Tornou-se recorrente, nos últimos
anos, a colocação, na agenda e na mesa do debate, da problemática da
preservação das condições da vida de qualidade no Planeta. Os areópagos
internacionais não se cansam de lançar estudos de diagnóstico e de enunciar
medidas tendentes a combater os desequilíbrios que ameaçam a sobrevivência do
ecossistema e, por consequência, a vida do homem na Terra.
São os governantes dos diversos
países a mostrar efetiva preocupação pelo destino do mundo, acompanhados pelos
Papas dos últimos decénios – o Papa Francisco insiste na obrigação de o homem,
mormente o cristão, guardar Jesus
com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a
mais pobre, guardarmo-nos a nós mesmos, (vd homilia de 19-03-2013) – e por diversas entidades da comunidade
científica e de organizações não governamentais.
Discute-se
o consumo sistemático e excessivo dos recursos naturais como se fossem
inesgotáveis, tais como a floresta, o carvão vegetal e mineral, o petróleo, a
água; esgotam-se os solos e reservas naturais; procede-se a emissão descomunal
de gases para a atmosfera; alarga-se o buraco do ozono; queimam-se matas, matos
e culturas, com a consequente deriva erosiva; sobe o nível das águas do mar,
com o consequente degelo de oceanos, o esfarelamento dos icebergues e a invasão
das orlas costeiras pelas águas dos mares; poluem-se ares, rios, lagos e mares;
estão em vias de extinção espécies vegetais e animais, sobretudo em zonas
territoriais cada vez menos circunscritas; promove-se em excesso a monocultura
inibidora de crescimento de humidificação, renovação de espécies e retoma dos
solos; alteram-se drasticamente as condições climatéricas; com a guerra e com o
mau ordenamento do território destrói-se assustadoramente o património natural
e edificado (de conceção simples ou de valia artística ou mesmo de aparência
sumptuosa); surgem epidemias e pandemias, quase sem retorno; e sobretudo
aniquilam-se vidas humanas em larguíssima escala.
Mesmo
as medidas que se enunciam de reequilíbrio do ecossistema encontram poderosas
resistências em Estados, grupos e indivíduos. Acima de tudo, pontificam os “interesses”.
***
Dada
a importância da temática do ambiente e os lancinantes apelos de entidades com
voz autorizada na matéria e tendo em conta a existência de um elemento comum na
formação das palavras “ecologia” e “economia”, entendi dever fazer um bosquejo
sobre o tema.
No seu tratado Política, Aristóteles distingue economia e crematística. Define economia como o estudo do
abastecimento material do oikos (casa) ou da polis (cidade), isto é, da casa familiar ou da cidade. E
crematística (do grego crema,
chrématos – empresa, soma de dinheiro, bens, riqueza) seria o estudo da formação de preços nos
mercados, como, por exemplo, o estudo do aumento de preços em situação de monopólio.
Aristóteles exemplificou com o caso de Tales, que ganhou muito dinheiro com o
monopólio dos moinhos de azeite de Mileto, demonstrando que um filósofo, se
quisesse, saberia ganhar dinheiro como qualquer comerciante.
Hoje define-se usualmente economia (no grego, οικονομία – de οἶκος, translit.
oikos, 'casa' + νόμος, translit. nomos, ‘costume ou lei’, ou
também ‘gestão, administração’: daí “regras da casa” ou “administração
doméstica”) como a ciência que consiste na
análise da produção, distribuição/circulação e consumo de bens e serviços –
segundo a lei da oferta e da procura. É também a ciência social que estuda a atividade económica, através da aplicação
da teoria económica, tendo, na gestão, a sua aplicabilidade prática, segundo a
qual devem conseguir-se o máximo de recursos, a sua máxima rentabilidade e o
maior bem-estar – com o menor dispêndio de tempo e energias.
