É possível que António José
Seguro saia vencedor das eleições primárias de setembro, que decidirão quem
será o candidato do partido socialista ao cargo de primeiro-ministro em
resultado das eleições legislativas de 2015. Também é possível que a escolha de
militantes e simpatizantes ditem a vitória de António Costa.
Ambos os digladiadores
partidários apostam – segundo o que já exprimiram claramente – na obtenção de maioria
absoluta nas legislativas para poder formar-se um governo que desempenhe a sua
função sem entraves parlamentares. E haverá um longo tempo de tréguas na
relação com o Tribunal Constitucional. No caso de os eleitores não oferecerem a
maioria dos mandatos na Assembleia da República ao partido socialista, haverá uma
solução, mas cujos contornos ambos os ora candidatos definiram sem definir.
Desde que D. Dinis introduziu na
vida relacional dos portugueses o figurino dos seguros, já vigentes nas ditas Repúblicas
Italianas e herdados desde os tempos dos velhos chineses (Sempre os Chineses!),
muitos contratos de seguro se têm celebrado. Vulgarizaram-se os seguros de
automóvel (em várias modalidades), de viagem, de haveres (habitação, recheio,
multirriscos, muros, riscos elétricos, águas, portões…), de vida, de saúde, de acidentes
de trabalho, de acidentes pessoais, de colheitas, de crédito, de valores, de prestações
pecuniárias, escolares, de eventos, de atividade marítima, de atividade
comercial, de atividade agrícola, de exposições, etc.
Recentemente o Tó Zé, do PS, prometeu
um seguro de referendo. Ou seja, se ele, enquanto candidato a primeiro-ministro
não obtiver maioria absoluta nas eleições legislativas de 2015, não formará um
governo minoritário (Credo, não vai seguir o exemplo de Mário Soares em 1976,
nem o de António Guterres, em 1995 e em 1999; muito menos cometerá o erro de
Sócrates em 2009!). Formará um governo com apoio maioritário no Parlamento, para
o que necessitará de uma coligação interpartidária. E para se sentir mais
seguro, que o de nome já não lhe basta, promoverá um referendo interno entre os
militantes do partido para saber com que partido ou partidos poderá estabelecer
coligação.
Sendo uma opção radicalmente
democrática, ela apresenta problemas e contradições. Desde já, não é fácil a
Assembleia da República, o Presidente e o país ficarem “dependurados” durante
muito tempo entre as eleições e a formação de governo. A experiência de 1983 para
a coligação do chamado bloco central do PS/PSD, sob a égide de Mário Soares e
Carlos Mota Pinto, não deveria repetir-se pelo efeito de espera que provoca por
duas razões: em Portugal, quando muda o governo, a administração quase que
para, já que as direções-gerais e departamentos equivalentes não dispõem de
autonomia suficiente, resultante de projeto de desenvolvimento que funcione sem
a definição superior de políticas, mesmo que as propostas partam do âmbito de
diretor-geral; por outro lado, a Constituição preceitua que, entre a demissão
de governo e a posse do seguinte, o governo em exercício “limitar-se-á à
prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios
públicos” (vd CRP, art.º 186.º/5). Para mais, após as eleições de outubro de
2015, os portugueses confrontar-se-ão com nova pré-campanha e campanha eleitoral,
para as presidenciais de janeiro de 2016.
Nem vale a pena atermo-nos ao
caso da Alemanha, que esperou muito tempo, sem qualquer dano para administração,
por que o SPD decidisse, via referendo interno, se se coligaria ou não com a
CDU de Merkel; ou pela Bélgica, que esteve sem governo durante um ano ou mais,
sem quase se notar. Trata-se de outros países com outro ordenamento político-constitucional
e outra organização jurídico-administrativa.
Quanto ao PS de Seguro, uma
contradição se levanta: contará com o voto dos simpatizantes que reúnam determinadas
condições, para as primárias, que se destinam à escolha de um candidato a
governante, mas dispensa-os do tal seguro político de referendo, que se destina
a formatar e a consolidar a posição desse governante em momento difícil e
problemático. Por outro lado, já definiu que não excluirá ninguém, mas assegura
que não estabelecerá coligação com formações partidárias que não acompanhem o
PS na opção europeia, na manutenção do euro, no tratado orçamental – PCP e BE –
ficariam de fora – e no reforço do estado social (a atual direção do PSD, pelos
vistos não integraria o projeto governativo). A ver bem as coisas, parece que só
ficará de pé a hipótese de um CDS mais clarificada, o que parece pouco como ponto
de partida para um homem que pode querer formar governo, a menos que esteja convicto
de que não sairá ganhador em setembro próximo ou, eventualmente, em outubro do
próximo ano, caso em pode à vontade pré-definir tudo o que quiser. E lá se vai
a consistência do seguro do referendo.
E – louvado seja Deus – ficaremos
seguros de que com Seguro, tal como com Passos Coelho, não mais haverá
promiscuidade entre política e negócios, o que nos deixa a todos descansados.
***
Porém, se atentarmos no discurso
de António Costa, o discurso não é mais claro. Para lá da assunção dos erros do
passado, que não podem vir a repetir-se, assegura uma nova dinâmica europeia e a
articulação do euro com o crescimento económico e a criação de emprego, bem
como novas políticas de investimento. Também promete políticas salariais, a
definir no quadro da concertação social, e o aprofundamento da sustentabilidade
da segurança social, esbatendo o fosso social entre mais velhos e mais novos.
Também não quer governar em
minoria. Todavia, quem decide são os eleitores. E naturalmente promete o
estabelecimento de coligação interpartidária aberta a todas as formações, mas privilegiando
aquelas que se identifiquem com um programa de governo de consenso ou de compromisso
em torno do interesse nacional no concerto dos Estados-Membros da UE. Neste sentido,
promete proceder a uma leitura flexível do tratado orçamental, segundo a qual
se crê que alguns encargos não integrarão o défice anual, atendendo ao pendor
estrutural do défice consignado no tratado.
Pouco ou nada de concreto.
Talvez tenha razão Marcelo Rebelo
de Sousa quando opina que nem Seguro nem Costa abrirão muito o jogo até
setembro, dado que não será conveniente fornecer precocemente dados ao
adversário. E ambos os contendores garantem que o seu adversário é o PSD/CDS e
não qualquer formação setorial interna.
E assim vamos aguardando só com
meio seguro de referendo!
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