Quem o afirmou foi Miguel Relvas na passada sessão do Conselho Nacional do
seu partido, contrapondo tal afirmação à que parecia ser a natural assunção
assertiva de quem está do outro lado da tertúlia política, no caso vertente, o
maior partido da oposição. Não posso concordar que os adversários não sejam
pessoas ou grupos; dizer o contrário é desviar a atenção do debate, menosprezar
o adversário, eufemizar a situação de compita política ou a manifestação
incompleta da hipocrisia. Eu não quero acreditar que seja o reconhecimento
larvar da legitimidade política e económica do bloco central de interesses,
muito embora a constante dança das cadeiras da empresa para o governo e vice-versa,
com a consequente promiscuidade, o queira demonstrar.
A abstenção, configurando a inobservância supina do exercício de um dever
cívico ou a renúncia irracional à prática cidadã do direito de intervir na vida
pública, é não um simples adversário, mas o inimigo de todo o sistema
democrático, que se apoia naturalmente nos partidos políticos, ainda que não em
exclusivo. Por isso, o combate à abstenção deve ser a batalha diária de todos
os partidos e das outras forças conscientes das exigências da cidadania plena –
e não somente a batalha dos momentos eleitorais (aí é curto e tardio o combate).
Entretanto, os partidos e os outros detentores dos cargos públicos têm de
fazer alguma coisa mais do que a propaganda e a busca do voto em tudo quanto é
sítio, quando o voto pode determinar a conquista do poder e a sua manutenção ou
um lugar de relevo na ágora da discussão pública. Ora todos sabemos que
habitualmente as eleições autárquicas movimentam mais eleitores. Porque será? A
busca da gestão de proximidade, o bem-estar das populações ou a satisfação das
clientelas do clã caciquista? E as eleições europeias, a par dos referendos, mostram
o panorama do reverso da medalha eleitoralista. Porquê? Bruxelas ou Estrasburgo
ficam muito longe; e as eleições europeias, em vez de apresentarem ao debate os
grandes problemas europeus (que nem a referendo têm ido; bastam-nos as verbas
dos fundos comunitários), têm servido para a exibição do cartão amarelo aos
governantes. Assim, não admira que os cidadãos deixem a política para os
outros, ou até a enjoem. Já não falo das beldades que nos têm sido oferecidas
para opção eleitoral rumo à Presidência da República ou os painéis cada vez
mais degradados de candidatos à Assembleia da República – o que tem dado azo a
declarações públicas lamentáveis, para não dizer obscenas a propósito de
algumas.
Depois, a própria linguagem pública não é minimamente cuidada. Então, os
promotores da extinção e/ou agregação das freguesias confundiam a freguesia (autarquia,
pessoa coletiva territorial) com a junta (órgão executivo, dependente da assembleia,
órgão deliberativo); todos dizem que vamos ver quem vencerá as próximas
eleições legislativas, assegurando que os que se perfilam como candidatos ao cargo
de primeiro-ministro são Coelho e Seguro, quando a CRP estabelece que os
eleitores escolhem os deputados, cabendo ao Presidente nomear o primeiro-ministro,
ouvidos os partidos com assento parlamentar e tendo em conta os resultados eleitorais.
Ora, sem me pronunciar pelo mérito, ainda não me esqueci do “berreiro” que tilintou
nos ouvidos do país, quando Santana Lopes foi nomeado primeiro-ministro,
alegadamente sem ter sido eleito (mas o seu partido tinha vencido as eleições
legislativas e o mandato estava a meio)!
