidos produtos financeiros e dos acionistas que cooperaram na recapitalização do Banco, sobretudo depois de ouvirem as palavras do governador do BdP e do PR – têm sido um fenómeno recorrente muito antes do período eleitoral. Assim, mais não têm feito do que prolongar as suas manifestações de indignação e reivindicação e emprestar-lhes um ânimo reforçado nos dias de pré-campanha eleitoral e também de campanha.
Entretanto, segundo um comunicado do movimento dos lesados, já há alguns dias que a sua defesa “está a preparar o envio de uma comunicação ao Governo em que solicita a isenção de taxas de justiça e custas processuais – de forma extraordinária – para os lesados de Papel Comercial do Banco Espírito Santo”. De acordo com o texto do comunicado, sabe-se que o pedido será enviado esta semana e a isenção solicitada “permitiria igualdade de armas, uma vez que os responsáveis pelos créditos dos lesados são muitos, solidariamente responsáveis, e de poder económico que lhes garante litigar sem dificuldades”.
A notícia do pedido que está em marcha surgiu depois das declarações do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, durante o fim de semana, em Braga, quando garantiu que estava disponível para organizar uma subscrição pública para os auxiliar.
“Se não tem dinheiro para ir lá [tribunal], eu organizarei uma subscrição pública para os ajudar a recorrer ao tribunal”, disse Passos Coelho, depois de confrontado por um cidadão que se diz lesado pelo investimento feito em papel comercial do grupo, que faliu há pouco mais de um ano e cujo banco se partiu em dois, o banco mau e o banco bom (o Novo Banco), assegurado por um fundo de resolução constituído segundo as normas europeias por um sindicato bancário (de que faz parte a CGD – o banco público) que contraiu um empréstimo junto do Estado (Mas, credo! não é uma nacionalização).
A Associação dos Indignados e Lesados do Papel Comercial do BES acusa o primeiro-ministro de estar mal informado sobre a entidade que é responsável pelo pagamento do papel comercial do BES – quando diz que “o papel comercial que não é do banco, é do Grupo Espírito Santo (GES) e das empresas do grupo” – e considera que a proposta de recurso aos tribunais “é intelectualmente desonesta”.
À intenção revelada pelo primeiro-ministro de se disponibilizar para organizar uma subscrição pública para ajudar os lesados que não têm condições económicas para recorrerem à justiça, a AIEPC responde:
“É intelectualmente desonesto enviar pessoas de 70 anos para os tribunais, sabendo que o seu Governo e os anteriores nada fizeram para criar um sistema judicial eficiente e rápido”.
Depois Ricardo Ângelo defende que “o primeiro-ministro deve deixar de ouvir apenas o Banco de Portugal, porque nós não somos credores do Grupo Espírito Santo (GES), mas sim do BES” e lembra que “o BES assumiu o pagamento do papel comercial, constituiu uma provisão para o fazer, pelo que, agora, é o Novo Banco que tem de cumprir esse pagamento”.
O presidente da Direção da AIEPC declarou que “o primeiro-ministro tem de assumir a responsabilidade política pela garantia dada pelo seu Governo sobre a solidez do BES e as suas empresas”. Sem isso – sustenta – “as pessoas tinham tido oportunidade de resgatar as suas poupanças”.
Por outro lado, a AIEPC garante que não está a promover manifestações de lesados em ações de pré-campanha da coligação PSD/CDS, e apela à não violência. Mas destaca que “as pessoas têm o direito de se manifestar” e diz estar “completamente solidária com o desespero dos lesados devido às constantes tentativas de desresponsabilização do Governo relativamente ao caso”.
No caso do papel comercial, emitido por empresas do Grupo Espírito Santo (GES), mas que foi vendido pelo BES, estão em causa cerca de 2500 clientes, que reivindicam 527 milhões de euros. Muitos destes clientes têm todas as suas poupanças “presas” neste produto.
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Esta foi a segunda vez na mesma semana que os lesados do BES embaraçaram a coligação PAF. No passado dia 6, em Ofir, no concelho de Esposende, dezenas de manifestantes dos lesados do BES concentraram-se junto ao hotel onde decorria a Escola de Quadros do CDS. Vaias, empurrões, assobios e muitos impropérios foram dirigidos a Paulo Portas e ao Governo, tendo o vice-primeiro-ministro sido obrigado a sair de Ofir sob escolta policial. Também desta vez, em Braga, foi precisa proteção policial para que Passos e Portas abandonassem em segurança o mercado municipal, cerca das 11 horas. Porém, nos discursos na Alfândega, Passos Coelho ignorou os incidentes ocorridos em Braga e o ruído nas imediações do palácio da Alfândega onde decorria o jantar-convívio da coligação Portugal à Frente.
Segundo o Público, de hoje, 13 de setembro, o apelo de Passos Coelho aos lesados do BES para terem calma relativamente à devolução das suas poupanças, no mercado municipal de Braga, caíram em saco roto. Indiferentes às garantias e intenções de ajuda deixadas pelo primeiro-ministro e líder da coligação eleitoral de direita e depois de uma manhã atribulada, os manifestantes voltaram a manifestar-se ao fim do dia junto ao edifício de Alfândega do Porto.
