Distinguir demasiado terá uma função
análoga à da mudança total para que tudo fique na mesma.
Refiro-me ao estribilho,
propalado a toda a gente tanto pelo BdP como pelo Governo, comentadores e jornalistas,
de que o BES e o GES eram coisas totalmente diferentes; e que o BES estava bem
e se recomendava, ao passo que aquilo que estava mal era o GES (Grupo Espírito
Santo). O GES acusava enormes falhas, mas o BES (Banco Espírito Santo) estava
forte e recomendava-se. Tinha até procedido a uma recente operação de aumento
de capital e possuía uma boa almofada para encarar qualquer situação de
surpresa desagradável em virtude da sua exposição ao GES.
Depois, veio a falar-se, sem
reservas, da sua exposição ao grupo, tendo, por este lado, surgido em
definitivo a justificação do que veio a suceder ao Banco. E, por um lado,
unidades empresariais do GES solicitaram gestão protegida/ controlada, sendo talvez
este um eufemismo para insolvência ou falência (às vezes, os preciosismos das
linguagens, ditas técnicas, criam cada partida aos utentes públicos e privados!…);
por outro, lado agências de rating
faziam desclassificações e CMVM suspendia transações na Bolsa de Valores,
suspensão de venda de ações a descoberto, etc. E o Banco, que tinha emprestado
mais de 3 mil milhões de euros ao BESA (Banco Espírito Santo de Angola), sob
garantia (ou equivalente) do Presidente José Eduardo dos Santos, que não
renovou na altura do aperto, foi obrigado, em 1 de agosto, a devolver ao BCE os
10 mil milhões de euros que lhe tinha emprestado; e, apesar de o BdP (Banco de
Portugal), o regulador, lhe ter emprestado cerca de 3 mil e 500 mil milhões (soube-se,
por ata de reunião do CA do BdP, em site de grupo privado), para que o BES
pudesse satisfazer às exigências do BCE (Banco Central Europeu), o BCE ter-lhe-á
cortado toda a possibilidade de financiamento, o que implicava, pelo menos na
prática, a negação da autorização da atividade bancária. É que, a 30 de julho, soube-se
que os prejuízos do BES referentes ao primeiro semestre de 2014 totalizavam a “módica”
(?!) importância de 3.577,3 milhões de euros, sem contar os cerca de 3.000
milhões de euros, emprestados ao BESA. E o GES e o BES eram coisas totalmente
diferentes!
E o Governo, que nada tinha a ver
com o desenvolvimento da atividade de um Banco (privado) e que entendia que os
erros de gestão do GES deveriam ser imputados unicamente a quem os cometeu, de
31 de julho a 3 de agosto (um domingo), aprovou dois decretos-lei sobre esta
matéria, sendo o primeiro para proceder à transposição da respetiva diretiva
europeia para o ordenamento jurídico português; e o segundo parece ter sido
negociado por e-mail. E, no dia 3 à noite, o Governador explicou ao país “toda”
(!) a situação e comunicou a decisão, tomada por ele com os colegas, o regulador,
ou seja o CA do BdP, de extinguir o BES (o banco que alegadamente antes não
tinha problemas). Em seu lugar, ficava a funcionar com nova administração um
banco mau, denominado “BES”, que absorveria os ativos tóxicos e demais
responsabilidades do antigo BES; e é criado um banco novo, denominado “Novo
Banco”, gerido por novos administradores, alguns já conhecidos, com a absorção
dos ativos não problemáticos – mais uma distinção de entidades. Os depositantes
e demais clientes podiam trabalhar logo no dia seguinte com os mesmos balcões e
sites, sem qualquer problema ou dano;
e os contribuintes não teriam qualquer prejuízo. Os acionistas e credores de
obrigações subordinadas ficariam no banco mau, bem como a família Espírito
Santo e anteriores administradores. O único acionista do Novo Banco é o fundo
de resolução criado em 2012, no âmbito da zona Euro, para obviar a situações
similares, que, no caso português, é financiado pelos outros bancos, incluindo
a pública CGD, com base no recente imposto sobre a banca, sendo o seu capital social
de 4 mil e 900 milhões de euros, realizado de imediato com base nas provisões
do fundo e num empréstimo contraído junto do Estado a partir da tranche cedida
pela troika para efeitos da recapitalização dos bancos que a tal se
candidatassem, no âmbito do PAEF. Também aqui o antigo BES se distinguiu
sobranceiramente com a não necessidade de recurso a tal medida.
Cedo começou a saber-se que não
foi o BdP que tomou sua sponte a famosa
decisão, mas a isso foi induzido pelo
conselho de governadores de bancos centrais da Zona Euro sob a égide do BCE.
A ministra das finanças, questionada
pela razão por que foi somente o Governador a comunicar a tal decisão,
escudou-se na lei que dá tais competências ao regulador. Só que a lei fora
preparada em cima da hora, à pressa e ad
hoc. Também garantiu que o contribuinte nada teria a pagar, o que, não corresponde
à realidade, como se demonstrou em tempo.
