A propósito da entrevista de
António Costa ao Expresso, de 23 de
agosto, ocorre-me a ideia de tecer algumas considerações sobre a estatura e as
ambições partidárias.
Um partido político é uma
organização de direito privado
que, no sentido contemporâneo da palavra, pode ser definido como uma união
voluntária de cidadãos com
afinidades ideológicas e políticas, disciplinada e organizada, revestindo a
forma de associação, e que visa a disputa do poder político ou, pelo menos, o
direito-dever de intervenção pública no debate das questões nacionais e das
internacionais que estejam conexas com aquelas.
À
partida, um partido político almeja ascender ao poder. E normalmente aproveita
o mecanismo das eleições a que se candidata com um programa eleitoral, que, em
caso de vitória, se transforma em programa de governo, com alterações pontuais,
se a vitória possibilitar uma maioria parlamentar de apoio ao governo, ou
significativas e objeto de negociação, caso o apoio parlamentar seja
minoritário ou resulte de uma coligação pós-eleitoral. Porém, a História
regista, além de situações normais de mudança de poder e até de transição
pacífica de regime, não raros exemplos
de acesso ao poder com recurso à revolta armada, militar e/ou popular, seguido
de governação em democracia (usualmente precedida de governo provisório, que
toma medidas legislativas de fundo) ou de governação em ditadura (normalmente
em torno de uma figura carismática, cuja deposição se torna muito problemática,
se não impossível, a menos que o regime apodreça por si). Neste último caso, a
governação é contra os partidos ou apoia-se na existência de partido único,
combatendo qualquer manifestação significativa contrária, por diversos meios (polícia
política, censura na comunicação social, limitação de acesso à administração
pública…) e de modo por vezes feroz (tortura, repressão policial, prisão
arbitrária, morticínios…).
Também
acontece que muitas democracias, em tempo de crise política ou de crise geral,
inventam um líder musculado que exerce o poder com mão de ferro, mas não
prescindindo de eleições regulares e submetendo formalmente aos órgãos
democráticos as principais opções de política governativa e mobilizando em
torno das mesmas a opinião pública e as forças da ordem.
Na antiguidade greco-romana,
dava-se o nome de partido a um grupo de seguidores de uma personalidade de
prestígio, de uma ideia mobilizadora ou de uma doutrina. Modernamente, só na Inglaterra, no século XVIII, é que se
criaram pela primeira vez, instituições de direito,
com o objetivo de congregar partidários de uma ideia política – o partido Whig e o partido Tory. A partir daí e da segunda metade
daquele século, alastrou pelo mundo a ideia de organizar e dividir os políticos
em partidos, ideia que recebeu notável incremento depois da independência dos
Estados Unidos e da revolução francesa,
momentos em que se formulou a perceção de que a natureza da comunidade
política se transforma dramaticamente.
Dos sociólogos e
cientistas políticos que teorizaram sobre partidos políticos, destacam-se
Ostrogorsky, Robert Michels, Maurice
Duverger, Max Weber e Nildo
Viana. Para eles, os partidos políticos atuais são organizações onde
predomina a burocracia na
sua estrutura e que se fundamentam na ideologia da
representação política, e não propriamente no acesso direto do povo às decisões políticas. Têm
como objetivo conquistar o poder político estatal e constituem formas de
expressão política de oligarquia económica
ou social. No entanto, alguns, influenciados por Weber, consideram que o
predomínio da burocracia nos partidos políticos, especialmente nos partidos fascistas, nazistas, socialistas e comunistas,
ocorre por uma necessidade técnica, ao passo que, segundo outros, a
burocratização dos partidos é derivada de um complexo processo social e
político que dá origem à expansão de uma nova classe
social, a “burocracia”. Mas coincidem em afirmar que a burocracia
partidária é uma fração daquela nova classe social: a “burocracia”. Essa
burocracia partidária, hoje designada por aparelho partidário ou mesmo
“aparelhismo”, ultrapassa frequentemente a sua função de assessoria do político
e passa a ditar regras nos partidos políticos.