O Estagirita, para quem o abastecimento do oikos ou da polis não
tinha de ser regulado pelo sistema de preços, não empregou o termo “ecologia”, cujo
elemento de composição “eco” é comum a economia e que só foi introduzido no
século XIX (1869), pelo cientista alemão Ernest Haeckel, para designar o
estudo das relações entre os seres vivos e o ambiente em que vivem. Assim, a ecologia (do grego oikos, casa; e logos, estudo, tratado – estudo da casa ou do lugar onde se vive) é a ciência que
estuda as interações entre os organismos e o seu ambiente, ou seja, é o estudo
científico da distribuição e abundância dos seres vivos e das interações que determinam a sua distribuição. As
interações podem ser dos seres vivos entre si e/ou com o meio ambiente.
Já a distinção entre “economia” e “crematística” é exatamente a que se
estabelece atualmente entre ecologia humana e economia, entre o estudo do uso
de energia e materiais em ecossistemas onde vivem homens e mulheres, por um
lado, e o estudo das transações no âmbito do mercado, por outro. O sentido que Aristóteles
reserva para o termo economia ─ face à expansão do
comércio e à alteração profunda nas relações sociais que aquele implica ─ constitui
o significado que se atribui atualmente à expressão ecologia humana.
Vivemos no regime de mercado. As Igrejas não vendem graças ou milagres, mas
vendem propriedades, objetos e serviços que detenham. Os professores de
universidade ou politécnico e os consultores não vendem as aprovações nos
cursos, mas (quando podem) vendem o saber na forma de patentes, pareceres,
consultas, prestação de serviços ou, em todo caso, na forma de aulas e
conferências, etc. Até a terra, mesmo que eventualmente seja de propriedade
pública, constitui geralmente propriedade privada e é objeto de compra e venda,
doação, permuta e arrendamento, com os respetivos impostos.
A economia ecológica critica o “imperialismo” crematístico em dois casos
particulares muito importantes: as exações de recursos energéticos e materiais
esgotáveis ou lentamente renováveis; e as inserções invasivas no meio ambiente
(poluição, saturação). Por exemplo: a economia ecológica questiona-se se o
preço do petróleo se encontra adequadamente regulado e fixado pelo mercado, de
modo a satisfazer duas exigências em equilíbrio, permitir um acesso
condicionado para a satisfação das necessidades atuais e reservar parte deste
recurso para as futuras gerações; pergunta-se outrossim se não se facilita em
excesso, ao nível dos preços e autorizações públicas, a inserção pelas
indústrias de resíduos não recicláveis no meio ambiente.
Neste sentido, é caso para nos interrogarmos porque é que não se
diversificam os recursos para consecução de objetivos similares, por exemplo no
âmbito das fontes e modalidades de energias e na diversificação de
combustíveis? Por outro lado, torna-se difícil que o mercado queira alocar recursos
esgotáveis com a participação dos que ainda não nasceram, aos quais não se
reconhece atualmente qualquer poder de compra, vez, voz ou voto.
Quando se verifica a inserção invasiva de resíduos no meio ambiente, isto
é, a poluição e os detritos não biodegradáveis, os economistas frequentemente
aduzem o termo “externalidades”. Um dos primeiros exemplos de “externalidades”
surgiu em textos da década de 1920: se um agricultor cultivar um pomar junto ao
qual um apicultor crie abelhas, sem que necessariamente o pretendam,
beneficiam-se mutuamente e sem que se configure uma transação mercantil.
“Externalidade” é, pois, um benefício que não tem uma valoração crematística,
mas que poderia ter. Por exemplo, não se cobra o direito de pasto às abelhas
nem pela polinização que elas realizam. Mas poderia fazer-se. Por outro lado,
os economistas apontam a existência de “externalidades” negativas, como, por
exemplo, os fumos ou odores exalados por uma fábrica, que trazem consequências
nefastas para a saúde ou para a limpeza das roupas – que não têm um valor
crematístico na contabilidade de custos da empresa, mas poderia ter.
Embora seja difícil atribuir um valor financeiro à saúde, as companhias de
seguros, nas sociedades de mercado, estabelecem preços e percentagens para
tudo, inclusive para o tempo, a incapacidade e a morte. Os economistas, em seu
imperialismo crematístico, propõem inclusive que os efeitos externos sejam
convertidos em dinheiro ou preços, com base em inquéritos de opinião e
ponderação de base teórica.
