Dom Sancho II – Um Rei Ausente
É o tema da Viagem
Medieval de 2014, de 31 de julho a 10 de agosto, em Santa Maria da Feira.
Saudando esta iniciativa cultural, à semelhança de tantas outras que por aqui
se desenvolvem, apraz-me questionar o tema, tal como vem insinuado em epígrafe.
Com efeito, Sancho II assume, com
a idade de apenas 13 anos, a tarefa de governar um reino interdito e em
completo caos político e social. Daí, os primeiros atos governativos visarem o
apaziguamento de conflitos sociais anteriores, fazendo acordos com suas tias –
Teresa, Mafalda e Sancha – e com o arcebispo de Braga, Estêvão Soares da Silva
– como adiante se verá. Porém, o decurso do seu reinado será palco de contínuos
agravos e confrontos que opõem ricos-homens, membros da igreja e rei. A Santa
Sé repreende assiduamente o soberano, exigindo que respeite os direitos e
privilégios da Igreja, o qual, por sua vez, parece submeter-se. Mas as queixas
contra o monarca continuam, mudando apenas os atores. Contudo, retomou as
negociações iniciadas com o pai (que morrera excomungado e com o reino
interdito) para a reconciliação dos poderes real e eclesiástico, vindo a estabelecer-se
a concórdia em 10 artigos.
Considerado digno continuador do bisavô
Afonso Henriques, incentivando à Cruzada contra os infiéis em terras de Além
Tejo e Algarve, no entanto, o seu governo dá azo a que a situação geral se
agrave cada vez mais, atingindo o auge na década de quarenta: casamento com
Mécia Lopes de Haro contestado por todos, reino em perfeita anarquia e intrigas
do irmão Afonso junto do Papa – serão motivos determinantes para que o Concílio
de Lyon decida a sua deposição do governo e administração do reino, nomeando
para o efeito o irmão, Afonso, conde de Bolonha, como governador e regedor do
reino.
A 16 de agosto de 1234, Sancho II é excomungado pelo comité de
juízes pontifícios que lançara o Interdito em 1231, reunido em Cuidad Rodrigo. Era a consequência
natural da Bula Si quam
horribile do ano anterior. O cada vez mais omnipotente chanceler
de Sancho, Mestre Vicente, é enviado em missão à Cúria Pontifícia, conseguindo
assim minorar os efeitos da excomunhão sobre a autoridade do rei,
prolongando-lhe o reinado por mais algum tempo. Nestes termos, o mandado de deposição provoca reações
díspares que desencadeiam a guerra civil, marcada por inúmeras traições de
nobres e alcaides. Em apoio de Sancho II virá o infante Afonso, de Castela,
futuro Afonso X, que consegue travar o adversário, mas el-rei reconhece a proximidade
da derrota e decide exilar-se no reino vizinho.
Rei deposto, sem governo, amigo e
esposo atraiçoado (durante a reconquista, a esposa fora raptada com colaboração
dela mesma), será, em 3 janeiro de 1248, na presença de bem poucos, que Sancho II fará o seu último testamento
na cidade de Toledo, onde falece um dia depois.
