sábado, 23 de agosto de 2014

Sobre a morte do major general Pires Veloso

Com referência ao dia 17 de agosto, a Comunicação Social noticiou o óbito do major-general António Elísio Capelo Pires Veloso, um dos protagonistas do golpe militar de 25 de novembro de 1975 e que ficou conhecido como o “vice-rei do Norte” e que atingira 88 anos de idade.
Fonte oficial do Exército indicava que o militar de abril e de novembro falecera no polo do Porto do Hospital das Forças Armadas, contra a imprecisão da generalidade da imprensa que referia o Hospital Militar do Porto, que já não é.
O oficial general, que estava internado há quase um mês, em razão de um acidente vascular cerebral, hipervalorizava o seu papel e o dos comandos liderados Jaime Neves – em detrimento do de Ramalho Eanes – nos acontecimentos do 25 de novembro, que puseram fim ao PREC.
O coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril e outro dos militares diretamente envolvidos, lamentou ao DN a morte de “um amigo” que teve “um papel muito controverso”, embora muito importante, naquele período.
O militar graduado em oficial general, que foi Governador Militar de Lisboa e Comandante da Região Militar de Lisboa na reta final do PREC e no período de pré-normalização das Forças Armadas, comenta que “talvez o papel dele ainda esteja por estudar”, mas o certo é que Pires Veloso “teve o seu papel na história de Portugal”. Contudo, assinalou Vasco Lourenço – e este sabe do que fala, já que foi ele quem garantiu a legitimidade da cadeia de comando entre o coronel Jaime Neves, comandante do Regimento de Comandos, e o então general Costa Gomes, Presidente da República e Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas – que um dos pontos controversos em Pires Veloso é que “exagerava nas críticas e na forma como as fazia em relação a Ramalho Eanes”. Com efeito, o antigo Comandante da Região Militar do Norte chegou a declarar que Eanes nada fez no 25 de novembro, muito menos terá sido um herói daquele momento. Também não terá apreciado as declarações de Melo Antunes e de Vasco Lourenço atinentes à importância da existência de um partido comunista nas democracias. Por outro lado, alguma Comunicação Social afirmou, de forma leve, que Pires Veloso acabou com o PREC (processo revolucionário em curso), o que não corresponde inteiramente à verdade, com adiante se verá.
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O percurso do militar recentemente falecido é, em síntese, como segue:
António Elísio Capelo Pires Veloso nasceu em Gouveia a 10 de agosto de 1926, três meses depois do triunfo da Revolução Nacional, que implantou a Ditadura Militar, a que se seguiu a Ditadura Nacional e, depois em 1933, o Estado Novo.
Frequentou o Liceu Nacional Alexandre Herculano (hoje, Escola Secundária de Alexandre Herculano e sede do agrupamento de escolas do mesmo nome), na cidade do Porto, até 1944, ano em que se matriculou no Curso de Preparatórios Militares da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Com a idade de vinte anos, ingressou na Escola do Exército (hoje, Academia Militar), onde concluiu o curso de ciências militares no ramo de Infantaria, a que se seguiu o tirocínio na EPI – Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Em 1949, iniciou efetivamente a sua carreira militar, como alferes em Macau, onde permaneceu até 1951. Em 1961, com o eclodir da Guerra do Ultramar, passou a prestar serviço militar em Angola, até 1964. Entre os anos de 1965 e 1974, prestou serviço militar em Moçambique.
Após a revolução abrilina, Pires Veloso, homem de confiança da Junta de Salvação Nacional e da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas, foi nomeado Governador de São Tomé e Príncipe, passando, a 18 de dezembro do mesmo ano, a Alto-Comissário para a sua descolonização, cargo que manteve até à independência do território, a 12 de julho de 1975. Em setembro do mesmo anofoi designado comandante da Região Militar do Norte, com quartel-general no Porto.
A sua nomeação para o último cargo militar referido veio pôr cobro a um indescritível ambiente de instabilidade, anarquia, armas por todo lado e pré-insurreição militar – favorecido pelo comando do coronel graduado em brigadeiro Eurico Corvacho, comandante da Região Militar do Norte desde março de 1975, que denunciara, enquanto chefe do estado-maior da Região Militar do Norte, a existência do ELP – Exército de Libertação de Portugal, constituído por forças militares, paramilitares e políticas conotadas com a direita que se sentia marginalizada pela Revolução.
Ora, num determinado momento, no quadro da formação de um punhado de militares moderados, que, interpretando o sentimento geral, se organizaram em torno do que se designou por grupo dos nove, algumas unidades militares da área da Região Militar do Norte (nomeadamente as sediadas em Lamego) aderiram à Região militar do Centro, com sede em Coimbra, a qual tinha como comandante o oficial graduado em brigadeiro Franco Charais, tal como a Região Militar do sul tinha como comandante o oficial graduado em brigadeiro Pezarat Correia e a de Lisboa o general Vasco Lourenço.