Também se fez a distinção entre
os casos BES e BPN. As figuras públicas ligadas ao poder atual defendem que o
BPN fora nacionalizado e que tal correu mal; para o BES foi encontrada uma
solução, sem que fossem convocados os contribuintes e sem prejuízo para os
clientes, nomeadamente os depositantes. Por seu turno, os opositores reclamam a
condição de solução equivalente: há uma nacionalização indireta, com inevitáveis
implicações nos contribuintes (quando muito proteladas no tempo!) e acrescentam
que, em tempo, do BPN foram nacionalizados os prejuízos ficando os ativos não tóxicos
a benefício da proprietária, a SLN (sociedade lusa de negócios). O partido socialista,
acusando a má solução, responde à solução encontrada para o BPN com a
inexistência, ao tempo, do fundo de resolução recentemente criado.
Também é de registar que o Governador
do BdP se manifestou enganado e desobedecido pela administração do BES. E, ao
ser questionado sobre o motivo por que deixou em funções o anterior PCA do BES,
depois de saber das situações de infração, respondeu que não podia ultrapassar a
lei. Efetivamente veio a saber-se que não se trata propriamente de lei, mas de jurisprudência
com base em determinação do STA (Supremo Tribunal Administrativo), em 2005, segundo
a qual só podem ser destituídos os administradores em caso de sentença condenatória
transitada em julgado. Ora Salgado nem sequer era arguido. E desde 2005 ninguém
suscitou qualquer processo legislativo sobre a matéria. Com consequência da inércia,
assim se vai a confiança em empresas decisivas para a economia!
Diz-se, ainda, que os reguladores
– BdP, da atividade bancária, e CMVM (Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários), dos mercados de valores mobiliários e instrumentos financeiros derivados
– parecem ter atuado nem sempre em sintonia e,
por vezes, com críticas mútuas. Nada que se possa estranhar neste pobre país!
***
Hoje, 12 de agosto, souberam-se
mais novidades:
– Afinal, por decisão do BdP, a Tranquilidade, detida pela
Espírito Santo Financial Group (ESFG), fica no banco ‘bom' porque fora dada como
garantia ao BES. A empresa, em processo de
venda, vai mesmo ficar no Novo Banco, apesar de a seguradora ser detida pela
ESFG. Para tal valeu o facto de ter sido dada como colateral no dinheiro que a
ESFG devia ter injetado no BES para este pagar dívida em papel comercial
colocada em clientes de retalho do banco. A dúvida de clientes,
investidores e eventuais compradores está esclarecida: o crédito do BES sobre a
ESFG garantido pelo penhor financeiro da referida
Seguradora é transferido para o Novo Banco. Assim, a venda da seguradora
irá para o Novo Banco se ninguém vier a impugnar a decisão agora tomada pelo BdP,
fundamentada na garantia prestada pela ESFG ao BES. Recorde-se que a ESFG
pedira a proteção de credores.
– O Novo Banco pode vir a assumir o
pagamento de dívida emitida pelo GES até ao final do 1.º semestre de 2014,
desde que documentalmente comprovada, apesar de a responsabilidade por esta
ficar no “bad bank” (banco mau, BES). Em comunicado
do BdP, pode ler-se que fica no ‘bad bank’ a responsabilidade sobre
dívida emitida por empresas do GES, isto é, as obrigações, garantias,
responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação
financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que
integram o GES no Banco Espírito Santo. Há,
porém, uma exceção, podendo o Novo Banco “vir a assumir” o pagamento de parte
da dívida subscrita até final do 1.º semestre deste ano.
– A injeção de
emergência de liquidez no valor de 3 mil e 500 milhões de euros por parte do BdP
no BES já foi devolvida pelo Novo Banco – apurou o Expresso junto de fontes ligadas ao processo. A operação,
denominada ELA (Emergency Liquidity Assistance) na terminologia
da política monetária europeia, serviu para acorrer às necessidades do BES no
final de julho, antes da intervenção no banco. Assim, o Novo Banco recupera o
que o BES perdera: acesso a liquidez do BCE. E, assim, os empréstimos de
emergência, conhecidos através de uma ata do Banco de Portugal, são devolvidos.
– BdP e CMVM enviaram documentação relevante para o MP (Ministério
Público): a par das auditorias em curo,
nomeadamente a auditoria forense pedida pelo BdP para verificar se houve
responsabilidades individuais dos administradores/ diretores no cumprimento de
normas da supervisão, chegaram ao Ministério Público vários indícios de
irregularidades. E o BdP declarou, ainda, não deixar de transmitir
tempestivamente toda a informação que seja, entretanto, obtida. Esquemas de
financiamento fraudulentos são algumas das situações apontadas pelo supervisor
quanto às matérias que podem suscitar ilícitos criminais e processos de
contraordenação. Já a CMVM enviou, nos últimos anos, pelo menos 5 casos de
indícios de crime de utilização de informação privilegiada e abuso de confiança
envolvendo responsáveis do GES. Quatro deles, já noticiados, são relacionados
com informação privilegiada envolvendo a EDP ou a REN, ora na última fase de privatização,
quando os chineses entraram no capital de ambas, ora quando da estreia em bolsa
da EDP Renováveis, em 2008; o 5.º corresponderá a um alegado abuso de confiança
e crime de fidelidade – desrespeito de regras entre acionistas – e envolverá a “BES
Vida”.
(vd
http://expresso.sapo.pt/novo-banco-ja-pagou-35-mil-milhoes-ao-banco-de-portugal=f885703#ixzz3ADnkymIQ, ac
201408.11).
E assim se esfarela o poder político
atrás da degradação do poder financeiro, para mal de todos!
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