A agência Ecclesia, citando a Rádio Vaticano, em 25 de agosto fazia eco das
palavras do representante diplomático da Santa Sé em
Damasco, D. Mario Zenari, que lamentou o “esquecimento” da comunidade
internacional perante a tragédia provocada pela guerra na Síria.
“Infelizmente, os
holofotes sobre a Síria foram desligados, a Síria desapareceu do radar da
comunidade internacional, já não é notícia” – desabafava o núncio apostólico na
Síria aos microfones da rádio da Santa Sé.
Em consonância com os dados divulgados pela Alta Comissária da ONU
para os Direitos Humanos, a sublinhar que os mais de três anos de conflito naquele
território provocaram 191 mil mortes, D. Mario Zenari declara que “todos os
dias há uma média de 180 mortes, na Síria” – “número que não deveria deixar
ninguém tranquilo”. Verifica, no entanto, com amargura, que infelizmente “a
Síria caiu no esquecimento”.
***
O caso faz-me lembrar este fenómeno
observado popularmente: os pardais aninhados em torre de igreja, às primeiras vezes
que ouvem o toque dos sinos, ficam cheios de temor e espanto e deitam a fugir; porém,
com a habituação, os sinos bem podem soar e ressoar, que os pardais lá
continuam no seu posto a gozar do conforto, segurança e índole altaneira da
torre. Conseguiram sítio para abrigo, dificilmente o caçador os atinge e dali podem
mirar melhor as oportunidades de apresamento de insetos e culturas na imensidão
dos ares e na vastidão dos campos. Tanto assim que o povo sabe que o primeiro
milho é dos pardais. Na torre, em que o toque de sino passa a funcionar como
celestial música, nada os aflige, a não ser algum raio ou terramoto; no campo,
a única forma de os afugentar parece que são os espantalhos, talvez por lhes
lembrarem figurações humanas.
Alguns padres espirituais
assemelham ao comportamento dos pardais de torre a reação dos cristãos à
pregação: muito comovidos, a princípio, muito habituados, a seguir. Algo se diz
dos “missionários”, os das missões populares em vilas e cidades de cristianismo
morno: colhem de imediato os frutos dos primeiros fervores, a que muitas vezes
pouco mais se segue de significativo. E os clérigos que, tal como as tropas de quadrícula
que aguentam estoica e organizadamente a luta no terreno, por ali mourejam no
quotidiano, epidermicamente sem resultados, sentem o seu labor subvalorizado, quando
não totalmente ignorado. É assim a vida: uns semeiam, outros colhem.
***
Votando aos esquecimentos da
comunidade internacional, há que referir a multitude de casos olvidados. Quem se
lembra da Somália, do Zaire, do Burundi, do Uganda, da Etiópia? Não se
esqueceram já as tropelias da União Soviética e a crassa violação dos direitos
humanos na China, a quem o Governo da República Portuguesa e o Governo de Sua
Majestade Britânica, entregaram pacificamente os Estados de Macau e de Hong-Kong,
respetivamente, não sem que previamente se tenha procedido a investimentos
avultados em cada um desses Estados, aos quais as autoridades chinesas
prometeram um estatuto político-administrativo especial, garantia ora olvidada?
Se não fora o Papa Francisco nos
últimos dias, quem recordaria o sofrimento por que passam os cidadãos
norte-coreanos, obrigados que são a bater palmas e a chorar? Ou quem lembra o Tibete,
a vida degradada na Índia, o montão de refugiados e os emigrantes clandestinos
(em vários lugares), a dizimação, em tempos, na Chechénia ou na Geórgia e a
guerra do Kosovo?
Não está quase no arquivo da
memória a primavera árabe com a destituição dos “poderes” na Tunísia, na Líbia
e no Egito – sem solução aceitável?
Recordo-me de que a Indonésia
submeteu ao seu regime ditatorial o Estado de Timor Lorosae, sem reação internacional
significativa, desde 1975 até 1991, ano do massacre no Cemitério de Santa Cruz,
em Dili. Foi preciso o Dr. Mário Soares, então Presidente da República, ter
visto o espetáculo pela televisão e ouvir os timorenses a rezar em Português
para Durão Barroso e Ana Gomes tocarem as campainhas do alerta internacional, o
qual, depois de alastrado e consolidado, pouco a pouco levou Ali Alatas a promover
e a aceitar iniciativas conducentes à independência (e mediaram mais de 10 anos).
Ainda me lembro do compungente discurso de Mário Soares em 13 de maio de 1991,
a solicitar a intercessão de João Paulo II por Timor, aquando da sua despedida
de Portugal, no âmbito de uma sua vista pastoral ao país. Custou, mas hoje Timor
Lorosae é uma grande e florescente nação!
Ainda dobram mediocremente os
sinos pelo Afeganistão, fortemente pelo Iraque e pela Terra Santa, pouco pela
Guiné Equatorial. Esquece-se a Guiné-Bissau, a continuidade da revolução cubana…
Poucos acreditam na instalação e prosseguimento da III Guerra Mundial, por
capítulos ou por episódios (aos pedaços), mas a produzir cada vez mais vítimas
e vítimas que nada têm a ver com a guerra e com expedientes inéditos até há
pouco anos – o avião-bomba, o carro-bomba, o homem-bomba (Alguns destes são
portugueses!).
Oxalá não seja necessário que
surja uma hecatombe humana ou natural para que estes internacionais pardais ou
outros pássaros de torre acordem nos termos dramaticamente cantados no poema de
Thiago Petrucelli, de 3 de janeiro de 2014, que se deixa à reflexão espiritual
e à fruição literária.
Nós
somos como pássaros.
Estamos empoleirados no topo de uma torre Que é a nossa família, amigos. Nosso emprego. Nossa cidade, nossas ideias. Nossa segurança, conforto Esperanças Nosso Deus. Mas um dia, inadvertidamente, A vida vem com raios de uma tempestade Que bloco a bloco Põem nossa torre abaixo. Nós, pássaros empoleirados no topo da antiga torre, Nesse momento de queda livre Tentamos nos agarrar ao que restou, Voltar ao que era antes Mas tudo desaba ao nosso toque, Não há mais ninho para voltar. E nesse cair vertiginoso Analisamos nossas opções E ao ver o chão se aproximando com velocidade Percebemos que na verdade não há opção Senão abrir as asas, E voar.
(http://pensementes.wordpress.com/2014/01/03/passaros-na-torre/,
ac agosto de 2014)
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