O Papa esteve em visita pastoral
de cinco dias à Coreia do Sul, que fica marcada por algumas intervenções pontifícias
de significativo alcance, na atenção ao ser e missão da Igreja e ao desígnio da
paz entre os povos, etnias e religiões e no primeiro sobrevoo da China por um
papa.
Logo no primeiro contacto com a
nação coreana, fez memória das provações por que passou aquela “terra do calmo amanhecer”, em que se destaca
não só a beleza natural do país, mas também e sobretudo a beleza do seu povo e
da sua riqueza histórica e cultural. E, ao referir o mérito esperançoso de um
povo que estima os seus jovens e cultiva a memória dos seus mártires, explicita
o sentido da paz:
“A paz não é simplesmente ausência de guerra, mas
obra da justiça (cf. Is 32,17). E a justiça, como virtude que é, faz
apelo à tenacidade da paciência; não nos pede para esquecermos as injustiças do
passado, mas que as superemos através do perdão, da tolerância e da cooperação.
Exige a vontade de discernir e alcançar os objetivos reciprocamente vantajosos,
construindo os alicerces do respeito mútuo, da compreensão e da reconciliação”.
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Aos bispos da Coreia pede
que sejam guardiões da memória e da esperança. E pretende que sejam promotores
de uma igreja missionária, “uma Igreja constantemente
em saída para o mundo e, em particular, para as periferias da sociedade
contemporânea”, que reconheça a necessidade de cultivar aquele “prazer
espiritual” que nos torna capazes de acolher e de nos identificarmos com cada
membro do Corpo de Cristo. “Neste sentido, é preciso mostrar particular
solicitude, nas nossas comunidades, pelas crianças e os idosos” e cuidar de modo
especial da educação dos jovens, formando-os no “amor de Deus e da sua Igreja,
no bem, no verdadeiro e no belo, para serem bons cristãos e honestos cidadãos”.
E desafia os bispos a serem garantes do “testemunho profético da Igreja na
Coreia”, de modo que ela “continue a expressar-se na sua solicitude pelos
pobres e nos seus programas de solidariedade especialmente a favor dos
refugiados e migrantes e daqueles que vivem à margem da sociedade”.
E aos bispos da Ásia o Papa fez um lúcido discurso
de que se respigam os seguintes itens:
– Num tão vasto Continente, “onde
vive uma grande variedade de culturas, a Igreja é chamada a ser versátil e
criativa no seu testemunho do Evangelho, através do diálogo e da abertura a todos”.
Porém, somente se pode entrar em diálogo com a consciência plena da nossa
identidade e com a necessária e adequada abertura da mente.
– Nem sempre se revela fácil a
tarefa de nos apropriarmos da nossa identidade e de a exprimirmos, pois, uma
vez que somos pecadores, sempre nos sentiremos tentados pelo espírito do mundo,
que se manifesta de variados modos, a saber: o deslumbramento enganador do
relativismo, que obscurece o esplendor da verdade e, abalando a terra sob os
nossos pés, nos impele para areias movediças – as da confusão e do desespero; a
superficialidade ou a tendência a entreter-se com as coisas de moda,
quinquilharias e distrações, em vez de se dedicar a coisas que contam realmente
(cf. Fil 1,10); e a aparente segurança de se
esconder atrás de respostas fáceis, frases feitas, leis e regulamentos – que redunda
na hipocrisia tão condenada por Jesus.
– É a fé viva em Cristo que
constitui a nossa identidade mais profunda, ou seja, o estar enraizados no
Senhor. Se há isto, tudo o mais é secundário. É desta identidade profunda – a
fé viva em Cristo, na qual nós estamos radicados – que parte o nosso diálogo e
é esta fé que somos chamados a partilhar, de modo sincero, honesto e sem
presunção, por meio do diálogo da vida quotidiana, do diálogo da caridade e em
todas as ocasiões mais formais que possam surgir.
***
Em ambiente de celebração da Assunção de Maria,
Francisco conclama “a união a toda a Igreja espalhada pelo mundo” e o olhar “para
Maria como Mãe da nossa esperança”, já que “o seu cântico de louvor nos lembra
que Deus nunca esquece as suas promessas de misericórdia” (cf. Lc 1,54-55). Ela “é a cheia de graça, porque acreditou no
cumprimento daquilo que o Senhor lhe dissera (Lc 1,45).
N’Ela, todas as promessas divinas se demonstraram verdadeiras. Entronizada na
glória, mostra-nos que a nossa esperança é real e que, já desde agora, esta
esperança se estende, como uma âncora segura e firme para as nossas vidas (Hb 6,19),
até onde Cristo está sentado na glória.”.
Como
consequência, temos a garantia de que “esta esperança – a esperança oferecida
pelo Evangelho – é o antídoto contra o espírito de desespero que parece crescer
como um cancro no meio da sociedade, que exteriormente é rica e, todavia,
muitas vezes experimenta amargura interior e vazio”.
