domingo, 17 de agosto de 2014

O Seguro do Referendo

É possível que António José Seguro saia vencedor das eleições primárias de setembro, que decidirão quem será o candidato do partido socialista ao cargo de primeiro-ministro em resultado das eleições legislativas de 2015. Também é possível que a escolha de militantes e simpatizantes ditem a vitória de António Costa.
Ambos os digladiadores partidários apostam – segundo o que já exprimiram claramente – na obtenção de maioria absoluta nas legislativas para poder formar-se um governo que desempenhe a sua função sem entraves parlamentares. E haverá um longo tempo de tréguas na relação com o Tribunal Constitucional. No caso de os eleitores não oferecerem a maioria dos mandatos na Assembleia da República ao partido socialista, haverá uma solução, mas cujos contornos ambos os ora candidatos definiram sem definir.
Desde que D. Dinis introduziu na vida relacional dos portugueses o figurino dos seguros, já vigentes nas ditas Repúblicas Italianas e herdados desde os tempos dos velhos chineses (Sempre os Chineses!), muitos contratos de seguro se têm celebrado. Vulgarizaram-se os seguros de automóvel (em várias modalidades), de viagem, de haveres (habitação, recheio, multirriscos, muros, riscos elétricos, águas, portões…), de vida, de saúde, de acidentes de trabalho, de acidentes pessoais, de colheitas, de crédito, de valores, de prestações pecuniárias, escolares, de eventos, de atividade marítima, de atividade comercial, de atividade agrícola, de exposições, etc.
Recentemente o Tó Zé, do PS, prometeu um seguro de referendo. Ou seja, se ele, enquanto candidato a primeiro-ministro não obtiver maioria absoluta nas eleições legislativas de 2015, não formará um governo minoritário (Credo, não vai seguir o exemplo de Mário Soares em 1976, nem o de António Guterres, em 1995 e em 1999; muito menos cometerá o erro de Sócrates em 2009!). Formará um governo com apoio maioritário no Parlamento, para o que necessitará de uma coligação interpartidária. E para se sentir mais seguro, que o de nome já não lhe basta, promoverá um referendo interno entre os militantes do partido para saber com que partido ou partidos poderá estabelecer coligação.
Sendo uma opção radicalmente democrática, ela apresenta problemas e contradições. Desde já, não é fácil a Assembleia da República, o Presidente e o país ficarem “dependurados” durante muito tempo entre as eleições e a formação de governo. A experiência de 1983 para a coligação do chamado bloco central do PS/PSD, sob a égide de Mário Soares e Carlos Mota Pinto, não deveria repetir-se pelo efeito de espera que provoca por duas razões: em Portugal, quando muda o governo, a administração quase que para, já que as direções-gerais e departamentos equivalentes não dispõem de autonomia suficiente, resultante de projeto de desenvolvimento que funcione sem a definição superior de políticas, mesmo que as propostas partam do âmbito de diretor-geral; por outro lado, a Constituição preceitua que, entre a demissão de governo e a posse do seguinte, o governo em exercício “limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos” (vd CRP, art.º 186.º/5). Para mais, após as eleições de outubro de 2015, os portugueses confrontar-se-ão com nova pré-campanha e campanha eleitoral, para as presidenciais de janeiro de 2016.
Nem vale a pena atermo-nos ao caso da Alemanha, que esperou muito tempo, sem qualquer dano para administração, por que o SPD decidisse, via referendo interno, se se coligaria ou não com a CDU de Merkel; ou pela Bélgica, que esteve sem governo durante um ano ou mais, sem quase se notar. Trata-se de outros países com outro ordenamento político-constitucional e outra organização jurídico-administrativa.
Quanto ao PS de Seguro, uma contradição se levanta: contará com o voto dos simpatizantes que reúnam determinadas condições, para as primárias, que se destinam à escolha de um candidato a governante, mas dispensa-os do tal seguro político de referendo, que se destina a formatar e a consolidar a posição desse governante em momento difícil e problemático. Por outro lado, já definiu que não excluirá ninguém, mas assegura que não estabelecerá coligação com formações partidárias que não acompanhem o PS na opção europeia, na manutenção do euro, no tratado orçamental – PCP e BE – ficariam de fora – e no reforço do estado social (a atual direção do PSD, pelos vistos não integraria o projeto governativo). A ver bem as coisas, parece que só ficará de pé a hipótese de um CDS mais clarificada, o que parece pouco como ponto de partida para um homem que pode querer formar governo, a menos que esteja convicto de que não sairá ganhador em setembro próximo ou, eventualmente, em outubro do próximo ano, caso em pode à vontade pré-definir tudo o que quiser. E lá se vai a consistência do seguro do referendo.
E – louvado seja Deus – ficaremos seguros de que com Seguro, tal como com Passos Coelho, não mais haverá promiscuidade entre política e negócios, o que nos deixa a todos descansados.
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Porém, se atentarmos no discurso de António Costa, o discurso não é mais claro. Para lá da assunção dos erros do passado, que não podem vir a repetir-se, assegura uma nova dinâmica europeia e a articulação do euro com o crescimento económico e a criação de emprego, bem como novas políticas de investimento. Também promete políticas salariais, a definir no quadro da concertação social, e o aprofundamento da sustentabilidade da segurança social, esbatendo o fosso social entre mais velhos e mais novos.
Também não quer governar em minoria. Todavia, quem decide são os eleitores. E naturalmente promete o estabelecimento de coligação interpartidária aberta a todas as formações, mas privilegiando aquelas que se identifiquem com um programa de governo de consenso ou de compromisso em torno do interesse nacional no concerto dos Estados-Membros da UE. Neste sentido, promete proceder a uma leitura flexível do tratado orçamental, segundo a qual se crê que alguns encargos não integrarão o défice anual, atendendo ao pendor estrutural do défice consignado no tratado.
Pouco ou nada de concreto.
Talvez tenha razão Marcelo Rebelo de Sousa quando opina que nem Seguro nem Costa abrirão muito o jogo até setembro, dado que não será conveniente fornecer precocemente dados ao adversário. E ambos os contendores garantem que o seu adversário é o PSD/CDS e não qualquer formação setorial interna.

E assim vamos aguardando só com meio seguro de referendo!

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