sexta-feira, 15 de agosto de 2014

14 de agosto – S. Maximiliano Maria Kolbe, mártir do nazismo

O 14 de agosto é para os portugueses o memorável dia da Batalha de Aljubarrota, em 1385, travada entre o exército invasor castelhano e o exército português, comandado por D. João I e D. Nuno Álvares Pereira, hoje S. Nuno de Santa Maria. Em sua memória D. João mandou edificar o Mosteiro da Batalha, dedicado a Santa Maria da Vitória, cuja comemoração se fazia neste dia de agosto. Por seu turno, o Exército Português celebra hoje o dia da sua Infantaria.
Estando no olvido as contendas com o território castelhano e diafanizadas as quezílias entre os dois Estados ibéricos, queria, embora sem negar a vertente nacional de opções, apresentar um exemplo dos malefícios da tentação hegemónica da contemporaneidade, tão hegemónica que pretendia absurdamente depurar o mundo de todas as raças, reservando o exclusivo existencial para a dita raça ariana.
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Do martírio de Maximiliano Kolbe no campo de Auschwitz, distrito de Cracóvia, muito se sabe e comenta. Porém, é quase desconhecida a sua vida de lúcidos e ousados empreendimentos apostólicos, fruto de um espírito de largos horizontes, eivado de extremosa devoção à Virgem Maria.
A Polónia de fins do séc. XIX e início do XX, como toda a Europa e América, achava-se em plena prosperidade, aliada ao laicismo de mentes e costumes. A sociedade deliciava-se no esplendor eufórico da Belle Époque, de fartura e conforto, mais preocupada com o gozo da vida do que com o atinente à Religião. É neste ambiente que nasce Raimundo Kolbe, a 8 de janeiro de 1894, na cidade polaca de Zduńska Wola, recebendo no mesmo dia o Batismo.
Os pais, Júlio Kolbe e Maria Dabrowska, eram cristãos genuínos e fiéis devotos da Virgem Maria. Dos seus cinco filhos, dois faleceram na infância e os outros abraçaram a vida religiosa.
Criança viva e travessa, Raimundo recebe, certo dia, uma repreensão materna que lhe marca a vida, tornando-se devoto de Maria, aos 10 anos. Tivera uma visão da Mãe de Deus, que mostrava em Suas mãos duas coroas, uma branca e outra vermelha. Sorrindo maternalmente, ter-lhe-á perguntado qual escolhia: a branca, da perseverança na castidade; e a vermelha, do martírio. Raimundo optou por ambas. Surgiu-lhe, então, por graça da Imaculada Conceição de Maria, a vocação à vida religiosa, na modalidade de franciscano; e, aos 13 anos, começou os estudos no seminário menor dos frades conventuais, em Lwóv, junto com seu irmão mais velho, o Francisco.
Na escola, gostava de matemática, ciências e estratégias militares. Xadrez era o jogo preferido. Desenvolveu projetos de foguetes, montava rádios e outros aparelhos. Mas, no início da guerra, viu o pai decidir-se a combater contra os russos, o que lhe dará prisão e enforcamento, o que Raimundo soube somente em 1919 e pelo que a mãe se recolheu a um convento beneditino.
Aos 16 anos, foi admitido no noviciado, escolhendo o nome de Maximiliano, em honra do grande mártir africano – hoje opção encarada como prenúncio do seu futuro.
Como o pai, Raimundo sonha defender a Polónia, quer lutar pela pátria, defender seus irmãos. E, antes de entrar no noviciado, em 1910, entra em crise vocacional. A dúvida persegue-o a tal ponto que decide não só deixar a Ordem Franciscana, como convence Francisco, seu irmão, a ir com ele. Estavam prontos para conversar com o reitor, quando ambos recebem uma visita inesperada. Era a mãe, Maria Dabroska, que contava para os filhos que também o irmão mais novo, o José, entraria no convento. Eles, vendo nisto um sinal do Alto, optam pela vida consagrada e, a partir deste dia, Maximiliano canaliza as suas forças e estratégias militares para “conquistar” almas para o reino de Deus.
No ano seguinte, emitiu votos simples. Mercê da sua privilegiada inteligência, decidiram os superiores mandá-lo para Roma, para prosseguir os estudos no Colégio Seráfico Internacional dos franciscanos e, depois, cursar filosofia na Universidade Gregoriana. Apesar da objeção que apresentou pelo facto de ouvir falar da dificuldade em se manter a castidade em Roma, lá marchou em nome da santa obediência. E, completados os estudos, fez a sua profissão solene a 1 de novembro de 1914, acrescentando ao seu nome religioso o de Maria.
Em Roma, Maximiliano Maria Kolbe chocou-se com a insolência dos ataques dos inimigos da Igreja, sem proporcionada resposta dos católicos. Decidiu-se então pela entrada na polémica ainda antes da ordenação presbiteral. Reunindo em torno de si seis condiscípulos, fundou, em 1917, a associação apostólica “Milícia de Maria Imaculada”, cujos estatutos enunciavam como objetivos primordiais: a conversão dos pecadores, inclusive dos inimigos da Igreja, e a santificação de todos os seus membros, sob a proteção de Maria Imaculada. Nela admitiu apenas jovens destemidos e verdadeiramente dispostos a acompanhá-lo nessa missão, com o designativo de Cavaleiros de Vanguarda.