***
O rei cognominado de O
Capelo (por usar um em criança
para encobrimento da sua condição de marreco), alternativamente conhecido como O Pio ou O
Piedoso, IV rei de Portugal, era filho do rei D. Afonso II de Portugal e de D. Urraca de Castela. Nasceu em Coimbra, a 8 de setembro de 1209. Viria a chefiar um reino que
atravessava uma profunda crise económica já sentida no tempo do avô, D. Sancho I, devido a uma série de fatores
conjunturais e locais, como as más colheitas e consequente subida de preços e
fome, ou a escassez dos frutos de pilhagens e saques a potências inimigas nos
últimos anos do seu reinado. Daí que, em 1210, Sancho I, com Vasco Mendes, tenha recorrido
à pilhagem da quintã de um dos seus próprios paisanos, Lourenço Fernandes da
Cunha, para enriquecer os cofres reais – ação replicada, no seguimento do
exemplo real. Foi nesse ano conturbado
que nasceu Sancho II, o qual, pelo menos durante os primeiros anos do reinado de
Afonso II, esteve sob a tutela dos vassalos Martim Fernandes de Riba de Vizela
e Estevainha Soares da Silva, casal nobre ligado por parentesco aos Sousas e aos
de Lanhoso. Martim fora alferes do rei em 1203, posição que manteria até à
morte deste (se não tivesse falecido em 1212), para ascender, com Afonso II, ao
mordomado, no ano em que este subia ao trono. Em 1213, através de doação feita
por Estevainha a um mosteiro, sabe-se que Sancho se encontrava doente. Provavelmente Sancho terá sido criado
em Coimbra e na região de
Entre Douro e Minho, e sua ama
terá sido Teresa, filha de Estevainha.
No verão de 1222, Afonso II já não confirma os
diplomas por sua mão, manifestação inequívoca de incapacidade, e Sancho, o
herdeiro, estava ainda a um ou dois anos da idade da róbora. E uma ameaça
permanente espreitava a sobrevivência independente do jovem reino português,
nas pessoas de Martim e Pedro Sanches, ambos revestidos de tenências de terras perto
das fronteiras portuguesas. Martim era filho bastardo de Sancho I e meio-mão de
Pedro Sanches e do rei Afonso II; Pedro era irmão mais novo do rei Afonso II. O
primeiro fizera investida militar contra Braga e Guimarães,
desbaratando a hoste real em 1220,
dando assim o exemplo para que, em junho de 1222, Afonso X de Leão tomasse o Castelo de Santo Estêvão de Chaves; o
segundo foi promovido ilimitadamente na corte leonesa quando da morte do irmão
Afonso II.
Sancho II é coroado na primavera
de 1223, tendo seu pai morrido excomungado por Honório III. Começava com o pé esquerdo, visto que era filho
de casamento que ia contra a lei canónica (que impedia o casamento por
parentesco até ao 7.º grau) – Afonso II e Urraca de Castela – e que era menor,
não tendo ainda atingido os catorze anos.
Argumenta-se que o facto de não
ter sido selecionado tutor para participar, assinando, dos documentos saídos da
chancelaria de Sancho II durante a sua menoridade e de não se observar a
ausência de ritual de passagem como a investidura na cavalaria que marca a
entrada de Afonso VIII na
posse real do reino de Leão,
viria a pesar a favor da deposição. Outro
argumento, utilizado por Honório III em
correspondência com o monarca, releva a idade tenra e primeira adolescência de
Sancho II e o papel corrutor dos conselheiros régios. Tornar-se-á um dispositivo
recorrente nos discursos sobre Sancho produzidos, muito para além dos primeiros
anos do seu reinado. Trata-se, porém, de artifícios que visam desculpabilizá-lo
ou simplesmente fazê-lo sobressair como fraco, incapaz de reinar e impotente. Fautor
da anarquia e do crescimento do poder da nobreza e das Ordens militares
religiosas, que o disputavam e exerciam muito conflituosamente, conseguiu,
mesmo assim, continuar o essencial da política paterna através das inquirições
sobre os bens das igrejas e reduzindo os privilégios eclesiásticos. Como é
óbvio, terá sido o clero secular a fomentar o ambiente para a destituição
régia.
Casou, em 1241, com D. Mécia
Lopez de Haro, que nasceu em data incerta, morrendo em Palência por volta de
1270, filha de Lopo Dias de Haro, por alcunha o Cabeça Brava, fidalgo da
Biscaia – casamento que não foi bem visto pela população (clérigos, nobres e
populares) e que foi utilizado contra Sancho pelo irmão mais novo. Não houve
sucessão.
