domingo, 3 de agosto de 2014

Mário – episódios das lutas civis portuguesas de 1820 a 1834

 – O livro que o beirão não pode ignorar –  
Sobre o romance histórico
O ultrarromântico Pinheiro Chagas revolta-se, na introdução à sua A joia do Vice-Rei (1888), contra a associação entre romance histórico e romance de aventuras à Dumas ou à Verne: “Mas quem os manda estudar ciência nos romances de Júlio Verne e quem os manda estudar história nos romances de Alexandre Dumas?” Ao fazer eco das preocupações literárias, cultoras do rigor positivista e cientista, defende que “a ideia de tomar a história como fundo de uma narrativa e de entregar, depois, à imaginação o cuidado de desenhar as cenas tinha inconvenientes tão graves, enlaçava de tal forma a mentira com a verdade que a nossa época ansiosa de exatidão começou a censurar esse adultério [...]”. Embora rendesse tributo ao génio do encantador Dumas, logo, advertia que a sua obra, romantizada e não dramatizada, não se coadunava com a genuinidade das fontes. Essa tensão epidérmica contrasta tanto com o momento literário romântico do Portugal das lutas liberais (culto do amor em tempo de guerra) como com o do Portugal finissecular, não preparado para o simbolismo, antipositivista e antinaturalista, mas que vai aplaudindo esses afrescos de história narrativa, dramática e de expressão artística com que Oliveira Martins vergasta o Portugal Contemporâneo (1881). Algo de contraditório perpassa na advertência de Chagas. O labor historiográfico, como o entendera o austero Alexandre Herculano, não transigia com as concessões à efabulação, mas a história, espelho da vida, permitira-lhe recriar, nas páginas de O Panorama, novelas históricas que viriam a marcar o imaginário coletivo sobre o Portugal do pretérito e a dar à estampa narrativas históricas ou crónicas-poema: Eurico, o Presbítero; O Monge de Cister; O Bobo; e Lendas e Narrativas
O filão, recebido de Walter Scott, leva a que, nas décadas seguintes, uma série de historiadores de género domine a cena editorial portuguesa. De Rebelo da Silva, com Ódio velho não cansa (1848), a Andrade Corvo, com Um ano na corte (1850-51) – romance de intriga no ano da deposição de D. Afonso VI e do afastamento do valido Castelo Melhor –, do aclamadíssimo e sempre reeditado Mário (1868), de Silva Gaio – novela que pretende debuxar os ódios insanáveis que dilaceraram Portugal durante a guerra civil –, Teixeira de Vasconcelos, com O Conde de Castelo Melhor (1878) e O Prato de Arroz Doce (1862) – o quotidiano de uma família portuense durante a Patuleia – e com Arnaldo Gama, o próprio Pinheiro Chagas, Alberto Pimentel, Bernardino Pinheiro, António Francisco Barata, Alberto de Castro... um infindável rol de textos plenos de curiosidade pelo passado domina o gosto do vasto público.
O interesse pelo “tempo morto” – traço definidor caraterizado por Unamuno, ao definir o país como “hermosamente triste y tristemente hermoso” – será justificado pela conturbada vida coletiva da nação hesitante ante a soleira da contemporaneidade. O passado ausente-presente – evocado nas contendas políticas, literárias, religiosas, tão patente aos olhos desencantados da nossa intelligentsia, a memória efémera e fugaz que povoava os devaneios de uma epopeia frustracionalmente acabada, de um império residual e testemunhal, de desastres e tragédias marítimas e de uma regeneração inconclusa e infrutífera – emprestou ao nacionalismo lusitano um travo agridoce que nem as propaladas façanhas de Mouzinho, de Alves Roçadas e da prometida República conseguiriam mascarar.
É do conhecimento geral que o romantismo – literatura nova de caráter nacional e popular – vem associado às lutas civis entre miguelistas e liberais. Até 1837, da nova corrente, inspirada em Scoth e Byron, quase só se manifestaram tentativas isoladas, tendo aumentado o número dos adeptos somente no período mais agudo das lutas liberais. Entre as revistas e jornais que todos liam com entusiasmo, figura, embora tardiamente, o Comércio de Coimbra, fundado por Silva Gaio. Entre os anos de 1865 e 1879, o romantismo de Garrett, Herculano e Castilho mudou as caraterísticas preambulares e iniciáticas. A Questão Coimbrã e as Conferências do Casino puseram términus ao primeiro momento romântico com a introdução da estética realista. 