Nas atas da sua ordenação sacerdotal, a 28 de abril de 1918, ficou bem gravada a sua sede de almas. Na manhã seguinte, quis celebrar a primeira Missa no altar da Madonna del Miraccolo, na igreja de Sant'Andrea delle Fratte, onde se dera o notável episódio com Afonso Maria Ratisbonne, em 1842: ante a aparição da Virgem, ajoelhara-se judeu e levantara-se católico, numa conversão miraculosa e instantânea. E, na agenda das Missas dos primeiros dias de sacerdote, o padre Kolbe escreveu que queria celebrar o Santo Sacrifício para “impetrar a conversão dos pecadores e a graça de ser apóstolo e mártir”.
Voltando à Polónia em 1919, esteve internado num sanatório devido a problemas de saúde. Logo que se restabeleceu, fundou o jornal mensal da sua associação, Cavaleiro da Imaculada, colocando o progresso técnico em matéria gráfica, ao serviço da fé. Na véspera do lançamento do mensário, reuniu operários, colaboradores e redatores – ao todo 327 pessoas – que passaram o dia em oração e oração, organizando à noite uma piedosa vigília de Adoração ao Santíssimo Sacramento e de oração à Santíssima Virgem, para que abençoassem esse empreendimento. Na noite seguinte, as rotativas imprimiram o primeiro número do periódico, filho dessas orações. Grande impulso conheceu a obra em 1927, quando o príncipe João Drucko-Lubecki cedeu ao Padre Maximiliano um terreno situado a 40 quilómetros de Varsóvia, onde o religioso começou a construir uma Niepokalanów ou Cidade de Maria. Planeava edificar um enorme convento com novas instalações para a sua obra de imprensa. Ao dinheiro Maria havia de prover, já que a obra era dela e de seu Filho.
Assim, em 1939, o jornal tinha já a tiragem de um milhão de exemplares, e a ele se haviam juntado outros dezassete periódicos de menor porte, além de uma emissora radiofónica. A Cidade de Maria contava com 762 habitantes, sendo 13 sacerdotes, 18 noviços, 527 irmãos leigos, 122 seminaristas menores e 82 candidatos ao sacerdócio. Nela habitavam também médicos, dentistas, agricultores, mecânicos, alfaiates, construtores, impressores, jardineiros e cozinheiros, além de um corpo de bombeiros.
O que alimentava o dinamismo da obra era a piedade que incutia nos colaboradores. Sua mola propulsora era o amor militante a Maria Imaculada e à Eucaristia. Neste Sacramento, residia a fonte da fecundidade da ação e edificação, pelo que instituiu a Adoração Perpétua em Niepokalanów, e ele mesmo iniciava todos os trabalhos com um ato de adoração eucarística.
Em sua ânsia de expandir por todo o orbe a sua obra de evangelização, decidiu fazer uma incursão pelo Oriente, pois queria editar a sua revista nos mais diversos idiomas para atingir as almas de todo o globo, aspirando mesmo a ter uma Cidade de Maria em cada país. Conseguiu fundar uma em Nagasaki, no Japão. Em 1930, a Niepokalanów japonesa dispunha já de tipografia onde foram impressos os primeiros dez mil exemplares de “Cavaleiro da Imaculada” no idioma dos samurais. E lá se mantém a obra com trabalhadores nativos e muitos sacerdotes.
Mais tarde, antes dos desastres da Segunda Grande Guerra, contou a seus religiosos uma graça mística que recebera em terras nipónicas. No refeitório da Cidade de Maria, depois de um jantar, disse-lhes que ia morrer e que eles iam ficar, que lhe fora prometido o paraíso com toda a segurança, quando estava no Japão.
A eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, deixou a Cidade de Maria muito exposta a riscos, pois situava-se nas imediações da estrada de Potsdam a Varsóvia, rota provável de provável invasão nazi. Tendo a prefeitura de Varsóvia ordenado a pronta evacuação da zona, Maximiliano conseguiu, não obstante, um lugar seguro para todos os irmãos e permaneceu ali com cinquenta dos seus colaboradores mais imediatos. Em setembro, as tropas invasoras levaram-nos presos para Amtitz. Porém, na festa da Imaculada, a 8 de dezembro, foram todos libertados e voltaram para a sua Niepokalanów, transformando-a em refúgio e hospital para feridos de guerra, prófugos e judeus.
Retomaram também o labor apostólico, pois os invasores permitiram ao padre Kolbe continuar com suas publicações, à cata de pretexto para lhe acabar com o apostolado. Com grande coragem, escreveu ele no último número de Cavaleiro da Imaculada, as seguintes palavras, de admirável honestidade intelectual e integridade de convicções: 
Ninguém no mundo pode mudar a verdade. O que podemos fazer é procurá-la e servi-la quando a tenhamos encontrado. O conflito real de hoje é um conflito interno. Mais além dos exércitos de ocupação e das hecatombes dos campos de extermínio, há dois inimigos irreconciliáveis no mais profundo de cada alma: o bem e o mal, o pecado e o amor. De que nos adiantam vitórias nos campos de batalha, se somos derrotados no mais profundo de nossas almas?”.
