domingo, 10 de agosto de 2014

Sobre a ferocidade indomável da Guerra

Contemporaneamnete, é difícil encontrar alguém que não evidencie, no discurso, os horrores da guerra. Todos querem a paz, mas poucos lutam o suficiente por ela, talvez porque pouco se investe na educação com, pela e para a paz. Vulgarizam-se os filmes de terror e os jogos de guerra. A sociedade é fortemente competitiva, conflituosa e marcada pela inveja, pela concupiscência e pela soberba.
Está visto que os apelos à paz, a proposta de educação pelos e para os valores e os exemplos de solidariedade não têm sido suficientes para travar os conflitos, conflitos que têm cada vez maior dificuldade em circunscrever-se ao nível local. As querelas regionais são demasiado graves para que não se tema a sua extensão ao mundo global dos homens.
A História dos povos – mesmo a bíblica ou a alcorânica – é marcada pela conquista, pela invasão, pelo assalto, pelo ataque e pela alegada necessidade de defesa.
Evoluiu a estratégia, evoluíram as técnicas, evoluíram as táticas. Da pedra, do pau, dos instrumentos de ferro e da funda passou-se às diversas armas brancas, de fogo e mistas (sicas, punhais, espadas lanças; pistolas, carabinas, espingardas (com ou sem sabre-baioneta), metralhadoras, pistolas-metralhadoras). Usou-se o pelouro, a catapulta, o aríete, a artilharia (ligeira, pesada e de costa), com canhões de recuo ou não; lançam-se os foguetes, os very lights, as granadas, os dilagramas, os petardos, os torpedos, as bombas, inflama-se o cordão detonador. Dos cavalos e elefantes passou-se a carros de combate; usam-se navios e aviões de guerra, submarinos, torpedeiros, contratorpedeiros e porta-aviões. Da pólvora caminhou-se para a dinamite e gelamonite.
Fazia-se a guerra por terra e por mar; no dealbar do século XX, passou a fazer-se também pelos ares. São as guerras civis, as de secessão, as de autodeterminação e de independência, as das especiarias, as do petróleo, as religiosas, as económicas, as de fronteiras, as ideológicas, as passionais e todas aquelas que os interesses e as paixões ditarem.
E a primeira Guerra Mundial inventou as armas químicas, ao passo que a segunda inventou as armas atómicas. Hoje, teme-se a guerra nuclear, mas disparam-se mísseis e antimísseis.
Dantes, havia as trincheiras; agora, as minas e armadilhas. Dantes, as tréguas habitualmente respeitadas; agora, o cessar-fogo, cobardemente violado. Dantes, a guerra convencional, com a definição de um mínimo de regras, nomeadamente o respeito possível por civis, o respeito por entidades neutras (Cruz Vermelha, ONU…), o ataque exclusivo a objetivos militares e a homens fardados; agora, a invenção de pretexto, a emboscada, a guerrilha, o bombardeamento aleatório (recentemente também o cirúrgico), o terrorismo, os homens-bomba, os carros-bomba, o ataque a edifícios civis, a utilização de civis, mesmo crianças e mulheres, colocados como escudo humano e impedidos de se deslocarem. Multiplica-se a destruição de património edificado e natural, inutilizam-se os solos aráveis, crescem as ondas de refugidos, tantas vezes sem destino, utilizam-se os meninos-soldados. Que infâmia!
A seguir à Primeira Grande Guerra (1914-18) ou I Guerra Mundial, criou-se a Sociedade das Nações, para preservar o mundo da guerra; depois da Segunda Grande Guerra (1939-45) ou II Guerra Mundial, criou-se a ONU (Organização das Nações Unidas), para estabelecer as condições de Paz, através de diversos departamentos que apontam para organização, desenvolvimento e educação.
Apesar de todos os esforços e apelos, a solução não parece estar à vista. O Papa faz apelos, convida os líderes da beligerância para oração comum e eles rezam, prometendo esforços pela paz – mas a guerra continua, tal como a vida, com mais apoios e suportes. Os romanos pontífices escreveram encíclicas e difundiram radiomensagens, os concílios falaram, já se celebrou o XLVII Dia Mundial da Paz. O Comité Nobel atribui regularmente o Prémio Nobel da Paz. E agora, que mais?
Talvez a matrícula na escola da Bíblia e a sua frequência com aproveitamento de “excelente” possam dar uma ajuda, já que “Bem-aventurados serão os que fazem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9); e “Quão formosos são, sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina!” (Is 52,7).
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De relance, veja-se o que disse e escreveu, em pleno século XVII, o Padre António Vieira:

“É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro”.
(“Sermão Histórico e Panegírico nos Anos da Rainha D. Maria Francisca de Saboia”, II)