No decurso do
tempo, têm-se verificado as mais
variadas formas de atuação dos partidos na vida das nações, bem como
diversificadas formas de atuação dentro dos próprios partidos. Partidos
políticos seculares têm-se mantido, através dos séculos, basicamente iguais só
no nome, pois os seus programas, doutrinas e estilos de fazer política têm
variado enormemente com o passar dos tempos,
tendo alguns esbatido e até perdido a carga ideológica que os identificava.
Há partidos que definem, já através da designação, claramente a sua doutrina –
como fazem, por exemplo, os partidos: fascista, liberal, democrata-cristão,
conservador, nazista, socialista, comunista e trabalhista. Fernando Henrique
Cardoso, sociólogo e
ex-presidente do Brasil, cunhou o termo “partido omnibus” (para todos,
em latim) para designar qualquer partido que parta do propósito explícito de
reunir seguidores de diversas doutrinas e ideologias para atingirem objetivo
comum a todos eles. Têm como seu arquétipo, na literatura, os partidos dominantes
na política norte-americana – partido democrata
e partido republicano – e o PMDB no
Brasil, o partido democrata italiano ou o MDP/CDE e o Bloco de Esquerda
portugueses, bem como o evolucionista e o unionista da I República de Portugal.
Muitos políticos
fazem a sua carreira política dentro de um grande partido, para só depois se
candidatarem a altos cargos públicos, como ocorre, por exemplo, na França com
uma grande disputa pelo cargo de secretário-geral do Partido Socialista
Francês; porém, outros políticos, ao contrário, integram ou formam pequenos
partidos para mais rapidamente se candidatarem a altos cargos públicos como fez
Fernando Collor de Mello, em 1989.
***
Dada
a sua índole associativa e o seu aparato público, os partidos, embora se rejam
pela lei geral, são independentes de qualquer estrutura do Estado e dispõem de
declaração de princípios, estatutos, programas eleitorais e/ou governativos e
planos de ação. Sendo assim, seriam unicamente os membros da respetiva associação
partidária a decidir que elementos devem integrar os órgãos partidários e em
especial a liderança de topo.
Nestes
termos, parece descabido que a direção do Partido Socialista tenha convocado
para a eleição do seu candidato a Primeiro-Ministro todos os simpatizantes que
reúnam determinadas condições, mormente a sintonia com os princípios
fundamentais por que se pauta o partido. Mais esquisita se torna tal
convocação, quando para a eleição de dirigentes distritais e, segundo referem
alguns, nas últimas eleições diretas para secretário-geral se mantiveram nos
cadernos eleitorais inscrições de militantes falecidos, ausentes por tempo
prolongado e mesmo alguns que se tinham candidatado a cargos políticos,
designadamente em autarquias, por outras formações partidárias ou de
independentes/dissidentes.
Porém,
Costa segue o seu percurso para a eleição “interna” de setembro com a aceitação
das iniciativas da direção partidária, tendo chegado a afirmar, quase com
displicência, que as questões estatutárias eram tratadas por outras
personalidades. E o seu percurso, que não ultrapassa as marcas de um percurso
de campanha, como é compreensível, nem sempre prima pela ousadia e pela clareza
de propostas, a ponto de, creio que injustamente, ser apontado pela candidatura
adversária como o rosto de um PS da promiscuidade entre política e negócios.
Como se não bastasse a falta de clareza e ousadia de ideias, na referida
entrevista, depois de farpar aqueles que “andam anos na política e ninguém se
lembra de nada que tenham feito”, declara que o seu adversário é o
socialdemocrata Rui Rio, com a dupla ironia de afugentar do discurso o
adversário Seguro, com quem contende, e limitar-se “a constatar o que todos
constatam”, no pressuposto de que “o país anseia por novos protagonistas, com
provas dadas, que rompam este ciclo de vistas curtas em que temos estado
bloqueados nos últimos anos”.