A propósito disso, em fevereiro de 1941, a Gestapo irrompeu na Cidade de Maria e levou presos o Kolbe e outros quatro frades, os mais anciãos. Na prisão de Pawiak, em Varsóvia, foi submetido a injúrias e vexações e, depois, trasladado para o campo de Auschwitz.
Começaram para o mártir as estações de sua via crucis. Passou a primeira noite numa sala com outros 320 prisioneiros. Na manhã seguinte, foram desnudados, lavados com jactos de água gelada, recebendo cada qual uma jaqueta com o número. Coube-lhe o 16.670. Quando o oficial viu o seu hábito de religioso, ficou irritado. Arrancando-lhe violentamente do pescoço o Crucifixo, gritou-lhe, “E tu acreditas nisto?” Ante a categórica resposta afirmativa, deu-lhe uma “valente” bofetada! Por três vezes repetiu a pergunta e por três vezes o religioso confessou sua fé, recebendo o mesmo ultraje. A exemplo dos Apóstolos, São Maximiliano dava graças a Deus por ser digno de sofrer por Cristo: “Eles saíram da sala do Grande Conselho, cheios de alegria, por terem sido achados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus (At 5,41). A Virgem Maria não o abandonou um instante sequer.
Ao entrar no campo de concentração, os guardas faziam revista minuciosa as prisioneiros e tiravam-lhes todos os objetos pessoais. Entretanto, o soldado que revistou o padre Kolbe devolveu-lhe o rosário, dizendo, “Tome o seu rosário. E vá lá para dentro”! – o que o padre entendeu como sorriso de Nossa Senhora a dizer-lhe que estaria sempre com ele.
São conhecidos os demais episódios que se deram no campo do extermínio: o comportamento do franciscano, a infatigável atividade apostólica em cada bloco para onde era mandado, etc.
No final de julho de 1941, foi transferido para o Bloco 14, cujos prisioneiros faziam trabalhos agrícolas. Tendo um deles fugido, dez dos outros, tirados à sorte, foram condenados ao “bunker da morte”: um subterrâneo de pequenas dimensões onde eram jogados desnudos e permaneciam sem bebida e sem alimento à espera da morte. Ante o desespero daqueles infelizes, o padre Maximiliano ofereceu-se para ficar em lugar de um deles, pai de família, o que foi aceite pronta e friamente. O ódio dos esbirros ao religioso era notório, mas ficaram estupefactos ao verificarem até onde chega a coragem, a fortaleza e o heroísmo de um padre católico, cuja fisionomia revelava um varão na força do termo. Sem dúvida, movia-o a caridade autêntica para com o conterrâneo, mas outra razão meritória o levou a tomar tal decisão: o ensejo de ajudar aqueles condenados a terem uma boa morte, salvando as suas almas.
Fechado o bunker, ficava para sempre cortado para eles o contacto com o exterior. Naquelas terríveis horas, sem outra expectativa que a da morte, tratava-se de cada qual pôr em ordem a consciência. Perante o medo da morte, do juízo divino, do sofrimento e na tentação de desespero, é natural que fosse entendida como privilegio a companhia de um sacerdote santo! Graças a ele, do bunker da morte se fez capela de oração e de cântico, embora com vozes cada dia mais débeis. Três semanas depois, restavam vivos somente quatro. As autoridades, julgando prolongar-se demasiado a situação, decidiram aplicar-lhes a injeção letal de ácido muriático.
Kolbe foi o último a morrer naquele subterrâneo pavoroso. Estendeu espontaneamente o braço à injeção. Momentos depois, um funcionário do campo encontrou-o morto “com os olhos abertos e a cabeça inclinada. O seu rosto, sereno e belo, estava radiante”. Era o dia 14 de agosto de 1941, véspera da Assunção de Maria, assimilada ao Cristo triunfante da morte.
A 10 de outubro de 1982, na Praça de São Pedro, a multidão de mais de 200 mil pessoas ouvia o Papa polaco declarar mártir este sacerdote franciscano, que não só morreu para salvar uma vida, mas sobretudo vivera para salvar muitas almas – ele que jamais se cansava de dizer: “Não tenhais medo de amar demasiado a Imaculada; jamais poderemos igualar o amor que teve por Ela o próprio Jesus: e imitar Jesus é nossa santificação.
Como afirmou João Paulo II ao canonizá-lo, “a inspiração de toda a sua vida foi a Imaculada, a quem confiava o seu amor a Cristo e o seu desejo de martírio”.
Referências:  http://pt.wikipedia.org/wiki/Mil%C3%ADcia_da_Imaculada, ac agosto 2014; Leite, J.; Coelho, A. (2005). Santos de Todos os Dias. Vol. de julho. Matosinhos: Quid novi; Sacra Congregatio pro Cultu Divino (1989). Liturgia das Horas, VI. Coimbra: Gráfica de Coimbra.

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