Com referência ao dia 17 de
agosto, a Comunicação Social noticiou o óbito do major-general António Elísio Capelo Pires
Veloso, um dos protagonistas do golpe militar de 25 de novembro de 1975 e que
ficou conhecido como o “vice-rei do Norte” e que atingira 88 anos de idade.
Fonte oficial do
Exército indicava que o militar de abril e de novembro falecera no polo do
Porto do Hospital das Forças Armadas, contra a imprecisão da generalidade da
imprensa que referia o Hospital Militar do Porto, que já não é.
O oficial general,
que estava internado há quase um mês, em razão de um acidente vascular cerebral, hipervalorizava
o seu papel e o dos comandos liderados Jaime Neves – em detrimento do de
Ramalho Eanes – nos acontecimentos do 25 de novembro, que puseram fim ao PREC.
O coronel Vasco
Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril e outro dos militares
diretamente envolvidos, lamentou ao DN a morte de “um amigo” que teve “um papel
muito controverso”, embora muito importante, naquele período.
O militar graduado em
oficial general, que foi Governador Militar de Lisboa e Comandante da Região
Militar de Lisboa na reta final do PREC e no período de pré-normalização das
Forças Armadas, comenta que “talvez o papel dele ainda esteja por estudar”, mas
o certo é que Pires Veloso “teve o seu papel na história de Portugal”. Contudo,
assinalou Vasco Lourenço – e este sabe do que fala, já que foi ele quem
garantiu a legitimidade da cadeia de comando entre o coronel Jaime Neves,
comandante do Regimento de Comandos, e o então general Costa Gomes, Presidente
da República e Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas – que um dos
pontos controversos em Pires Veloso é que “exagerava nas críticas e na forma
como as fazia em relação a Ramalho Eanes”. Com efeito, o antigo Comandante da
Região Militar do Norte chegou a declarar que Eanes nada fez no 25 de novembro,
muito menos terá sido um herói daquele momento. Também não terá apreciado as
declarações de Melo Antunes e de Vasco Lourenço atinentes à importância da existência
de um partido comunista nas democracias. Por outro lado, alguma Comunicação
Social afirmou, de forma leve, que Pires Veloso acabou com o PREC (processo
revolucionário em curso), o que não corresponde inteiramente à verdade, com
adiante se verá.
***
O percurso do militar
recentemente falecido é, em síntese, como segue:
António Elísio Capelo Pires Veloso nasceu em Gouveia a 10 de agosto de 1926, três meses
depois do triunfo da Revolução Nacional, que implantou a Ditadura Militar, a
que se seguiu a Ditadura Nacional e, depois em 1933, o Estado Novo.
Frequentou o Liceu
Nacional Alexandre Herculano (hoje, Escola Secundária de Alexandre Herculano e
sede do agrupamento de escolas do mesmo nome), na cidade do Porto, até 1944,
ano em que se matriculou no Curso de Preparatórios Militares da Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto. Com a idade de vinte anos, ingressou na
Escola do Exército (hoje, Academia Militar), onde concluiu o curso de ciências
militares no ramo de Infantaria, a que se seguiu o tirocínio na EPI – Escola
Prática de Infantaria, em Mafra. Em 1949, iniciou efetivamente a sua carreira
militar, como alferes em Macau,
onde permaneceu até 1951. Em 1961, com o eclodir da Guerra do Ultramar, passou
a prestar serviço militar em Angola, até 1964. Entre os anos de 1965 e 1974,
prestou serviço militar em Moçambique.
Após a revolução
abrilina, Pires Veloso, homem de confiança da Junta de Salvação Nacional e da
Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas, foi nomeado Governador
de São Tomé e Príncipe, passando, a 18 de dezembro do mesmo ano, a Alto-Comissário
para a sua descolonização, cargo que manteve até à independência do território,
a 12 de julho de 1975. Em
setembro do mesmo ano, foi
designado comandante da Região Militar do Norte, com quartel-general no Porto.
A sua nomeação para
o último cargo militar referido veio pôr cobro a um indescritível ambiente de
instabilidade, anarquia, armas por todo lado e pré-insurreição militar –
favorecido pelo comando do coronel graduado em brigadeiro Eurico Corvacho, comandante
da Região Militar do Norte desde março de 1975, que denunciara, enquanto chefe
do estado-maior da Região Militar do Norte, a existência do ELP – Exército de
Libertação de Portugal, constituído por forças militares, paramilitares e
políticas conotadas com a direita que se sentia marginalizada pela Revolução.
Ora, num
determinado momento, no quadro da formação de um punhado de militares
moderados, que, interpretando o sentimento geral, se organizaram em torno do
que se designou por grupo dos nove,
algumas unidades militares da área da Região Militar do Norte (nomeadamente as
sediadas em Lamego) aderiram à Região militar do Centro, com sede em Coimbra, a
qual tinha como comandante o oficial graduado em brigadeiro Franco Charais, tal
como a Região Militar do sul tinha como comandante o oficial graduado em
brigadeiro Pezarat Correia e a de Lisboa o general Vasco Lourenço.