A autoridade régia, reforçada no
reinado de Dom Afonso II, pela ação de colaboradores (nomeadamente legistas) que
mandou formar na Universidade de Bolonha, regrediu com o sucessor, incapaz de se
opor ao progressivo sistema senhorial nortenho. Apesar de tudo, os legistas na
Cúria permaneceram fiéis aos princípios do monarca falecido; e os clérigos
seculares, mormente os cónegos, apelavam para o poder real, mesmo quando
defendiam a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal. (cf
Saraiva, 1993; Labourdette, 2001).
Os conflitos
Teve conflitos
com as tias Teresa, Mafalda e Sancha. Herdeiras de largos feudos por testamento de seu
pai Sancho I (de 1188), tinham em Teresa, antiga rainha de Leão, a líder
incontestada, por assumir, tal como Berenguela, papel nuclear na política
peninsular. O testamento legava
os castelos de Alenquer, Viseu, Montenor, Guimarães e Sta. Maria a D. Dulce e filhas; e à filha maior, Teresa, o castelo de Montemor e
Cabanões, e à mais nova, Sancha, Bouças, Fão
e Vila do Conde – o que desagradou a Afonso II. Não obstante, o 2.º e
último testamento de Sancho reforça estas dotações, ficando Teresa com Montemor
e Esqueira; Sancha, com Alenquer; e Mafalda, com os mosteiros de Bouças e de
Arouca e da herdade de Seia, que fora da mãe.
Logo nos primeiros meses do seu
reinado, em 1223, Sancho acorda
com as tias a resolução da querela, dando-lhes o que Afonso II não lhes reconhecera, sobretudo os
castelos, contemplando também Branca, não incluída no testamento do avô, com
bens imóveis, e agora feita herdeira de Teresa na parcela de Montemor e
Esgueira. E soma à posse dos
castelos das infantas Teresa e Sancha a quantia de 4000 morabitinos anuais, a
pagar sobre os direitos de Torres Vedras, que entre si devem dividir.
Herda
também as dissensões que Sancho
I tivera com D. Martinho Rodrigues, Bispo do Porto,
por intervenção indevida nas fraturas da relação episcopal com a elite da
cidade e com os cónegos. Assim,
na primavera de 1210, Inocêncio III correspondia-se com o prelado, tratando as
graves opressões e enormes injúrias reais
perpetradas sobre ele e seus homens bem como sobre alguns cónegos fiéis.
Isto pelo facto de Martinho não ter aceitado a proposta de Sancho de promover a
entrada solene e processional de seu filho Afonso na cidade, em razão da
ilicitude do seu casamento com Urraca. A reação do soberano fora de enorme violência
formal ritualizada, nas palavras de Hermenegildo Fernandes (Cf Fernandes, 2006),
visto que foram destruídas as casas dos cónegos fiéis ao bispo, forçadas as
fechaduras das portas da igreja, invadido o espaço sagrado por excomungados,
sepultos os corpos mortos em lugar interdito e enclausurado o bispo com o deão
no paço episcopal durante cinco meses. Daí sairia o bispo, em fuga noturna para
Roma, evitando a composição que Sancho II o queria compelir a subscrever, mas
pondo em risco os seus bens, confiscados pelo porteiro régio para uso pessoal e
do rei.
Nos anos de 1226-28, a
hostilidade entre rei e bispo agudiza-se, visto que falhara a hipótese de
expansão para o interior (Elvas) e o rei se voltava para os centros urbanos e
portuários do litoral. Além de Braga, o Porto, por concessão de D. Teresa,
trisavó de Sancho II, era o único centro urbano com relevância no reino que não
tinha o rei por senhor. Enquanto se manteve, a situação provocou um prolongado
conflito entre os cidadãos e o bispo, estando em causa a jurisdição do Porto e
algumas rendas e direitos do bispo na diocese. Ao ignorar a doação feita pela
trisavó, o rei procurava apropriar-se do senhorio e aumentar o domínio real,
ampliando a massa coletável, estando em jogo o controlo dos benefícios
eclesiásticos e o incumprimento da doação das dízimas por D. Afonso II às
Igrejas.