***
No encontro
com os jovens asiáticos, Francisco contrapõe ao espírito mundano mais um aspeto
da vocação e noção de Igreja de consequências bem exigentes, que constitui um
grande desafio:
“Este grande encontro dos jovens da
Ásia permite-nos vislumbrar algo do que a própria Igreja é chamada a ser
no projeto eterno de Deus. Juntamente com os jovens de toda a parte, quereis
empenhar-vos na construção de um mundo onde todos vivam juntos em paz e
amizade, superando as barreiras, recompondo as divisões, rejeitando a violência
e os preconceitos. Isto é justamente o que Deus quer de nós. A Igreja é
germe de unidade para toda a família humana. Em Cristo, todas as nações e povos
são chamados a uma unidade que não destrói a diversidade, mas a reconhece,
harmoniza e enriquece.”.
E a
força para a prossecução deste projeto provém da oração profunda e tem como parágrafo
orientador o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao próximo, de quem
é necessário avizinharmo-nos, como a nós mesmos.
Também
manifesta a preocupação pela divisão da Coreia e o desejo da reunificação,
fazendo apelo à identidade cultural, geográfica e sobretudo linguística. E propõe para já a oração.
Na celebração
eucarística de encerramento da VI Jornada da Juventude Asiática, o Bispo de
Roma lembra, depois de enaltecer os mártires cuja glória resplandece sobre os
jovens asiáticos (a primeira parte da temática da Jornada) direitos, deveres e responsabilidades
dos jovens:
“As palavras sobre as quais acabamos de
refletir são uma consolação. A outra parte do tema desta Jornada – ‘Juventude
da Ásia, levanta-te!’ – fala-vos de um dever, de uma responsabilidade.
(…) Reunistes-vos aqui, na Coreia, vindos de toda a parte da Ásia. Cada um de
vós possui um lugar e um contexto próprios, onde sois chamados a espelhar
o amor de Deus. O Continente Asiático, permeado de ricas tradições filosóficas
e religiosas, continua a ser uma grande delimitação que espera o vosso
testemunho de Cristo, ‘caminho, verdade e vida’ (Jo 14,6).
Como jovens que não apenas vivem na Ásia,
mas são filhos e filhas deste grande
Continente, tendes o direito e o dever de tomar parte plena na vida das vossas
sociedades. Não tenhais medo de levar a sabedoria da fé a todos os campos da
vida social!”.
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Ao celebrar
a memória da vitória de Cristo sobre o pecado e sobre a morte no martírio de
Paulo Yun Ji-chung e nos seus 123 companheiros, que beatificou em 16 de agosto,
o Papa Francisco recorda que “a fé cristã não chegou às costas da Coreia por intermédio de
missionários, mas entrou através dos corações e das mentes do próprio povo
coreano”, que “foi estimulado à fé pela curiosidade intelectual, pela busca da
verdade religiosa”. Fora “através dum encontro inicial com o Evangelho que os
primeiros cristãos coreanos abriram as suas mentes a Jesus” (…) “que sofreu, morreu
e ressuscitou dos mortos” – o que “depressa levou a um encontro com o próprio
Senhor, aos primeiros batismos, ao desejo duma vida sacramental e eclesial
plena e aos inícios dum compromisso missionário”. E “frutificou em
comunidades que se inspiravam na Igreja primitiva, onde os fiéis formavam
verdadeiramente um só coração e uma só alma, sem olhar às diferenças sociais
tradicionais, e possuíam tudo em comum” (cf. At 4,32).
Por outro
lado, sublinha que “esta história é muito elucidativa sobre a importância, a
dignidade e a beleza da vocação dos leigos”, em especial das “famílias cristãs
que diariamente, com o seu exemplo, educam os jovens para a fé e o amor
reconciliador de Cristo”, bem como “os inúmeros sacerdotes”, que, “através do
seu ministério generoso, transmitem o rico património de fé cultivado pelas
passadas gerações de católicos coreanos”.
***
Aos religiosos
e religiosas, o Papa, depois de apontar os valores evangélicos da obediência,
castidade e pobreza, recomendou, quer na contemplação quer na intensa atividade
apostólica:
“Com grande humildade, fazei tudo o que puderdes
para demonstrar que a vida consagrada é um dom precioso para a Igreja e para o
mundo. Não o guardeis só para vós mesmos; partilhai-o, levando Cristo a todos
os cantos deste amado país. Deixai que a vossa alegria continue a encontrar expressão
nos vossos esforços por atrair e cultivar vocações, reconhecendo que todos vós
colaborais para formar os homens e mulheres consagrados que virão depois de
vós, amanhã.”.