Assim,
não se estranha que a pena de quem escreveu uma nótula sobre “primárias” na
última página de O Diabo, de 26 de
agosto, tenha inferido que “ficámos a saber que as primárias do PS não só
servem para escolher o candidato a Primeiro-Ministro do próprio partido como de
outros”. Ora, como Costa, voz do PS autorizada pela experiência de governante e
pela de edil lisboeta, apenas cita o ex-edil portuense, creio ser legítimo
pensar que os resultados das primárias de setembro definam o líder do PS e o do
PSD, ambos socialdemocratas ou paladinos do socialismo democrático.
A
referida pena de escrever, ao questionar quais os adversários de outros
partidos selecionados por Costa, alvitra a hipótese de serem personalidades sem
interesse, talvez alguns dos que se sentam há anos na sexta fila da respetiva
bancada parlamentar a aguardar pela sua vez e a fazer planos. Penso, todavia,
que terão de ser como Costa, daqueles que não “andam a comprar votos nem a ressuscitar
mortos” (vd Expresso, de 23 de
agosto, pg 8).
A
pretensão de substituir o líder do partido adversário não é nova. Quem não se
recordará das declarações de Ferreira Leite ou de Passos Coelho, que, por volta
das eleições de 2009 (antes e depois) e de 2011 (antes), respetivamente,
rejeitavam a hipótese de entendimento com o PS, se liderado por José Sócrates.
E este, quando viu Passos Coelho eleito líder do PSD, parecia ter encontrado um
par para a dança do tango, conforme declarou a órgãos de comunicação social
estrangeiros. Também a opinião pública, através de políticos comentadores,
formulou a convicção, nunca desmentida, de que o PSD preferiria disputar as
eleições legislativas com Seguro a disputá-las com outra personalidade em
líder, nomeadamente António Costa.
Agora,
Costa parece ter embarcado em pretensão semelhante. José Serrão, em O Diabo, de 26 de agosto, explica o
tríplice objetivo: sensibilizar o PSD,
pressionar o Governo e estimular Rui Rio a iniciar o seu assalto ao poder e à
cadeira de Coelho na liderança do partido, seguindo o exemplo Costista, mas
correndo acrescido risco. Porém, o mesmo colunista aponta a Costa o facto de as
suas palavras saberem a ato falhado e poderem ser interpretadas como um
desígnio até agora inconfessado, pelo menos nos detalhes: Guterres a Presidente
da República, o próprio Costa em Primeiro-Ministro e Rio como líder da oposição
– remetendo para a prateleira da memória Cavaco, Seguro e Coelho. E Costa seria
atualmente o candidato a pajem do novo Dom Sebastião, o desaparecido no mundo…
Será
que Rio, homem minudente e meticuloso, embarcará na aventura de subdiácono de
Guterres ou acólito de António Costa? Suponho bem que Seguro não terá motivos
sérios para temer Costa, tentar ignorá-lo ou refugiar-se em evasivas quando os
jornalistas os questionam sobre a candidatura adversa, a menos que se torne
inseguro, hesitante e pateticamente emotivo. Se for esta hipótese, então o medo
que tem será de si próprio.
Não
estaremos em situação similar à do rotativismo dos fins da monarquia, ao invés
do tempo de crise em que emergem líderes políticos que se perfilam como
verdadeiros homens de Estado destinados a dar ao país a fina flor da sua
lucidez e o melhor da sua vontade do seu esforço pela causa e pela saúde da res publica?
De
qualquer modo, deixemos que os líderes partidários sejam escolhidos pelos
próprios partidos, cada um pelo seu!
Mas
José Serrão acerta na muche – e termino com suas palavras – quando assegura: “A
política portuguesa está a incandescer e o aproximar dos próximos escrutínios
eleitorais cerceia a qualidade do pensamento e condiciona a ação dos principais
agentes políticos”.
Referências
Amaral,
Diogo Freitas (1985). O Antigo Regime e a
Revolução. Lisboa: Círculo de Leitores.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_pol%C3%ADtico,
ac agosto de 2014.
Lassale,
Jean Pierre (1971). Introdução à Política.
2.ª ed. Col. Universidade Moderna. Lisboa: Edições Dom Quixote.
Rosas,
Fernando e Rolo, M. Fernanda (coord) et al (2010). História da Primeira República Portuguesa. Lisboa: Tinta-da-China.
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