Quando ouvi a informação de que o
Novo Banco iria desligar-se de qualquer memória do BES e que a borboleta (de “belbellita”, termo este calcado em “belo”)
passava a integrar o logótipo da nova instituição, fiquei a pensar na mariposa
(um pouco diferente, mas similar), que vagueia um pouco por todo o lado.
Mas a noção de mariposa levou-me
a pensar na sua atração pela luz e subsequente aniquilação. Efetivamente, a mariposa mostra frequentemente o
comportamento de voo em círculos em torno de luzes, sobretudo artificiais, e,
apesar de ser esse um comportamento comum, ainda não se conhece ao certo razão
para ele. Uma hipótese de explicação é o facto de estes insetos utilizarem uma
técnica de aeronavegação designada por orientação transversal. Ao manter uma
relação angular constante com uma fonte de luz, como a Lua por exemplo, a mariposa consegue
manter um voo em linha reta. São tão distantes os objetos no espaço que, mesmo
depois de haver voado grandes distâncias, a mudança de ângulo entre a mariposa
e a fonte de luz é praticamente insignificante. Quando a mariposa topa uma
fonte de luz muito próxima, como a luz dentro de casa, e a usa para aeronavegação,
o ângulo muda-se-lhe drasticamente depois de pouco tempo de voo e, em resultado
disso, a mariposa procura instintivamente corrigir o ângulo voltando-se contra
a luz e envolvendo-se de imediato num voo com um ângulo espiral cada vez mais próximo
dela, o que explica a razão do seu voo em círculos em volta de fonte de luz
artificial e irremediavelmente se bater contra ela.
***
Porém,
a referenciação do logótipo do Novo Banco, vertida para a Comunicação Social, é
ambiciosa: três peças com uma borboleta, que correspondem a três mensagens distintas
(até faz lembrar a tradição trinitária do BES – o Espírito Santo é a Terceira Pessoa
da Santíssima Trindade), marcam a campanha de apresentação do Novo Banco, a
nova marca que vem substituir o BES. Criada pela agência de publicidade BBDO, a campanha, que tem como
assinatura “Um novo banco. Um novo começo”,
tem no seu racional-criativo elementos de património, mas também de novidade. Os
meios de promoção da campanha serão a rádio, imprensa, canais digitais, balcões
e, como não poderia deixar de ser, a comunicação interna.
Segundo o teor de comunicado
da nova instituição bancária, “do património recupera os factos e capital
humano – o Novo Banco começa com mais de 600 balcões e mais de 2 milhões de
clientes”. Mas, acima de tudo – acrescenta – o Novo Banco “começa com o capital
humano dos seus 6 mil colaboradores e será essa a sua maior força: a sua experiência,
saber, dedicação e empenho agora, como sempre, ao serviço dos seus clientes
particulares, empresariais e da economia portuguesa”. (vd Dinheiro Vivo, de 21-08-2014).
***
Não
sei se a campanha será muito feliz – o que os factos se encarregarão de
comprovar ou não – já que se trata de um símbolo ambivalente.
Bosquejando o Dicionário dos Símbolos, de Jean
Chevalier e Alain Gheerbrant, a primeira nota que encontramos é a da borboleta
como “um símbolo da ligeireza e da inconstância” e o que assoma à vista é a ideia/imagem
da “borboleta a queimar-se no candeeiro”. Por outro lado, o simbolismo da
borboleta baseia-se nas suas metamorfoses: a crisálida é o ovo que
contém a potencialidade do ser e a borboleta que sai dele simboliza a saída do túmulo ou a ressurreição. Por outras
palavras, os estágios deste
irrequieto inseto, ou seja, a lagarta, a crisálida e
a borboleta significam respetivamente vida, morte e ressurreição, representando, deste modo, a metamorfose
cristã. Vale a pena lembrar que, em pedras tumulares, a borboleta
significa uma vida curta e, por isso, é utilizada nas campas de crianças.
Convém ter
em conta o ciclo vital destes insetos da ordem lepidóptera: o ovo (fase
pré-larvar); a larva (lagarta ou taturana); pupa (que se desenvolve dentro da
crisálida ou casulo); e imago (fase adulta).
Durante a fase de
lagarta, alimentam-se vorazmente e criam reservas alimentícias. Quando a larva
está pronta para virar a crisálida (estado intermediário por que passam os
lepidópteros para se transformarem de lagarta em borboleta), dependuram-se numa
folha por um par de falsas pernas, de cabeça para baixo. Logo que a pele das
costas se abre, a larva sacode-se e surge uma crisálida. As adultas vivem
dessas reservas e complementam a sua dieta absorvendo o néctar das flores e os
sucos das frutas. A fase adulta pode durar de duas semanas a três meses
dependendo da espécie em causa.
Para a psicanálise moderna a
borboleta é o símbolo do
renascimento. Nesse sentido, o termo grego "psyche",
originalmente tinha dois significados: a alma e a borboleta, sendo que, neste
último sentido, simbolizava o espírito imortal.
Importante
é ressaltar que a simbologia da borboleta pode variar de lugar para lugar, de
povo para povo, uma vez que a sua representação está associada às diversas
formas de vida, de culturas, de religiões e crenças.