Um dos mais poderosos
metropolitas da Hispânia Ocidental, D. Estêvão Soares da
Silva (irmão de Estevainha), arcebispo de Braga, teve graves conflitos com a
Coroa, que remontam ao ano de 1219. Em
agosto de 1220, Afonso II promove, no território arquiepiscopal, a primeira das
inquirições que o século de 1200 verá, atingindo o arcebispo no coração da sua
área de influência. O processo
visava robustecer os direitos reais, sobretudo no norte do domínio bracarense,
segmento do reino que Afonso não controlava e que há dois séculos era palco de
processo senhorializador, usufruindo
de benefícios e isenções fiscais. Assiste-se então a violenta disputa, com a
destruição dos bens da Mitra pelos cavaleiros de Coimbra e Guimarães, vassalos
do rei, que forçará o arcebispo metropolita ao exílio, lançando o rei na
excomunhão e o reino em interdito. O
Papa Honório III pede ajuda ao rei de Leão, Afonso IX, depois de enviar
missivas a prelados leoneses e castelhanos, para conseguir apoio a Estêvão. A
lisonja papal em referências ao soberano de Leão serve altos desígnios
políticos, deixando a pairar a legitimidade e a promessa de silêncio cúmplice
de Honório, no caso de incursão leonesa em território português, tornando-o
vulnerável a conquistas de outros reis católicos. Sancho conseguiu fazer a paz
com Estêvão por acordo assinado em mês incerto de 1223.
E D.
Soeiro Viegas, Bispo de Lisboa,
um dos principais responsáveis pelo cerco de Alcácer do Sal, tinha contenda com
Afonso II pelas seguintes razões: apropriação do direito de padroado, que lhe
permitia colocar nos benefícios eclesiásticos pessoas de sua clientela;
proibição de o bispo construir mosteiros, igrejas e capelas, para evitar a
proliferação de instituições que escapassem ao direito de padroado; desprezo
pela autoridade da Igreja para ministrar sacramentos, ignorando as excomunhões
proferidas e intervindo diretamente junto dos habitantes de Santarém, outra
grande cidade do bispado, para que não se fizessem absolver; violação das
imunidades eclesiásticas, obrigando os clérigos a pagar direitos (vacas,
porcos, carneiros), ignorando o foro judicial e eclesiástico, coagindo-os ao
serviço militar, de hoste e fossado, aos encargos de manutenção das torres,
muralhas e guarda delas, assaltando-lhes as casas, sob o pretexto de procurar
aí mulheres, barregãs, costume interdito pela ordenação régia; e, por último,
acusando o rei de ignorar as determinações do IV Concílio de Latrão, que segregava social e fisicamente os
judeus, que os monarcas Afonso II e Sancho II continuavam a privilegiar,
protegendo-os na prática do uso dos sinais distintivos e do interdito de os
cristãos comerciarem com eles, fazendo perseguição ao bispo, a quem negava a
dízima, preferindo os judeus aos cristãos nos ofícios régios e utilizando serviços
de judeus e mouros como autores materiais dos ataques à Igreja.
Dois anos antes, em março de 1222,
Honório III escrevera aos priores dos dominicanos, franciscanos e da Ordem de
Santiago, na diocese de Lisboa, dando-lhes plenos poderes para usarem de sua
discrição e entendimento para pôr cobro aos abusos do bispo. As acusações às quais o papa dera
inteiro crédito eram referentes ao facto de o bispo e os prelados das igrejas
incorrerem em práticas de extorsão, recusando ministrar os sacramentos a quem
não lhes deixasse em testamento a terça ou determinada parte dos bens. Havia
assim um conflito aberto entre a oligarquia urbana e o bispo que permitia ou
pelo menos potenciava os ataques que vinha sofrendo da parte do rei. O
prolongamento deste conflito resultará no lançamento do Interdito sobre o reino
português no ano de 1231 por um grupo de juízes da Sé apostólica. Também, quando
as paróquias vagavam por morte do prior, o rei entregava-as a laicos inúteis e
estranhos, que não queriam receber ordens do presbítero, ficando aquém das
imposições canónicas.