Foi a conjugação de
esforços destes militares – com um manifesto, chamado documento dos nove, com o largo apoio dos militares moderados, CDS,
PSD e PS e Igreja Católica – que levou ao golpe de 25 de novembro de 1975, de
que um dos principais atores foi Pires Veloso, o cognominado como o vice-rei do
norte, por ter invertido a situação pela via da tomada de atitudes enérgicas de
subordinação militar, diálogo pacificador com as populações e cedência de
instalações militares subocupadas a instituições civis. Tudo ele preparou na
área da região sob o seu comando (congregando em torno da sua figura todas as
unidades militares da região militar) para que o golpe destinado a repor o
espírito abrilino tivesse êxito. No entanto, não pode o finado em major-general
(promovido, após o respetivo curso superior de comando e direção do Instituto
de Altos Estudos Militares em 1988, a este posto equivalente ao antigo de
brigadeiro) menosprezar o papel de outros, com especial destaque para Ramalho
Eanes, que teve um papel não muito visível, é certo, mas importantíssimo. É
que, no comando de um alargado número de militares e paramilitares, protegia a
retaguarda do Regimento de Comandos, que se bateu contra o Regimento da polícia
Militar, e estava pronto a intervir de forma mais exposta logo que tal se
revelasse necessário.
Foi todo o conjunto
de operações e a criação de ambiente a elas propício que impôs o términus do predito
PREC.
Naquele dia do mês
de novembro, em que Portugal esteve a um curto passo da guerra civil, o então
comandante da Região Militar do Norte mobilizou as suas tropas no apoio aos
“moderados”, para enfrentar os revolucionários radicais, disponibilizando-se
mesmo para acolher no Porto um governo provisório, caso fosse necessário. Em
reconhecimento da sua ação, passou a integrar o Conselho da Revolução desde aquela data até
1977, ano em que também terminou a sua missão de comandante da Região Militar
do Norte.
Este militar, que
no percurso aéreo da cidade de Lisboa para a do Porto, nos alvores do seu
comando militar da região, sofreu um acidente, em circunstâncias nunca
esclarecidas, que poderia ter sido fatal, também teve algumas declarações um
tanto truculentas ou de duvidosa moderação, como quando afirmou que isto ou vai
com os militares ou não vai a lado nenhum.
Talvez por isso os
militares do novo MFA tenham optado por dar maior visibilidade àquele que
estivera preparado para tudo e que nunca fora surpreendido em declarações
consideradas polémicas e levaram a que o general Costa Gomes, Presidente da República
e Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas – que tivera um importante
papel de comando militar e de negociação com as forças políticas mais
renitentes – designasse o tenente-coronel António dos Santos Ramalho Eanes como
Chefe do Estado Maior do Exército e o graduasse em general (posto que, ao contrário
de outros oficiais graduados em general, nunca perdeu por entretanto ter sido eleito
Presidente da República). E foram aqueles mesmos militares que o designaram
como candidato da área militar à Presidência da República para as eleições de 1976.
O próprio Dr Sá Carneiro, que iria propor, na competente reunião partidária, o
brigadeiro Pires Veloso como candidato apoiado pelo PSD (proposta concertada previamente
com o próprio militar), mudou de perspetiva, por sugestão de militantes que
sabiam da posição dos militares do Conselho da Revolução (para o que se apressou
a comunicar telefonicamente o facto ao vice-rei do Norte). E assim o PSD foi a
primeira força partidária a anunciar publicamente o apoio à candidatura do general
Ramalho Eanes, que foi eleito com os votos dos partidos à direita do PCP e
acumulou com aquelas funções as de Chefe de Estado Maior General das Forças
Armadas.
Porém, Pires Veloso
candidatou-se a Presidente da República
Portuguesa, sem apoio partidário, nas eleições
de 1980 (Era o general Soares Carneiro o candidato da Aliança Democrática –
PSD/CDS/PPM), mas não obteve mais do que 0,78% dos votos, num sufrágio
em que foi reeleito Ramalho Eanes, com apoios
à esquerda do PSD e, dada a índole civil da atual candidatura, deixou o cargo
de Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas para o general Melo
Egídio.
No dia 25 de abril
de 2006, foi agraciado pelo então Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, com a Medalha Municipal de Mérito
(Grau Ouro), pelo seu “desempenho militar” e “papel fundamental na consolidação
da democracia nacional durante o período em que comandou a Região Militar do
Norte”.
Publicou o livro Vice-rei do Norte: memórias e
revelações, em 2009, em que garante que escreveu da mesma forma que viveu, sem papas na língua e olhos nos olhos.
Pires Veloso era irmão mais novo de Aureliano Veloso, o primeiro presidente da
Câmara Municipal do Porto eleito democraticamente após o 25 de abril de 1974, e
tio do cantor Rui Veloso.
Segundo a revista Visão, de 21 de agosto, fizera
recentemente uma analogia entre o PREC, de 1975, e a atualidade: “Tal como
naquele período, a situação atual é de anarquia, aparentemente menos violenta,
mas mais insidiosa”.Haja, já não um grupo dos 9, mas do das 90 vezes nove, para sairmos do raio deste PREC!
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