Vai de vento em popa a campanha
para as eleições primárias organizadas pelo PS para a escolha do seu candidato ao
cargo de Primeiro-Ministro em resultado das legislativas a ocorrer no outono de
2015.
E, dado que se trata de uma eleição
em que também participam simpatizantes não militantes e não se trata de prover à
ocupação de qualquer cargo partidário dos previstos estatutariamente, não se pode
falar de eleição interna. De externa também não, já que dali não resultará um desempenho
de cargo público no imediato, previsto na Constituição ou na lei ordinária. Será
talvez uma eleição com colaboração externa para resolver incompleta e lateralmente
um problema interno, não será? Ou será que, se Costa ganhar e Seguro se demitir
do cargo de secretário-geral, Costa será cumulativamente secretário-geral (eleito
também por não militantes e não por militantes exclusivamente!)? Terá que haver
novas eleições diretas para secretário-geral? E se Seguro não se demitir?
Entretanto, as vozes dos socialistas
não deixam de surgir no espectro político e social, no contexto do país, embora
sem a garra esperada da parte de um partido que pretende a governança da
República. E lá vão seguindo as eleições para as federações distritais, o que
dá a entender que, apesar da crise interna que assola o PS e que alguns
observadores dizem ser a mais profunda de sempre, os estatutos do partido socialista
nem arderam nem caducaram nem estão suspensos. O certo é que o PS não descola
dos 32% das intenções de voto. E, se as eleições fossem nestes dias, o
somatório dos votos do PSD e do CDS ultrapassaria a votação do maior partido da
oposição. A isto acresce que Tó Zé Seguro é o político que detém o maior e
melhor índice de popularidade, logo seguido de Paulo Portas.
A digladiação entre os dois
contendores reflete o habitual: pouco esclarecimento sobre as grandes questões,
exposição de generalidades, fragilização no equacionamento de problemas
concretos, algum acinte pessoal, inúmeras deslocações pelo país e arregimentação
de militantes e simpatizantes institucionalizados para a causa de cada um dos candidatos a candidato.
Porém, notam-se algumas
diferenças, mais de estilo que de programa. Deixo algumas a título de exemplo. Seguro
apresenta muitas propostas, basicamente as 80 que elencou a dois passos das eleições
europeias e às quais muitas vezes se reporta; manifesta dramaticamente muitas dúvidas
e preocupações por este ou por aquele caso, que alternam com eventuais
esclarecimentos que lhe sejam prestados, mesmo que venham a ser gorados;
refere-se à alteração da política europeia quase como se tal dependesse quase
exclusivamente de si, esquecendo que, muito embora alguns partidos socialistas
tenham ganhado as eleições europeias ao nível de seus países, o PPE ganhou as
eleições e o senhor Juncker não vai fazer o pino em relação ao passado, por
mais melhorias que introduza na estratégia da Europa dos grandes; revela uma ingenuidade
bucólica no seu discurso demasiado pessoalizado; faz acusações graves, de
diversos jaezes, à fação que julga contrária; mostra-se demasiado agarrado ao
aparelho partidário e aos resultados obtidos; reconhece, tarde e a más horas, que
devia ter falado em determinados momentos, mas que não o fizera para não
perturbar a paz do partido; e sobretudo Tó Zé faz promessas que tenho a
impressão de que sabe que não poderá cumprir. Será que está convencido de que
vai perder as primárias?
Por seu turno, Costa parece mais
cerebral e mais calculista; movimenta-se à vontade entre os históricos do partido;
percorre o país; em vez de expor uma ladainha de propostas, arruma-as por uns
quantos eixos europeus e outros tantos de índole nacional; insiste na invenção
de um caminho alternativo de governação que não o seguido atualmente, não como
promessa, mas como necessidade; apoia-se na sua experiência governativa e autárquica;
revela conhecimento do país e dos escaninhos da estranja, nomeadamente da
Europa; pensa dispor de capital para se impor por si e não colado ao aparelho;
não tem dificuldade em reconhecer erros da governação em que participou, quer na
era de Guterres, quer na era de Sócrates; tem ideias claras, embora nem sempre
tenha mostrado capacidade de as expressar; e não tem necessidade de enveredar
pelo lado do acinte, mesmo quando não alinha com o gáudio das duas vitórias
eleitorais consecutivas do seu partido.
Mas Costa também desilude. Não
desmontou a insinuação de que tem apoios por força de favorecimentos a partir
da gestão municipal lisboeta ou por negócios que favoreceu ou que potencialmente
poderá vir a favorecer; e não respondeu a Seguro sobre a alegada tendência da
fação que representa para a promiscuidade entre política e finanças, estado e
empresas. Por outro lado, a facilidade com que aceitou o esquema das primárias
para resolver a questão interna da liderança do PS. Terá mesmo declarado que
deixava para outrem as questões estatutárias e jurídicas. Só que ele não deixa
de ser jurista e em política não se renuncia a tributos pessoais, académicos e
profissionais. Quando muito renuncia-se ao exercício!
Há, entretanto, duas matérias em
que se deve questionar Costa: a primeira tem a ver com a reposição dos salários;
a segunda, com a estabilização das pensões.
Enquanto Seguro promete repor a
massa salarial dos trabalhadores na Administração Pública, Costa faz depender a
“reposição dos níveis salariais” de devida negociação no âmbito da concertação social.
Será que António Costa pensa que que foi nesse âmbito que foram impostos à
função pública os “transitórios” cortes salariais do tempo de Sócrates ou os transitoriamente
mais gravosos do tempo de Passos Coelho? Será por isso que remete para a
concertação social tal medida?
Concordo com António Costa que
seja necessário estabilizar as pensões. Mas em que sentido quer o putativo
futuro primeiro-ministro acelerar a já firmada convergência entre a caixa Geral
de Aposentações e o regime geral? Quando o entrevistador objetou que essa matéria
fora chumbada pelo Tribunal Constitucional, Costa retorquiu que o foi “para
efeitos retroativos”, mas não “relativamente ao futuro”. Quer dizer que não se pode
alterar o cálculo das pensões já em pagamento, mas pode trabalhar-se à vontade
com as pensões futuras de quem está a trabalhar, mesmo que desde antes de 1993.
Ou seja, os “lordes” podem continuar lordes e os proletários da Administração
Pública podem ser cada vez mais proletários. Nem Costa nem o entrevistador saberão
que a lei da convergência (para futuro) já está consumada através da Lei n.º
11/2014, de 6 de março. Se sabem, o que é que lhe querem acrescentar?
Mais: Não sabem eles que estão
desde há anos canceladas novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações, pelo
que os trabalhadores em funções públicas, que entraram ao serviço
posteriormente a essa decisão, já estão abrangidos pelo regime geral de segurança
social? Querem iludir quem?
Será que somente a “pensão
formada” é que tem direito a ser “pensão garantida”, podendo os descontos do trabalhador
ainda em funções ser objeto de fácil manipulação? A bondade de uma situação de que
resulte direito a pensão reside só no despacho já formulado e não enformará despacho
a formular?
Por isso, enquanto não me esclarecerem
sobre estas e outras matérias, terei dificuldade em optar por um partido que
governe em vez de desgovernar, que promova o bem-estar em vez de apostar na
perturbação continuada!
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