Acerca do Mário – episódios das lutas civis portuguesas de 1820 a 1834: o contexto
Informa Silva Gaio: “De feito, o Reino jazia sob o arbítrio de um governo intolerante, que tinha achado um chefe ostensivo no infante D. Miguel e um, real, na coorte que cercava a Senhora D. Carlota Joaquina” (cap. III). A rainha representava o cinzentismo conservador que há muito havia sido democratizado nas monarquias do Norte da Europa, onde fome, desemprego, trabalho infantil, subordinação das mulheres e iliteracia se haviam esfumado para dar lugar a sociedades assentes em pilares humanizados, em que os reis tinham pouco mais que o papel de representação do Estado: o rei, a bandeira e o hino. Ao povo, entretanto, era dada a palavra.
Por cá, teimosamente de costas voltadas para o futuro, “mantinham-se as vexações antigas e mandavam-se para a forca, para o exílio ou para a cadeia todos os que acatavam o juramento à Carta Constitucional, que o infante também jurara. Reinavam os capitães-mores, os dízimos e toda a espécie de alcavalas, os frades tribunos, o populacho com a sua espantosa ignorância, os fidalgos com a sua bazófia, o conde de Basto com a sua crueza, a corte com as touradas, os delatores com a sua infâmia e as milícias com a sua memoranda oficialidade”.
É este o contexto do livro em dois volumes com extensão de romance, mas com o intrincado de novela romântica, que pretende debuxar os ódios insanáveis que dilaceraram Portugal durante a guerra civil que contrapôs liberais e absolutistas. Advém ela na sequência do Romantismo, inaugurado com Garrett e Herculano, elegendo o seu autor, como seus exemplos máximos na escrita histórica e no romance, Herculano, o historiador e romancista, e Camilo, romancista passional e de costumes , os quais, na soma das suas vidas, assistiram àquele ambiente de ebulição revolucionária (1810-1890). 

