Contemporaneamnete, é difícil encontrar alguém que não evidencie, no discurso,
os horrores da guerra. Todos querem a paz, mas poucos lutam o suficiente por
ela, talvez porque pouco se investe na educação com, pela e para a paz. Vulgarizam-se
os filmes de terror e os jogos de guerra. A sociedade é fortemente competitiva,
conflituosa e marcada pela inveja, pela concupiscência e pela soberba.
Está visto que os apelos à paz, a proposta de educação pelos e para os valores
e os exemplos de solidariedade não têm sido suficientes para travar os
conflitos, conflitos que têm cada vez maior dificuldade em circunscrever-se ao
nível local. As querelas regionais são demasiado graves para que não se tema a
sua extensão ao mundo global dos homens.
A História dos povos – mesmo a bíblica ou a alcorânica – é marcada pela
conquista, pela invasão, pelo assalto, pelo ataque e pela alegada necessidade de
defesa.
Evoluiu a estratégia, evoluíram as técnicas, evoluíram as táticas. Da pedra,
do pau, dos instrumentos de ferro e da funda passou-se às diversas armas
brancas, de fogo e mistas (sicas, punhais, espadas lanças; pistolas, carabinas,
espingardas (com ou sem sabre-baioneta), metralhadoras, pistolas-metralhadoras).
Usou-se o pelouro, a catapulta, o aríete, a artilharia (ligeira, pesada e de
costa), com canhões de recuo ou não; lançam-se os foguetes, os very lights, as granadas, os dilagramas,
os petardos, os torpedos, as bombas, inflama-se o cordão detonador. Dos cavalos
e elefantes passou-se a carros de combate; usam-se navios e aviões de guerra, submarinos,
torpedeiros, contratorpedeiros e porta-aviões. Da pólvora caminhou-se para a
dinamite e gelamonite.
Fazia-se a guerra por terra e por mar; no dealbar do século XX, passou a
fazer-se também pelos ares. São as guerras civis, as de secessão, as de autodeterminação
e de independência, as das especiarias, as do petróleo, as religiosas, as
económicas, as de fronteiras, as ideológicas, as passionais e todas aquelas que
os interesses e as paixões ditarem.
E a primeira Guerra Mundial inventou as armas químicas, ao passo que a
segunda inventou as armas atómicas. Hoje, teme-se a guerra nuclear, mas
disparam-se mísseis e antimísseis.
Dantes, havia as trincheiras; agora, as minas e armadilhas. Dantes, as
tréguas habitualmente respeitadas; agora, o cessar-fogo, cobardemente violado. Dantes,
a guerra convencional, com a definição de um mínimo de regras, nomeadamente o
respeito possível por civis, o respeito por entidades neutras (Cruz Vermelha,
ONU…), o ataque exclusivo a objetivos militares e a homens fardados; agora, a
invenção de pretexto, a emboscada, a guerrilha, o bombardeamento aleatório (recentemente
também o cirúrgico), o terrorismo, os homens-bomba, os carros-bomba, o ataque a
edifícios civis, a utilização de civis, mesmo crianças e mulheres, colocados como
escudo humano e impedidos de se deslocarem. Multiplica-se a destruição de património
edificado e natural, inutilizam-se os solos aráveis, crescem as ondas de
refugidos, tantas vezes sem destino, utilizam-se os meninos-soldados. Que infâmia!
A seguir à Primeira Grande Guerra (1914-18) ou I Guerra Mundial, criou-se
a Sociedade das Nações, para preservar o mundo da guerra; depois da Segunda
Grande Guerra (1939-45) ou II Guerra Mundial, criou-se a ONU (Organização das
Nações Unidas), para estabelecer as condições de Paz, através de diversos
departamentos que apontam para organização, desenvolvimento e educação.
Apesar de todos os esforços e apelos, a solução não parece estar à vista.
O Papa faz apelos, convida os líderes da beligerância para oração comum e eles
rezam, prometendo esforços pela paz – mas a guerra continua, tal como a vida,
com mais apoios e suportes. Os romanos pontífices escreveram encíclicas e difundiram
radiomensagens, os concílios falaram, já se celebrou o XLVII Dia Mundial da
Paz. O Comité Nobel atribui regularmente o Prémio Nobel da Paz. E agora, que mais?
Talvez
a matrícula na escola da Bíblia e a sua frequência com aproveitamento de “excelente”
possam dar uma ajuda, já que “Bem-aventurados
serão os que fazem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9); e
“Quão formosos são, sobre os montes, os pés do que anuncia as
boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a
salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina!” (Is 52,7).
***
De relance, veja-se o que disse e escreveu, em pleno século XVII, o Padre
António Vieira:
“É a guerra aquele monstro que se sustenta das
fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se
farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as
vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e
monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as
calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem
bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem
segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a
honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a
sua cela; e até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro”.
(“Sermão Histórico e Panegírico nos
Anos da Rainha D. Maria Francisca de Saboia”, II)
Sempre a guerra foi deplorável, com saques, incêndios, devastações,
violações, torturas sobre prisioneiros, morticínio à vista (recentemente, fuzilamento
e cadeira elétrica) e perseguição aos pretensos inimigos. Porém, hoje a guerra
é infinitamente pior, pelas vítimas mortais que faz, pelos estropiamentos que provoca,
pelo pânico que cria, pelo terror que inspira – é a componente psicológica da
guerra que mais traumas cria e maiores sequelas deixa.