Sempre a guerra foi deplorável, com saques, incêndios, devastações, violações, torturas sobre prisioneiros, morticínio à vista (recentemente, fuzilamento e cadeira elétrica) e perseguição aos pretensos inimigos. Porém, hoje a guerra é infinitamente pior, pelas vítimas mortais que faz, pelos estropiamentos que provoca, pelo pânico que cria, pelo terror que inspira – é a componente psicológica da guerra que mais traumas cria e maiores sequelas deixa.
A este respeito, é urgente ouvir e acolher as palavras do Papa Francisco (nem é por ser Francisco, mas por ser o porta-voz da lucidez), que reforçam o lancinante apelo à paz no Iraque e lembram os cristãos perseguidos “de forma brutal”, sobretudo os cristãos em fuga que se refugiavam numa igreja iraquiana (segundo a agência Lusa).
De acordo com a agência Ecclesia, que cita os serviços de informação da Cidade do Vaticano, o Papa Francisco reforçou hoje os seus apelos pela paz no Iraque e evocou as populações cristãs perseguidas no norte deste país pelos militantes do grupo extremista sunita do Estado Islâmico do Iraque e do Levante: “As notícias que chegam do Iraque deixam-nos incrédulos e desanimados – milhares de pessoas, entre elas muitos cristãos, expulsos das suas casas de forma brutal; crianças mortas de sede e de fome, durante a fuga; mulheres sequestradas; violências de todos os tipos; destruição de património religioso, histórico e cultural”.
Nas palavras do Papa, esta situação “ofende gravemente Deus e a humanidade”.
“Não se leva o ódio em nome de Deus, não se faz a guerra em nome de Deus”, bradou o Pontífice perante quem o escutava na oração do Angelus.
Francisco, por outro lado, agradeceu aos que estão a ajudar as populações iraquianas e pediu uma “solução política eficaz a nível internacional e local” para travar os jihadistas, acabar com os “crimes” e “restabelecer o Direito”.
O Papa recordou a informação de que nesta segunda-feira, dia 11, vai partir para o Iraque o cardeal Fernando Filoni, antigo núncio no país, como seu enviado pessoal, a fim de “assegurar melhor” às populações a sua “proximidade”.
A intervenção papal verberou também o regresso da guerra a Gaza, “após uma trégua” precária, considerando que os combates provocam “vítimas inocentes e mais não fazem do que piorar o conflito entre israelitas e palestinos”.
Francisco apelou à oração ao “Deus da paz” e rezou também pelas “vítimas do vírus ébola” (outro tipo de guerra pela vida) e por todos os que estão a “lutar para o travar”.
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Todavia, ao invés do que a minha reflexão aparentava vir a insinuar, não podemos baixar os braços da ação nem fechar os lábios orantes. Na tradicional catequético-paranética por ocasião do Angelus, o Papa apresentou a imagem da Igreja como uma embarcação que “tem de enfrentar tempestades, parecendo, por vezes, estar prestes a afundar-se”, mas nunca deixando instalar a dúvida. Porém, “aquilo que a salva não é a qualidade ou a coragem dos seus homens, mas a fé, que permite caminhar mesmo na escuridão, no meio das dificuldades. A fé dá-nos a certeza da presença de Jesus sempre ao nosso lado, da sua mão que nos segura para tirar-nos dos perigos”.
No entanto, como referia o sacerdote que presidiu à celebração eucarística transmitida pela Rádio Renascença, não basta que Deus estenda a mão; é necessário que o homem se agarre à mão de Deus e se comprometa a caminhar segundo as indicações do mesmo Deus.
E o Papa vai à Coreia do Sul, sendo um dos propósitos da viagem a “reconciliação e a paz” e tendo como gesto principal a Missa de Encerramento. Segundo a agência Ecclesia, o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé referiu aos jornalistas, a 8 de agosto, na conferência de imprensa de apresentação da viagem à Coreia do Sul, que a reconciliação e a paz entre as duas Coreias é um dos temas principais da viagem do Papa e acrescentou que o Vaticano, na península coreana, é representado pelo cardeal de Seul, que é também o vigário apostólico de Pyongyang. “Consequentemente, em si, é a autoridade eclesiástica competente para esta área. Portanto, não é necessária uma intervenção do Vaticano para dizer o que precisa de ser feito em Pyongyang”, explicitou.
O padre Frederico Lombardi sobre as autoridades de Pyongyang, Coreia do Norte, terem recusado a participação de uma delegação do país na Eucaristia do dia 18 de agosto, na Catedral de Myeong-dong, em Seul, disse que não se fecham “portas a outras eventuais iniciativas e possibilidades” que os coreanos provavelmente “saberão criar melhor”.

Outro dado importante é que na Eucaristia de encerramento, no dia 18 de agosto, vai participar uma delegação da “comfort women”, associação de mulheres que foram vítimas de abusos dos soldados japoneses durante a II Guerra Mundial. “O facto de estarem presentes já é um reconhecimento bastante significativo, e isso foi o que também propuseram os organizadores locais. Essas iniciativas não são provenientes do Vaticano, trata-se de responder a propostas e de aceitá-las de bom grado”, sublinhou.

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