Segundo H. Fernandes (cf
Fernandes, 2006), punha-se
em causa o sistema clientelar, estando o direito de apresentar os clérigos no
centro da distribuição de benesses em que este se apoiava, neste caso vendo-se
a pressão do rei não como incidindo diretamente sobre os rendimentos das
igrejas, mas sobre o direito de dispor deles a favor dos seus homens em detrimento
do bispo.
A reconquista
Embora Sancho II não fosse um
capaz chefe militar nem tenha participado ativamente nas conquistas que se
deram no Alentejo, ao longo do Guadiana, a partir de 1230, não se pode inferir que
o castelo de Elvas fora tomado “pela graça do Salvador”, isto é, sem a intervenção do rei. O mesmo
se deve dizer de outras operações militares, como, por exemplo, a de Beja. O êxito do cerco de Alcácer do
Sal, no tempo do antecessor, e a deferência papal asseguraram a reconquista
levada a cabo por Sancho II entre 1226 e 1239. Com efeito, a Santa Sé,
desiludida com as cruzadas do Oriente, revelava um progressivo interesse pela
reconquista cristã da Península Ibérica, que assimilara a Cruzada. Assim, o Papa Gregório IX concede, em 1232, a
Sancho o não ser excomungado sem mandado papal, desde que persista na guerra
contra os sarracenos, não podendo, portanto, nenhum dos bispos excluí-lo da
comunidade cristã. Estas absolvições
continuaram, verificando-se em junho de 1233 uma delas por violências cometidas
por Sancho sobre clérigos “com a sua mão e com um bastão”. Não obstante, em
1234, o Papa, pela bula Cupientes
Christicolas, concedia 4 anos de indulgências a quem aconselhasse o rei na
luta contra os infiéis – estatuto de Cruzada, confirmado em 1241 (cf
Labourdette, 2001).
Certo é que várias cidades no Algarve e no Alentejo foram conquistadas
durante o seu reinado. Embora este trabalho fosse protagonizado pelas Ordens
Militares, como a de Santiago – que
recebeu em paga dos serviços prestados diversas povoações, como Aljustrel, Sesimbra, Aljafar, Mértola (1240), Ayamonte,
Cacela e Tavira (1242) – nem por isso se pode atribuir ao rei o estatuto de
ausente. Se bem que o facto que pôs Sancho cada vez mais dependente das Ordens
Militares, também as fez corresponder ao desígnio real de povoamento e fundação
de fortalezas nas regiões desertas – outra missão pontifícia – doando-lhes
terras e castelos à medida que vão conquistando, nomeadamente Serpa e Moura. Quando
da sua deposição, em 1245, só faltava tomar a parte ocidental do Algarve, o que
veio a consumar-se com o sucessor.
A guerra Civil, a
deposição e a morte
O isolamento político de Sancho começa em 1232,
com o reino em graves conturbações internas; Afonso de Castela entra nesse ano
pelo Norte do reino em defesa do rei; e resigna, em Roma, o bispo de Coimbra,
Pedro, aliado de Sancho.
O Bolonhês denuncia, em 1245, o casamento de Sancho e
Mécia. E a Bula papal Inter alia desiderabilia prepara a
deposição de facto do monarca. O papado, por dois Breves, leva
o Conde a partir para a Terra Santa em Cruzada e a estar, depois, na Hispânia,
fazendo aí guerra ao Islão. A 24 de julho, a Bula Grandi non immerito depõe
Sancho II do governo do reino, tornando-se Afonso o regente. Os fidalgos
levantam-se contra Sancho, e Afonso cede às pretensões do clero no Juramento de Paris, assembleia de
prelados e nobres portugueses, jurando que guardaria todos os privilégios,
foros e costumes de municípios, cavaleiros, peões, religiosos e clérigos
seculares. Abdicou das suas terras francesas e marchou sobre Portugal.