Aos
leigos, salientando a importância histórica da sua ação, faz o apelo a que, “qualquer
que seja a contribuição particular” que der cada um à missão da Igreja,
continuem a promover nas suas comunidades uma formação mais completa dos
fiéis-leigos, através duma catequese permanente e da direção espiritual”; que,
em tudo o que fizerem, que atuem “em completa harmonia de mente e coração” com
os pastores, procurando colocar as “intuições, talentos e carismas ao serviço
do crescimento da Igreja na unidade e no espírito missionário”. Isto porque a
sua contribuição é essencial, pois o futuro da Igreja na Coreia, como aliás em
toda a Ásia, dependerá em grande parte do desenvolvimento duma visão
eclesiológica alicerçada numa espiritualidade de comunhão, participação e
partilha dos dons” (cf. Ecclesia in Asia, 45).
E com
os líderes religiosos da Coreia falou de improviso:
“A vida é um
caminho – um caminho longo, mas um caminho – que não se pode percorrer sozinho;
é preciso caminhar com os irmãos, na presença de Deus. Por isso, vos agradeço
este gesto de caminharmos juntos na presença de Deus (foi isto mesmo o que Deus
pediu a Abraão): somos irmãos, reconhecemo-nos como irmãos e caminhamos juntos.”.
***
Quando
da recitação do Angelus no dia 15, Francisco
confiou à Virgem “todos aqueles que perderam a vida no naufrágio do ferribote
«Se-Wol» e quantos sofrem ainda as consequências deste grande desastre
nacional. E fez votos por que “este trágico acontecimento, que uniu todos os
coreanos na dor, os confirme no seu compromisso de trabalhar juntos e
solidários para o bem comum”. Além disso, teve um encontro com os
familiares das numerosas vítimas do acidente.
Ora,
um jornalista, no voo de regresso a Roma, questionou o Papa sobre se não temia
que o seu gesto ficasse conotado como um ato político. Aí, Francisco, sem se
incomodar muito com tal conotação, esclareceu que, perante uma situação de dor
profunda, o que importa é seguir o que dita o coração, um coração orientado
pela lucidez do amor, da necessidade de se tornar próximo de quem sofre. Se é
certo que, em caso da perda de vidas, elas não são restituídas, temos, no entanto,
de assumir a responsabilidade de ouvir quem sofre e de lhe levar a palavra e o
apoio da consolação e da proximidade humana e cristã. É a solicitude e
solidariedade do amor cristão!
Também,
naquela ocasião, foi levantada a questão atinente ao que se passa no Iraque e
na Síria onde a população é dizimada e as minorias são massacradas e os cristãos
e os seguidores de outras religiões, que não a do ramo sunita são duramente
perseguidos.
Em relação
a esta matéria, o Papa Francisco, numa versão atual da doutrina tomista, admitiu o
uso da força para travar a crise no Iraque, por decisão que tem de ser tomada
pela ONU (criada com o escopo da paz, após a II Guerra Mundial), e mostrou-se
pronto para ir ao país, se isso for necessário, embora tenha a consciência de
que, “neste momento, não é a melhor coisa a fazer”:
“Quando há uma agressão injusta, posso apenas dizer que é lícito
travar o agressor injusto. Sublinho o verbo travar; não digo bombardear,
fazer a guerra, mas travá-lo”.
Tem repetido, nas
últimas semanas, vários apelos em favor das populações perseguidas pelos
jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), que tomaram várias
cidades iraquianas, chamando a atenção para as minorias religiosas perseguidas
e para os “mártires” desta violência. Esclareceu que é necessário avaliar quais
os “meios” que se devem usar para agir de forma lícita, sem promover uma
“guerra de conquista” por parte das nações mais poderosas, porque “um país, só
por si, não pode decidir como travar isto, como travar um agressor injusto”. E acrescentou
que “travar o agressor injusto é um direito que a humanidade tem, mas também o
agressor tem o direito de ser travado, para que não provoque mal”.
O Papa falou numa “terceira guerra mundial,
mas feita aos bocados”, lamentando a “crueldade” dum mundo em que “as crianças
não contam” e da “tortura”, usada como meios “quase ordinários nos
comportamentos dos serviços de inteligência e nalguns processos judiciais”. E sustentou
que “a tortura é um pecado contra a humanidade, um delito contra a humanidade”.
Paralelamente o Pontífice enviara
como seu representante ao Iraque o cardeal Fernando Filoni, prefeito da
Congregação para a Evangelização dos Povos e antigo núncio apostólico no país,
para manifestar a sua proximidade junto dos que passam por um “sofrimento
intolerável” e desejam “viver em paz, harmonia e liberdade na terra dos seus
antepassados”. E, em carta endereçada ao Secretário-Geral da Nações Unidas, Ban
Ki-moon, interpelara-o com as “lágrimas, o sofrimento e o grito desesperado”
dos cristãos iraquianos, a fim de que a comunidade internacional, através das “normas
e mecanismos do direito internacional”, “faça todos os possíveis para parar e
prevenir nova violência sistemática contra minorias étnicas e religiosas”.
É o papa argentino no seu melhor:
atento, direto, solícito!
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