segunda-feira, 3 de março de 2014

O adversário é a abstenção



Quem o afirmou foi Miguel Relvas na passada sessão do Conselho Nacional do seu partido, contrapondo tal afirmação à que parecia ser a natural assunção assertiva de quem está do outro lado da tertúlia política, no caso vertente, o maior partido da oposição. Não posso concordar que os adversários não sejam pessoas ou grupos; dizer o contrário é desviar a atenção do debate, menosprezar o adversário, eufemizar a situação de compita política ou a manifestação incompleta da hipocrisia. Eu não quero acreditar que seja o reconhecimento larvar da legitimidade política e económica do bloco central de interesses, muito embora a constante dança das cadeiras da empresa para o governo e vice-versa, com a consequente promiscuidade, o queira demonstrar.
A abstenção, configurando a inobservância supina do exercício de um dever cívico ou a renúncia irracional à prática cidadã do direito de intervir na vida pública, é não um simples adversário, mas o inimigo de todo o sistema democrático, que se apoia naturalmente nos partidos políticos, ainda que não em exclusivo. Por isso, o combate à abstenção deve ser a batalha diária de todos os partidos e das outras forças conscientes das exigências da cidadania plena – e não somente a batalha dos momentos eleitorais (aí é curto e tardio o combate).
Entretanto, os partidos e os outros detentores dos cargos públicos têm de fazer alguma coisa mais do que a propaganda e a busca do voto em tudo quanto é sítio, quando o voto pode determinar a conquista do poder e a sua manutenção ou um lugar de relevo na ágora da discussão pública. Ora todos sabemos que habitualmente as eleições autárquicas movimentam mais eleitores. Porque será? A busca da gestão de proximidade, o bem-estar das populações ou a satisfação das clientelas do clã caciquista? E as eleições europeias, a par dos referendos, mostram o panorama do reverso da medalha eleitoralista. Porquê? Bruxelas ou Estrasburgo ficam muito longe; e as eleições europeias, em vez de apresentarem ao debate os grandes problemas europeus (que nem a referendo têm ido; bastam-nos as verbas dos fundos comunitários), têm servido para a exibição do cartão amarelo aos governantes. Assim, não admira que os cidadãos deixem a política para os outros, ou até a enjoem. Já não falo das beldades que nos têm sido oferecidas para opção eleitoral rumo à Presidência da República ou os painéis cada vez mais degradados de candidatos à Assembleia da República – o que tem dado azo a declarações públicas lamentáveis, para não dizer obscenas a propósito de algumas.
Depois, a própria linguagem pública não é minimamente cuidada. Então, os promotores da extinção e/ou agregação das freguesias confundiam a freguesia (autarquia, pessoa coletiva territorial) com a junta (órgão executivo, dependente da assembleia, órgão deliberativo); todos dizem que vamos ver quem vencerá as próximas eleições legislativas, assegurando que os que se perfilam como candidatos ao cargo de primeiro-ministro são Coelho e Seguro, quando a CRP estabelece que os eleitores escolhem os deputados, cabendo ao Presidente nomear o primeiro-ministro, ouvidos os partidos com assento parlamentar e tendo em conta os resultados eleitorais. Ora, sem me pronunciar pelo mérito, ainda não me esqueci do “berreiro” que tilintou nos ouvidos do país, quando Santana Lopes foi nomeado primeiro-ministro, alegadamente sem ter sido eleito (mas o seu partido tinha vencido as eleições legislativas e o mandato estava a meio)!
Todos sabemos que a política, para mobilizar os cidadãos, tem de ser credível; e para ser credível tem de ser e parecer séria. Por isso, os políticos têm de ser profissionais (não quer dizer que todos tenham de assumir a dedicação exclusiva à atividade política, ma têm de saber bem o que fazem), assumir a lógica do serviço (mais do que do poder) e honrar-se com a honestidade (de mentalidade, de atitude e de comportamento). Não é tolerável que: um político de topo nos entretenha com a distinção entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade; que outros alinhem o país economicamente à direita e a política dos costumes à esquerda; e outros ainda, enquanto se esfalfam na linha do neoliberalismo duro, proclamem inocentemente a socialdemocracia. Não é admissível que aqueles que aplaudiram, quais bons alunos, as teses expansionistas, investimentalistas e consumistas das autoridades europeias, depois venham, também como bons alunos, em nome da inevitabilidade, impor aos ombros dos portugueses os castigos das valentes tesouradas nos rendimentos da classe média e permitir a continuidade do engrossamento das benesses do sistema em prol de uns poucos (infelizmente, as redes sociais sabem do que falam). E é deplorável que fiquem os situacionistas e os oposicionistas no chorrilho mútuo de impropérios a ajustar contas com o passado.
Sobre as perspetivas da conjuntura, vou acrescentar ao que escrevi recentemente o seguinte. Não posso aceitar, em nome da decência, que o principal partido da maioria catapulte para n.º 2 da lista de candidatura da Aliança Portugal às próximas eleições europeias o ex-presidente da ANMP. Trata-se de um homem que conquistou democraticamente uma boa autarquia em 1989, em cuja presidência se manteve até há pouco, tendo cedo ocupado a presidência da ANMP, creio que por mérito. Mas, à regalia de poder contar o tempo de serviço para aposentação em dobro até ao limite de 20 anos, desde que permanecesse a tempo inteiro na autarquia durante pelo menos seis anos, e poder aposentar-se com 30 anos de serviço (o que aconteceu), juntou a de poder acumular a pensão de aposentação com o vencimento de presidente da Câmara + despesas de representação, desde 1999 até há pouco tempo. Bem nos lembramos das palavras que em tempos dirigiu publicamente a técnicos do ambiente e como orientou a gestão municipal. Não contente com isso, queria avocar, ainda não há muitas semanas, um subsídio de reintegração, que fora concebido para os autarcas que não reuniam as condições de obter as regalias definidas para a aposentação acima referidas, ou por opção ou por não manterem por tempo suficiente a situação autárquica.
Daqui, a contrario, deixo a minha admiração pelo gesto de Alberto João, nesta matéria, ao recusar: não sai da Madeira em tempo de crise e a meio de mandato; não alinha em coligação com que nunca concordou; não serve política com que não se identifica; e não ambiciona qualquer prateleira dourada.
Então, para que a política volte a ser credível, é preciso: renovar os aparelhos partidários; filtrar o estatuto das candidaturas independentes (não deixar confundir candidaturas independentes com candidaturas dissidentes); cuidar da formação permanente de quadros nos partidos, a nível académico, profissional e experiencial; restabelecer a área da formação cívica nas escolas e dotá-la de conteúdos; estabelecer em todos os cursos superiores uma disciplina de formação ética e deontologia; promover, nas escolas não superiores, uma disciplina de desenvolvimento pessoal e social para aqueles alunos que não frequentem uma disciplina de educação moral e religiosa católica ou de outra confissão religiosa; proceder à reforma eleitoral séria e abrangente; fomentar a cultura da autoavaliação de mandato, de iniciativa e de responsabilidades, quer dos eleitos, quer dos grupos que os propuseram; e restituir a cada ato eleitoral o seu conteúdo próprio, promovendo a discussão dos temas a ele inerentes e não o utilizar para apresentação de quaisquer cartões amarelos ou vermelhos que não tenham a ver com o ato eleitoral em causa.

Porém, cabe ao cidadão ir votar: que vote como entender, mas que vá votar. Não deixe para outrem o que a si compete! Nós não podemos esquecer que a ação política, aliás como as restantes, tem no seu planeamento, execução e avaliação as pessoas. E são as pessoas que devem recompor-se!

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