Em 1246, Afonso segura Santarém, Alenquer,
Torres Novas, Tomar, Alcobaça e Leiria; Sancho fortifica-se em Coimbra. Covilhã
e Guarda ficam nas mãos de Afonso. Sancho procura a intervenção castelhana,
depois da conquista de Jaén. Assim, o infante Afonso de Castela entra em
Portugal por Riba-Coa a 20 de dezembro, tomando Covilhã e Guarda e devastando o
termo de Leiria, derrotando, a 13 de janeiro de 1247, o exército do Conde.
Apesar de não ter perdido nenhuma destas batalhas, o Castelhano decide
abandonar a empresa, levando consigo para Castela El-Rei, dado o aumento da
pressão da Santa Sé. Embora o Minho continue com partidários de Sancho II e
fiquem no terreno as guarnições castelhanas no castelo de Arnoia (seu grande
apoiante e anticlerical), o caso está perdido. Dom Sancho II redige o seu último
testamento enquanto exilado em Toledo a 3 de Janeiro de 1248, e morre a 4 desse
mês. Julga-se que seus restos mortais repousam na catedral de Toledo. Afonso
III declara-se Rei de Portugal, somente após a morte do seu irmão mais
velho.
Concluindo
Na medida em que os conflitos com
o clero ocorrem a uma escala maior que a do reino, eles demonstram uma linha de
oposição entre o modelo de sociedade teocrática, como o papado desde Gregório
VII o vinha propondo, e um outro, menos definido, mas que tem o poder dos
príncipes como centro e que a recuperação do legado romano virá contribuir para
unificar em torno de bases ideológicas mais sólidas. Conflitos entre rei e bispos, destes
com os seus cabidos, intervenções papais – tudo parece convergir num ponto onde
os interesses casuísticos dos grupos se encontram com processos de longa
duração que afetam a organização social urbana.
Nos vestígios da chancelaria de
Sancho II há grande número de lacunas, por vezes extensas, por exemplo de 1229
a 1235, o que Fernandes julga fruto de provável destruição de documentação pelo
irmão e futuro rei Afonso III. Até
1236, o Mestre Vicente é chanceler do rei, maestro da política régia, detendo assim importante cargo. De
1236 em diante, Sancho traz frequentemente os seus físicos na Corte, sinal de que já se encontrava doente.
As pilhagens a partir de 1236 são protagonizadas por bandos de fidalgos com os
seus homens.
José Mattoso aponta, na Crise de
1245, a crescente agitação social, justificada pelo crescimento demográfico
desequilibrado em relação à expansão territorial, e um desequilíbrio
conjuntural impulsionador de um banditismo generalizado, praticado por
marginais e não só, havendo também acesas lutas entre alguns nobres e o clero.
Longe de aparecer, como consta da
bula respetiva, como rei fraco ou rex
inutilis, em diversas alturas do seu reinado, Sancho mostra braço de ferro a
tomar posições difíceis, como retaliações sobre os não-cooperantes, ofensiva
sobre os bens e benefícios eclesiásticos e teste constante da fidelidade que
havia ao monarca, etc. – seguindo um pouco a veia do pai, considerado o falcão.
Referências:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_II_de_Portugal,
ac. agosto de 2014; Fernandes, Hermenegildo (2006). D. Sancho II: Tragédia. Lisboa:
Círculo de Leitores; Labourdette,
Jean-François (2001). História de
Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote Lda; Mattoso, José (2009). Naquele Tempo – Ensaios de História Medieval.
Lisboa: Círculo de Leitores; Saraiva,
José Hermano (1993). História de Portugal.
Mem Martins: Publicações Europa-América; Serrão, Joaquim Veríssimo (1978). História de Portugal, Volume I: Estado, Pátria e Nação (1080-1415).
2.ª ed. Lisboa: Verbo.
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