Acerca do Mário – episódios das lutas civis portuguesas de 1820 a 1834: as personagens
Em Mário – Episódios das Lutas Civis Portuguesas (1868), o novelista apresenta-nos bem definidas as personagens que importa do miguelismo: Jorge Pinto, freire da Ordem de Malta, de 45 anos – estatura alta e vigorosa, rosto severo e frio, fronte inteligente e arrogante – é figura asquerosa e sem consciência, embora esperta e ladina – o que nos remete para o lado crítico-satírico. Rumo aos mais torpes objetivos, deita mão a tudo o que pode: roubo, incêndio, calúnia e chantagem. Seus métodos tirânicos são comparáveis aos de personagens de Máximo Gorki [1868-1936] ou de polícias nazis de Virghil Gheorghiu [1916-1992]. Encarna o poder absoluto e discricionário, o arbítrio despótico e sem razão, típico dos miguelistas, para quem o povo era “uma classe de servos”. Assim, o “gentil cavaleiro de Malta”, de alma “fria e desdenhosa, quase indiferente ao perigo, a crueza implacável, que nem dobram lágrimas, nem receios”, apaixona-se pela sobrinha do vigário de S. Romão. Surgem também ministros e políticos sem caráter, como: o 1.º Conde de Basto, José António de Oliveira Leite de Barros [1749-1833], de 68 anos de idade, “um velho decrépito, ignorante e cruel”, com o cargo de ministro da Marinha, outorgado, por D. Miguel a 12-01-1829; e o brigadeiro Joaquim Teles Jordão [Guarda, 1777 – Cacilhas, 1833], precocemente velho e encolhido, que, tendo sido um dos militares responsáveis pelo movimento liberal de 24 de agosto de 1829, se revela partidário do miguelismo exacerbado e notável pela crueza com que exerce o cargo de governador do Forte de S. Julião da Barra, onde foram encarcerados muitos liberais.
Do lado liberal, temos logo o capitão mor João de Melo, parente de Jorge Pinto, mas seu rival e familiar de Mário que vem de Espanha, com o pai, Fernão Guedes – e primo do primeiro –, visitá-lo à socapa. Fernão, pai de Mário, é jogador compulsivo arruinado. Mário, bom rapaz, valente, brioso, cheio de orgulho e vaidade, cai como morto na perseguição por Jorge Pinto e, transportado pelo pai, é socorrido pelo padre e por Teresa. Jovem alto, de 23 anos, barba inteira castanho-escura, tez pálida, rosto expressivo, alumiado de brilhantes olhos, fronte larga e alta, feições bem caraterizadas e vivas, trocara cedo a ‘perfumada atmosfera da riqueza’ pela carreira militar, levada a sério por quem quer cumprir todos os deveres, como tenente da arma da cavalaria, cedo tendo-se indignado com o absolutismo da rainha-mãe e do filho D. Miguel. Teresa e Mário apaixonaram-se e no enlevo de ambos, Silva Gaio questiona-se: ‘que pena poderia descrevê-los’? A alma de Mário virá, enérgica e forte, a ergueu-se, resistente e tenaz, contra o peso que queria esmagá-la – qual liberal com um labarum de esperança contra absolutistas, quanto mais poderosos mais caducos.
Depois, vêm ainda outras personagens liberais. O padre Maurício (que fora deputado na Constituinte pela prática de uma Igreja mais apostólica e solidária), reitor de S. Romão, homem de excelente simpatia, um velho alto de sessenta e quatro anos, de “rosto magro, e pálido, faria lembrar as figuras ascéticas dos painéis religiosos”. Parece irmão gémeo de tantos outros sacerdotes que nos surgem de bom caráter e excelente integridade que os romancistas do século XIX descobriram, como o Pároco da Aldeia (em Herculano), o Senhor Reitor (de Júlio Dinis), o Padre João (de Camilo) e o Padre Vigário (de Rebelo da Silva). Maurício encarnava a caridade evangélica, a religião e todos os atos de compaixão pregados por Jesus Cristo. Leonor, irmã do padre e dois anos mais velha, queria ver nos homens o seu irmão, com todas as suas qualidades piedosas e de boa vontade – os homens e os padres, pois distinguia sempre uns dos outros. Paulo – médico, pai de Teresa –, sobrinho do vigário, alto, com aspeto militar, bigode farto, feições magras e pálidas, olhos grandes e negros e de uma vivacidade desmentida “pelo andar tardo e mal seguro”. E Teresa – filha de Paulo, sobrinha-neta do padre Maurício e sobrinha do abade Fernando Garcia, um dos assassinos dos lentes em Condeixa, com Mário, perseguido, caluniado, condenado ao exílio em África e combatente no cerco do Porto… – areja o texto romântico com a sua mocidade, amor e heroísmo, rapariga de quinze anos, de graciosa figura, alta e elegante – uma verdadeira figura ticiana. Será o símbolo da abnegação e da grandeza, na humildade. Ama incondicionalmente Mário e repele em absoluto Jorge Pinto.
Fernando Garcia, bom e mau consoante as circunstâncias, considera-se o enjeitado a quem deixaram alguma riqueza, para poder perdoar a tristeza a que o votaram. Vivera com o padrinho, “cujos folares eram só puxões de orelhas quotidianos”. Recolhera-se num moinho, em convivência com o moleiro, pois era um dos estudantes que foram a Condeixa esperar os lentes, condenado à forca, pois, ao voltar do estrangeiro, para onde havia ido como prófugo, integrava a expedição liberal desembarcada no Mindelo, chegando a ser condecorado por comportamento em combate. Nesta figura reportada a Francisco Sedano, inspirou-se Silva Gaio na construção desta personagem, responsável pelas cenas mais cómicas do livro.
Finalmente, temos a figura de Tadeu, “o símbolo do povo embrutecido pela escravidão e pela ignorância” – retrato recorrente na época – mas que pode ser grande, “se o alumiam a instrução e a moralidade, a crença e a caridade”. Grato, fica sempre ao lado de Mário, lá para as margens do Cuanza, em Angola, admirado com a invulgar bondade de um branco para com um negro, como ele, para mais vendido a negros como um escravo, como lhe havia sucedido, longe de casa. É Tadeu quem prepara a fuga de Mário daquela prisão desumana.