Foi a conjugação de esforços destes militares – com um manifesto, chamado documento dos nove, com o largo apoio dos militares moderados, CDS, PSD e PS e Igreja Católica – que levou ao golpe de 25 de novembro de 1975, de que um dos principais atores foi Pires Veloso, o cognominado como o vice-rei do norte, por ter invertido a situação pela via da tomada de atitudes enérgicas de subordinação militar, diálogo pacificador com as populações e cedência de instalações militares subocupadas a instituições civis. Tudo ele preparou na área da região sob o seu comando (congregando em torno da sua figura todas as unidades militares da região militar) para que o golpe destinado a repor o espírito abrilino tivesse êxito. No entanto, não pode o finado em major-general (promovido, após o respetivo curso superior de comando e direção do Instituto de Altos Estudos Militares em 1988, a este posto equivalente ao antigo de brigadeiro) menosprezar o papel de outros, com especial destaque para Ramalho Eanes, que teve um papel não muito visível, é certo, mas importantíssimo. É que, no comando de um alargado número de militares e paramilitares, protegia a retaguarda do Regimento de Comandos, que se bateu contra o Regimento da polícia Militar, e estava pronto a intervir de forma mais exposta logo que tal se revelasse necessário.
Foi todo o conjunto de operações e a criação de ambiente a elas propício que impôs o términus do predito PREC.
Naquele dia do mês de novembro, em que Portugal esteve a um curto passo da guerra civil, o então comandante da Região Militar do Norte mobilizou as suas tropas no apoio aos “moderados”, para enfrentar os revolucionários radicais, disponibilizando-se mesmo para acolher no Porto um governo provisório, caso fosse necessário. Em reconhecimento da sua ação, passou a integrar o Conselho da Revolução desde aquela data até 1977, ano em que também terminou a sua missão de comandante da Região Militar do Norte.
Este militar, que no percurso aéreo da cidade de Lisboa para a do Porto, nos alvores do seu comando militar da região, sofreu um acidente, em circunstâncias nunca esclarecidas, que poderia ter sido fatal, também teve algumas declarações um tanto truculentas ou de duvidosa moderação, como quando afirmou que isto ou vai com os militares ou não vai a lado nenhum.
Talvez por isso os militares do novo MFA tenham optado por dar maior visibilidade àquele que estivera preparado para tudo e que nunca fora surpreendido em declarações consideradas polémicas e levaram a que o general Costa Gomes, Presidente da República e Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas – que tivera um importante papel de comando militar e de negociação com as forças políticas mais renitentes – designasse o tenente-coronel António dos Santos Ramalho Eanes como Chefe do Estado Maior do Exército e o graduasse em general (posto que, ao contrário de outros oficiais graduados em general, nunca perdeu por entretanto ter sido eleito Presidente da República). E foram aqueles mesmos militares que o designaram como candidato da área militar à Presidência da República para as eleições de 1976. O próprio Dr Sá Carneiro, que iria propor, na competente reunião partidária, o brigadeiro Pires Veloso como candidato apoiado pelo PSD (proposta concertada previamente com o próprio militar), mudou de perspetiva, por sugestão de militantes que sabiam da posição dos militares do Conselho da Revolução (para o que se apressou a comunicar telefonicamente o facto ao vice-rei do Norte). E assim o PSD foi a primeira força partidária a anunciar publicamente o apoio à candidatura do general Ramalho Eanes, que foi eleito com os votos dos partidos à direita do PCP e acumulou com aquelas funções as de Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas.
Porém, Pires Veloso candidatou-se a Presidente da República Portuguesa, sem apoio partidário, nas eleições de 1980 (Era o general Soares Carneiro o candidato da Aliança Democrática – PSD/CDS/PPM), mas não obteve mais do que 0,78% dos votos, num sufrágio em que foi reeleito Ramalho Eanes, com apoios à esquerda do PSD e, dada a índole civil da atual candidatura, deixou o cargo de Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas para o general Melo Egídio. 
No dia 25 de abril de 2006, foi agraciado pelo então Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, com a Medalha Municipal de Mérito (Grau Ouro), pelo seu “desempenho militar” e “papel fundamental na consolidação da democracia nacional durante o período em que comandou a Região Militar do Norte”. 
Publicou o livro Vice-rei do Norte: memórias e revelações, em 2009, em que garante que escreveu da mesma forma que viveu, sem papas na língua e olhos nos olhos. Pires Veloso era irmão mais novo de Aureliano Veloso, o primeiro presidente da Câmara Municipal do Porto eleito democraticamente após o 25 de abril de 1974, e tio do cantor Rui Veloso.
Segundo a revista Visão, de 21 de agosto, fizera recentemente uma analogia entre o PREC, de 1975, e a atualidade: “Tal como naquele período, a situação atual é de anarquia, aparentemente menos violenta, mas mais insidiosa”.
Haja, já não um grupo dos 9, mas do das 90 vezes nove, para sairmos do raio deste PREC!

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