Quando Passos Coelho e Paulo Portas ali chegaram – faltavam cinco minutos para as 21 horas – para um jantar que reuniu mil comensais no primeiro dia da chamada “maratona” da coligação PAF, que veio para a rua uma semana antes da campanha oficial, já os ânimos tinham acalmado, depois de alguns momentos de tensão, provocados por um grupo de moradores de Miragaia, que obrigou mesmo a polícia a intervir.
De manhã, a receção a Passos e a Portas no mercado de Braga fora marcada por palavras de ordem, insultos, muitos empurrões e movimentações de cerco aos dois membros do governo e líderes da coligação.
Aos lesados do BES juntaram-se alguns professores em protesto, impedindo que a comitiva se conseguisse movimentar, o que levou o primeiro-ministro a apelar de braços, no ar, por várias vezes, à calma.
Em conversa com o líder da coligação, um antigo cliente do BES perguntou-lhe o que é que o Governo iria fazer sobre o caso do banco. Começando por lhe explicar a diferença entre o Grupo Espírito Santo e o banco e que o banco está defendido, o primeiro-ministro assegurou que os “responsáveis vão responder em tribunal por isso”.
Foi em resposta a essa perícopa discursiva que o antigo cliente do BES fez saber que não tinha capacidade para recorrer à justiça. E o governante atalhou rápido: “Se não tem dinheiro para ir lá, eu organizarei uma subscrição pública para os ajudar a recorrer ao tribunal”.
Mais tarde, Passos Coelho adiantou às televisões que “existe sempre forma de o Estado garantir um recurso ao tribunal por parte de qualquer pessoa que não tenha rendimentos para ver fazer-se justiça no tribunal”. E acrescentou: “Serei até o primeiro subscritor e contribuinte, a título individual, não como primeiro-ministro, mas como cidadão, para ajudar pessoas que se encontram em grandes dificuldades a ir a tribunal”.
Mais um e mais uma vez a separar as circunstâncias que rodeiam a pessoa que governa das suas responsabilidades públicas e das suas responsabilidades e prerrogativas individuais e de cidadania!
Marcelo Rebelo de Sousa, por seu turno, considerou, no seu comentário dominical da TVI, que a ideia de Passos Coelho de participar numa subscrição pública para ajudar os lesados do BES a recorrer a tribunal “não foi a mais feliz”. O ex-líder do PSD afirmou que o primeiro-ministro “não tinha preparado” a resposta, mas que perante a pressão da abordagem de um lesado “ocorreu-lhe aquela”.
O comentador político explicou que a ideia de Passos era tentar “passar as culpas para os responsáveis do ex-GES”, mas que acabou “prudentemente” por “recuar” ao aperceber-se de que a maioria das ações são contra o Banco de Portugal na sequência da resolução que o governo aprovou.
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A ideia alinhavada à pressa por Passos Coelho em reação a um lamento sustentado de um cidadão que se considera lesado do BES e sem posses económicas não é consistente.
Trata-se de uma forma atabalhoada de resolver casuisticamente um problema e parece ignorar o que toda a gente sabe: que a Segurança Social providencia a proteção jurídica dos que não têm meios para a ceder aos tribunais; e que os critérios se revelam na prática tão limitativos que só em último caso os cidadãos se sentem minimamente confortáveis para solicitar tal proteção jurídica, a não ser para defesa.
Depois, é de perguntar como é que um responsável pelo Governo repete à saciedade que os contribuintes não são chamados a pagar a “resolução” e acompanha e estimula os lesados a recorrer aos tribunais. Contra o banco mau, que não tem suporte financeiro à vista? Contra o Novo Banco, que não sabe suficientemente da reserva para ressarcição de prejuízos a clientes? Contra o Banco de Portugal, que liderou o processo de resolução/nacionalização indireta? Contra o BCE, que estabelece normas e procedimentos na gestão bancária do Eurogrupo? Contra o Estado Português, cujos representantes executivos chutam a responsabilidade para o BdP, furtando-se a assumir que quem lhes atribuiu competências na resolução foi o Governo com a aprovação, promulgação, referenda e publicação de dois decretos-lei em cima da hora, num fim de semana, um deles a entrar em vigor no dia a seguir ao da resolução?
Parece que é o governante a sugerir um processo judicial contra o governante! Se está cônscio do prejuízo dos antigos clientes do BES, porque não aciona mecanismos administrativos de remediação e manda estas pessoas para o processo moroso, garantista e ineficaz de justiça?
Depois, o facto constituiria um precedente: em casos semelhantes, não haveria problema, pois, far-se-ia um peditório ou uma ação de angariação de fundos, liderado ou acompanhado pela “caridade” do primeiro-ministro paramentado das vestes individuais de simples cidadão.
E os deputados, ministros e secretários de Estado – e já agora – as sociedades de advogados podem continuar descansados e a perceber as remunerações. Que trabalhem os juízes.
Tais são as putativas consequências da organização do inédito peditório…

2015.09.13 – Louro de Carvalho

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