A estética romântica
À boa maneira romântica, frente à problemática social, militar e política, sobressai o culto do “ego”, que decorre da oposição óbvia ao objetivismo absorvente e da sujeição às regras escravizantes dos neoclássicos: o espírito individualista e a acérrima exaltação da própria personalidade. Ante as lutas político militares e as tremendas e demoradas consequências, de quanto já advinha das Invasões Francesas e da partida da Família Real para o Brasil, da Independências daquela colónia e do regresso ao Reino de D. João VI e de Carlota Joaquina, do confronto entre partidários de D. Pedro e os de D. Miguel e da Ditadura que se lhe seguiu – o “eu” torna-se o grande, o máximo ente a ter em conta. O exterior terá a existência de contexto, ou seja, a realidade que nele projetar a inteligência e a imaginação da pessoa que o analisa, lê e vê. A ânsia de liberdade, almejada já pelos pré-românticos, constitui o brado consistente contra as políticas despóticas e a insuficiência de forças do braço popular. Do nítido individualismo do romântico brota o desejo desmedido de quebrar os elos que acorrentavam à coletividade Silva Gaio e tantos outros letrados. Daí, a liberdade de manifestação dos sentimentos e instintos: a liberdade política, moral e de sentimentos. A juntar a tudo isto, o espírito idealista, na crença de um palco de vida superior que a razão não consegue definir e que o deixa no mundo do sonho. E ainda o choque com a realidade: os castelos que os românticos levantam são de areia, e quando baixam à terra, não veem mais esse mundo acastelado.
Enfim, todos se “evadem no tempo e no espaço, refugiam-se no sonho e no fantástico, na orgia e na dissipação”. Veja-se o caso da luta interior que se coloca em Fernão Guedes, – quando, prestes a partir para Viseu e fugir para a fronteira, já sem o filho –, se há ou não de furtar o cordão e o retrato emoldurado de diamantes, da casa do Padre Maurício, para jogar as valiosas pedras na Alemanha, onde julga poder ganhar e devolver tudo, a todos e ao filho que antes já espoliara de bens. O triste do padre haveria de pensar: “Por bem fazer, mal haver” – o que reflete a lógica emergente da situação política que se gerava no País.
Tinha, pois, o partido miguelista, por agentes, no encalço dos liberais, muitas das suas sombrias autoridades; por comparsa desta política amarga e extemporânea, desadequada dos tempos que na Europa se iam apagando de cena… deste drama… a plebe por elas sublevada; por demagogos mentirosos e empalados, muitos padres que do púlpito repisavam os desaforos; por argumento as prisões e o exílio; e, por vezes e em conclusão, a forca.
O Partido Liberal fazia representar-se por mulheres de luto, com filhos órfãos ou separados dos seus pais e casas completamente arruinadas e empobrecidas. O que nele havia de válido “jazia entre ferros, estava exilado ou escondido”. 
Em Mário, Silva Gaio apresenta o texto, com um pano de fundo interessante e agitado: 1820-1834. Mas os recuos que são ainda numerosos e representativos de movimentos-chave são feitos, de forma exaltada, com recurso a alusões aos factos históricos já enunciados e preocupação com a sua verosimilhança.