Todos sabemos que a política, para mobilizar os cidadãos, tem de ser
credível; e para ser credível tem de ser e parecer séria. Por isso, os políticos
têm de ser profissionais (não quer dizer que todos tenham de assumir a
dedicação exclusiva à atividade política, ma têm de saber bem o que fazem),
assumir a lógica do serviço (mais do que do poder) e honrar-se com a honestidade
(de mentalidade, de atitude e de comportamento). Não é tolerável que: um
político de topo nos entretenha com a distinção entre a ética da convicção e a
ética da responsabilidade; que outros alinhem o país economicamente à direita e
a política dos costumes à esquerda; e outros ainda, enquanto se esfalfam na
linha do neoliberalismo duro, proclamem inocentemente a socialdemocracia. Não é
admissível que aqueles que aplaudiram, quais bons alunos, as teses expansionistas,
investimentalistas e consumistas das autoridades europeias, depois venham,
também como bons alunos, em nome da inevitabilidade, impor aos ombros dos
portugueses os castigos das valentes tesouradas nos rendimentos da classe média
e permitir a continuidade do engrossamento das benesses do sistema em prol de uns
poucos (infelizmente, as redes sociais sabem do que falam). E é deplorável que
fiquem os situacionistas e os oposicionistas no chorrilho mútuo de impropérios
a ajustar contas com o passado.
Sobre as perspetivas da conjuntura, vou acrescentar ao que escrevi recentemente
o seguinte. Não posso aceitar, em nome da decência, que o principal partido da maioria
catapulte para n.º 2 da lista de candidatura da Aliança Portugal às próximas eleições europeias o ex-presidente da
ANMP. Trata-se de um homem que conquistou democraticamente uma boa autarquia em
1989, em cuja presidência se manteve até há pouco, tendo cedo ocupado a
presidência da ANMP, creio que por mérito. Mas, à regalia de poder contar o
tempo de serviço para aposentação em dobro até ao limite de 20 anos, desde que permanecesse
a tempo inteiro na autarquia durante pelo menos seis anos, e poder aposentar-se
com 30 anos de serviço (o que aconteceu), juntou a de poder acumular a pensão
de aposentação com o vencimento de presidente da Câmara + despesas de
representação, desde 1999 até há pouco tempo. Bem nos lembramos das palavras
que em tempos dirigiu publicamente a técnicos do ambiente e como orientou a
gestão municipal. Não contente com isso, queria avocar, ainda não há muitas
semanas, um subsídio de reintegração, que fora concebido para os autarcas que não
reuniam as condições de obter as regalias definidas para a aposentação acima
referidas, ou por opção ou por não manterem por tempo suficiente a situação autárquica.
Daqui, a contrario, deixo a
minha admiração pelo gesto de Alberto João, nesta matéria, ao recusar: não sai
da Madeira em tempo de crise e a meio de mandato; não alinha em coligação com
que nunca concordou; não serve política com que não se identifica; e não ambiciona
qualquer prateleira dourada.
Então, para que a política volte a ser credível, é preciso: renovar os aparelhos
partidários; filtrar o estatuto das candidaturas independentes (não deixar confundir
candidaturas independentes com candidaturas dissidentes); cuidar da formação permanente
de quadros nos partidos, a nível académico, profissional e experiencial;
restabelecer a área da formação cívica nas escolas e dotá-la de conteúdos;
estabelecer em todos os cursos superiores uma disciplina de formação ética e
deontologia; promover, nas escolas não superiores, uma disciplina de
desenvolvimento pessoal e social para aqueles alunos que não frequentem uma disciplina
de educação moral e religiosa católica ou de outra confissão religiosa; proceder
à reforma eleitoral séria e abrangente; fomentar a cultura da autoavaliação de
mandato, de iniciativa e de responsabilidades, quer dos eleitos, quer dos
grupos que os propuseram; e restituir a cada ato eleitoral o seu conteúdo próprio,
promovendo a discussão dos temas a ele inerentes e não o utilizar para
apresentação de quaisquer cartões amarelos ou vermelhos que não tenham a ver
com o ato eleitoral em causa.
Porém, cabe ao cidadão ir votar: que vote como entender, mas que vá votar.
Não deixe para outrem o que a si compete! Nós não podemos esquecer que a ação
política, aliás como as restantes, tem no seu planeamento, execução e avaliação
as pessoas. E são as pessoas que devem recompor-se!
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