Parece que os efeitos das inserções invasivas no meio ambiente recaem sobre
nós mesmos, ao passo que que a extração de recursos esgotáveis será problema dos
vindouros. Isto explica que o ecologismo, antes de 1973 e talvez de novo agora
(já que os preços do petróleo baixam de vez em quando), incida sobretudo nos
diferentes aspetos da poluição do que no esgotamento dos recursos. Todavia, os
problemas são intercomunicantes, já que muitas formas de poluição têm efeitos
de longa duração que não podem ser avaliados em dinheiro segundo as regras rígidas
do mercado. A economia crematística falha, então, redondamente, mesmo a nível
conceitual, quando os efeitos externos ao mercado são de longeva duração. Também
no atinente ao problema da distribuição intergeracional de recursos esgotáveis,
os que ainda não nasceram não participam no mercado nem nas pesquisas de
opinião.
O discurso crítico respeitante ao valor dos recursos esgotáveis e ao valor
dos efeitos de longa duração externos ao mercado repercute-se na macroeconomia,
isto é, no cálculo do produto total, do investimento, do consumo, que
constituem a matéria básica da discussão política habitual. A modificação das contabilidades
nacionais por parte da crítica ecológica é uma questão de enorme importância
política. A economia ecológica começa por ridicularizar de bom grado grande
parte do instrumental da economia convencional. Depois, tenta explicar o
uso das energias e materiais em ecossistemas humanos. É uma ecologia
humana, diferente da ecologia das plantas e dos animais, pois a humanidade tem
uma caraterística especial: a possibilidade de enormes diferenças – entre as
pessoas e entre territórios habitados por pessoas, no uso (e degradação) de
energia e materiais.
Ora o que se faz hoje é atribuir valores geralmente baixos (“descontamos”) aos
prejuízos (eventualmente benefícios) para os vindouros, ou seja, subvalorizamos
o valor dos benefícios ou prejuízos futuros. A ciência económica não tem
nenhuma resposta convincente, encontrando-se sem argumentos, no seu próprio
campo, face à crítica ecológica. Tê-la-ia se tivesse em conta a dimensão
construcional da ética, que, além de promover a moralidade (ἕθος – uso, hábito, costume) da gestão das coisas, dos fenómenos, das relações (a dimensão do uso e do
costume), deve edificar a estratégia do zelo pela conservação, desenvolvimento
e potenciação ordenada do “corpus”, construção (ἦθος – morada,
residência, caráter), a nível micro, meso e macro. Também aqui a cidadania, para que tanto se
apela, deveria ter uma palavra, não?!
É pena que à componente analítica e incremental não se adicione a
componente “normalizadora”, reguladora, teleológica e ética, que a ciência
económica deveria ter, até por exigência dos pressupostos ecológicos (que não
excessivamente ecologistas). Desgraçadamente generalizou-se o pressuposto e a
convicção da amoralidade da economia e assim se permitiu a hegemonização da
vertente financeira sobre a economia e sobre a política. E assim o poder
político, que deveria assumir uma função teleológica, normativa e reguladora,
assiste impávido, como se nada fosse com ele, ao descalabro, à guerra económica
e financeira, ao capitalismo sem rosto (de mercado ou de Estado), ao sistema
desumano, que traça e cava o fosso entre ricos e pobres ou sentencia a morte de
pessoas, grupos e povos.
É a lei da selva com rosto de decência, é a guerra dos novos tempos, à
escala global. E, nestes termos, ou se serve a Deus ou se serve o dinheiro.
Talvez o caminho seja o serviço a Deus, no quadro do principado da Paz, a ver
se todos, escutando as vozes de bom senso e os clamores dos pobres, podemos passar
a dizer Pai Nosso que estais nos Céus,
no contexto da fraternidade universal, da vivência das liberdades e do estatuto
da igualdade fundamental.
Referências
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