O apego telúrico e a mudança
 À margem das perturbações políticas, o narrador prossegue na descrição paradisíaca dos lugares da Beira e do aproveitamento da força da natureza para movimentar a economia da região. É assim que abre a seu livro em ambos os volumes:
Conheceis a Beira Alta?
É uma fértil província, portuguesa de lei, que vê, a leste, a serra da Estrela com as suas neves; a oeste, o Caramulo com a sua tristeza; ao sul, o Buçaco de gloriosa memória e de mística tradição.
É acidentado o solo, sucedendo-se às pequenas ondulações do terreno as colinas, os cerros e os montes, separados uns dos outros por quebradas e valeiros, onde sussurram as águas, caídas das alturas. As cumeadas ou são vestidas de urzes e de ásperos tojos, ou são toucadas com a rama verde-negra dos pinheiros. Mas tão rica de seiva é toda a terra que, nos lugares em que o machado desbastou o pinhal, vedes logo aparecer a leira verdejante, que irá escorregando pela encosta, até se casar com a farta cultura dos vales.
Aos soutos de castanheiros de carcomido tronco, e aos pinhais e carvalhedos, segue-se, aqui, o rico plaino animado pelo ribeiro e pelo moinho ruidoso; ali, a vinha a espreguiçar-se na encosta; mais acima, e longe e perto, a oliveira.
São tristes as aldeias, porque o granito beirão, mal desbastando e enegrecido, lhes dá a cor do luto; e como elas, e como a oliveira, é triste o aspecto do país. Não há as amplas planuras, em que a vista se deleita e se namora; nem os meandros da lisa corrente a luzir, em longa fita, por entre as folhas dos salgueirais; nem o alvejar de muita casa branca, no pendor das colinas; nem a laranjeira odorosa, enfileirada em pomares extensos, que, fora do Vale de Besteiros, somente a encontrareis como benéfico atavio da casa do lavrador!
Mas na altura, no lugar vistoso, aparecer-vos-á bem caiada a capela ou a igreja, meia escondida detrás das folhas de castanheiros, de carvalhos e de oliveiras. São a devota alegria das povoações vizinhas; são a respeitada causa de festas e romagens, onde o povo troca por sincera alegria o ar sério e grave, que lhe é habitual.
Na Beira vereis a infância dos processos agrícolas; o homem a suar trabalhos, a mulher a lidar no campo, e até as crianças empregadas no duro serviço, que só é devido aos braços. Mas ao cair do dia, vê-los-eis alegres e cantantes, apesar da fadiga de tantas horas. Descobrir-se-ão diante de vós, e ouvi-los-eis a dizerem «guarde-o Deus» ou «Deus o salve»!
Da torre da próxima igreja descerá o toque da ave-maria, como bênção da tarde, que vem de cima; e enquanto vão caminhando, silenciosos e recolhidos na breve oração, só ouvireis as campainhas dos gados, que se recolhem ao redil.
E em tudo vereis a crença e a força; o trabalho e a paz, e esta sã virilidade dos povos lavradores, que é o eterno louvor da natureza!
Caminhai para leste, vinde comigo. Na falda dessa Estrela, desse velho Hermínio, vereis unidas a agricultura e a indústria: que dos alcantis da montanha lhes corre a água em torrentes, para em baixo ser transformada em motor económico.
Dizeis-me que estamos em dezembro de 1828; que tudo agora ali está velado por farto lençol de neve; que atravessa o corpo o frígido vento, que de lá sopra; que toda aquela parte da Beira é como um corpo morto e amortalhado.
Vinde, porém, assim mesmo. A hospitalidade é lá generosa e franca, e na lareira das asas crepitam os cavacos e ramos secos.
Daquela altura parecer-vos-á planície, este imenso espaço até ao Caramulo.
Levar-vos-ei ao presbitério de S. Romão: quereis vir?
***
A nova terra, na sua grandeza a perder de vista, mostra-se bela e variada: “aos plainos arenosos, vivificados em muitas partes por zigofiláceas com grandes flores cor de ouro, sucediam porções de terreno pantanoso, aqui e além, para, mais adiante, serem substituídas por longos espaços cobertos de capim ou de eufórbios arborescentes, em bosques limitados, ou de acácias pouco viçosas. Como agigantadas sentinelas, num e noutro ponto, adansónias solitárias”.
Mas não podemos esquecer, como nunca o fez Silva Gaio, que Portugal vivia numa situação de total bloqueio que impunha uma rápida mudança. No Porto, ecoou o grito de revolta contra o absolutismo. O movimento passou a dispor de apoio militar, pontificado pelo coronel Bernardo de Sepúlveda, secundado por outros chefes de guarnição ativos e empenhados.
Se pretendiam, acima de tudo, o regresso do rei, ele aí estava, no Tejo, às portas da capital, a 3 de julho de 1821, após ter jurado no Brasil a Constituição, a instâncias de seu filho D. Pedro.

Referências
Barreiros, J. (1982).História da Literatura Portuguesa. Vol. II. Séc. XIX-XX. Braga: Livraria Editora Pax L.da
Braga, T. (1986). História da Literatura Portuguesa. Vol. V e VI. Mem Martins: Publicações Europa-América
http://books.google.pt/books?id=aNk-AAAAIAAJ&pg=PA9&hl=pt-PT&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false ac agosto 2014
Lisboa, E. (coord.) – Instituto Português do Livro e da Leitura (1990). Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. Vol. II. Mem Martins: Publicações Europa-América
Marques, F. (1990). Introdução a António da Silva Gaio, Mário, Vol. I, ed. dir. António Reis. Lisboa: Alfa, Testemunhos Contemporâneos
Pereira, J. (1998). A obra e a ação literária de Manuel da Silva Gaio. Coimbra: Escola do poeta Manuel da Silva Gaio
Ribeiro, T. (1917). Esboço Biográfico, in Mário. 4.ª ed.. Porto: Companhia Portuguesa Editora

Silva Gaio, A. (1868) Mário episódios das lutas civis portuguesas de 1820 a 1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda

Sem comentários:

Enviar um comentário