A este
respeito, é urgente ouvir e acolher as palavras do Papa Francisco (nem é por ser
Francisco, mas por ser o porta-voz da lucidez), que reforçam o lancinante apelo
à paz no Iraque e lembram os cristãos perseguidos “de forma brutal”, sobretudo
os cristãos em
fuga que se refugiavam numa igreja iraquiana (segundo a agência Lusa).
De acordo com a agência Ecclesia, que cita os serviços de informação
da Cidade do Vaticano, o Papa Francisco reforçou hoje os seus apelos pela paz
no Iraque e evocou as populações cristãs perseguidas no norte deste país pelos
militantes do grupo extremista sunita do Estado Islâmico do Iraque e do
Levante: “As notícias que chegam do Iraque deixam-nos incrédulos e desanimados –
milhares de pessoas, entre elas muitos cristãos, expulsos das suas casas de
forma brutal; crianças mortas de sede e de fome, durante a fuga; mulheres
sequestradas; violências de todos os tipos; destruição de património religioso,
histórico e cultural”.
Nas palavras do Papa, esta situação
“ofende gravemente Deus e a humanidade”.
“Não se leva o ódio em nome de Deus, não se
faz a guerra em nome de Deus”, bradou o Pontífice perante quem o escutava na
oração do Angelus.
Francisco, por outro lado, agradeceu aos
que estão a ajudar as populações iraquianas e pediu uma “solução política
eficaz a nível internacional e local” para travar os jihadistas, acabar com os “crimes” e “restabelecer o Direito”.
O Papa recordou a informação de que nesta
segunda-feira, dia 11, vai partir para o Iraque o cardeal Fernando Filoni,
antigo núncio no país, como seu enviado pessoal, a fim de “assegurar melhor” às
populações a sua “proximidade”.
A intervenção papal verberou também o
regresso da guerra a Gaza, “após uma trégua” precária, considerando que os
combates provocam “vítimas inocentes e mais não fazem do que piorar o conflito
entre israelitas e palestinos”.
Francisco apelou à oração ao “Deus da paz”
e rezou também pelas “vítimas do vírus ébola” (outro tipo de guerra pela vida) e
por todos os que estão a “lutar para o travar”.
***
Todavia, ao invés do que a minha reflexão aparentava
vir a insinuar, não podemos baixar os braços da ação nem fechar os lábios
orantes. Na tradicional catequético-paranética por ocasião do Angelus, o Papa apresentou a imagem da
Igreja como uma embarcação que “tem de enfrentar tempestades, parecendo, por
vezes, estar prestes a afundar-se”, mas nunca deixando instalar a dúvida.
Porém, “aquilo que a salva não é a qualidade ou a coragem dos seus homens, mas
a fé, que permite caminhar mesmo na escuridão, no meio das dificuldades. A fé
dá-nos a certeza da presença de Jesus sempre ao nosso lado, da sua mão que nos
segura para tirar-nos dos perigos”.
No entanto, como referia o sacerdote que
presidiu à celebração eucarística transmitida pela Rádio Renascença, não basta
que Deus estenda a mão; é necessário que o homem se agarre à mão de Deus e se comprometa
a caminhar segundo as indicações do mesmo Deus.
E o Papa vai à Coreia do Sul, sendo um
dos propósitos da viagem a “reconciliação e a paz” e tendo como gesto principal
a Missa de Encerramento. Segundo
a agência Ecclesia, o diretor da Sala
de Imprensa da Santa Sé referiu aos jornalistas, a 8 de agosto, na conferência
de imprensa de apresentação da viagem à Coreia do Sul, que a reconciliação e a
paz entre as duas Coreias é um dos temas principais da viagem do Papa e
acrescentou que o Vaticano, na península coreana, é representado pelo cardeal
de Seul, que é também o vigário apostólico de Pyongyang. “Consequentemente, em
si, é a autoridade eclesiástica competente para esta área. Portanto, não é
necessária uma intervenção do Vaticano para dizer o que precisa de ser feito em
Pyongyang”, explicitou.
O padre Frederico Lombardi sobre
as autoridades de Pyongyang, Coreia do Norte, terem recusado a participação de
uma delegação do país na Eucaristia do dia 18 de agosto, na Catedral de
Myeong-dong, em Seul, disse que não se fecham “portas a outras eventuais
iniciativas e possibilidades” que os coreanos provavelmente “saberão criar
melhor”.
Outro dado importante é que na Eucaristia de encerramento, no dia 18 de agosto, vai
participar uma delegação da “comfort women”, associação de mulheres que foram
vítimas de abusos dos soldados japoneses durante a II Guerra Mundial. “O facto
de estarem presentes já é um reconhecimento bastante significativo, e isso foi
o que também propuseram os organizadores locais. Essas iniciativas não são
provenientes do Vaticano, trata-se de responder a propostas e de aceitá-las de
bom grado”, sublinhou.
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