Assim, no Japão, sob o signo da
graça e ligeireza (“geisha”), a borboleta é um ícone da
mulher gentil; e duas borboletas em conjunto (masculino / feminino) figuram a
felicidade conjugal. E, pela sua ligeireza subtil, estes insetos são incarnação
dos espíritos viajantes, cuja chegada prenuncia visita ou falecimento de ente próximo. No mito
do imortal jardineiro Yuan-k'o, a sua bela esposa ensina o segredo dos
bichos-da-seda, sendo ela própria, um bicho-da-seda.
Já na mitologia greco-romana, a alegoria da
alma é uma jovem alada de borboleta e, segundo as crenças gregas populares,
quando alguém morria, o espírito saía do corpo com forma de borboleta – imagem presente
também nos frescos de Pompeia. Trata-se de uma crença vigente entre alguns
turcos da Ásia Central, que sofreram a influência iraniana, segundo a qual os
antepassados podem surgir de noite sob a aparência de borboleta.
No mundo sino-vietnamita, a
borboleta exprime a longevidade
ou está associada ao crisântemo, o qual simboliza o outono, ou seja,
a renovação, uma vez que ocorre,
no outono, a queda das folhas.
Para os maias
e astecas, povos pré-colombianos
que viviam no atual país do México, a borboleta simbolizava o deus do fogo “Xiutecutli”,
conhecido também por “Huehueteotl”, o qual levava como emblema um
peitoral chamado “borboleta de obsidiana”, que simbolizava a alma ou o sopro
vital que se evade da boca de quem está a morrer. É o fogo oculto, ligado à noção de
sacrifício, morte e ressurreição. Assim, os guerreiros mortos acompanham o sol na
primeira metade do seu curso visível, até ao meio-dia. Depois, os guerreiros
descem à terra na forma de borboletas ou colibris. Além disso, a borboleta
também é o símbolo do sol negro, pois atravessa o mundo subterrâneo
durante o seu curso.
Os Balubas e os Luluas do Kasai do Zaire central
relacionam a borboleta com a alma:
o homem segue o ciclo da borboleta desde o nascimento até à morte. Desta guisa,
a infância fica associada a uma pequena lagarta; na maturidade, a uma grande
lagarta; e conforme vai envelhecendo, vai-se transformando numa crisálida. Ademais,
o seu túmulo é associado ao casulo, de onde a alma sairá na figura de
borboleta.
Um conto
irlandês, conhecido como Corte de Etain,
simboliza a borboleta tal qual a alma
liberta do seu invólucro carnal, como na simbologia cristã. Nesse conto,
o Deus Miter casa-se pela segunda vez com uma deusa chamada Etain, que a sua primeira esposa, por
ciúmes, transforma numa poça de água. Após algum tempo, a poça dá vida a uma
lagarta que se transforma numa linda borboleta.
Mider e
Engus (filho de Dagda) recolhem a lagarta e protegem-na. E a lagarta transforma-se numa borboleta
púrpura: o som da sua voz e o bater das suas asas eram mais suaves que gaitas
de foles, harpas e cornos; os olhos brilhavam como pedras preciosas na
obscuridade; o odor e perfume faziam olvidar a fome e a sede a quem quer que
estivesse junto dela; as gotículas que ela lançava de suas asas curavam todo o
mal, toda a doença e toda peste na casa daquele de quem ela se aproximava.
Aqui, o simbolismo é o da borboleta, o da alma
liberta de seu invólucro carnal, como na simbologia cristã, e transformada em
benfeitora e bem-aventurada.
***
Sobre um
banco que herda os ativos tóxicos ou problemáticos do antigo Banco Espírito Santo,
o atual BES, foi lançado o anátema. E ele era sólido, firme, seguro, de confiança…
Agora, o
Novo Banco, com a figura da borboleta, vai ter vida longa, como sugerem algumas
vivências do símbolo, após o renascer das cinzas, como insinua a propaganda
recentemente elaborada e posta em marcha? Ou terá uma vida efémera, noutra
vertente da simbologia e como determina a decisão da sua criação – um momento
de resolução, a venda a privados à vista, num prazo máximo de dois anos? O futuro
Novo Banco será o herdeiro das gloriosas “tradições” (de um máximo de dois anos)
do atual e o fiel depositário de seu património? Ou terá novo logótipo para fazer
cair no esquecimento a época má que muito bem pode estar a avizinhar-se?
Ou ficará na memória
como a borboleta, que, durante a fase de lagarta, se alimenta vorazmente e cria
reservas alimentícias? Para longe vá o agouro!
Se é para proporcionar
os excelsos benefícios da lagarta de Etain (suavidade,
brilho, perfume, cura de todos os males e pestes) ou para se transmutar em “benfeitora e bem-aventurada” – muito obrigado!
Não é preciso: para isso, já tivemos o BCP, o BPN, o BPP…; e temos agora, como
dantes, o Ministério das Finanças, o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação,
o Ministério da Justiça, o Ministério da Economia e todos os restantes!
Sem comentários:
Enviar um comentário