quinta-feira, 13 de março de 2014

Faleceu Dom José da Cruz Policarpo



Sim, a notícia de ontem ao jantar, surpreendeu os portugueses a garantir a transitoriedade da vida através desta figura ímpar da Igreja de Lisboa. O Cardeal Dom José da Cruz Policarpo, patriarca emérito de Lisboa, acabava de falecer no Hospital dos SAMS.
Fica assim de luto o Episcopado Português porque um dos seus mais ilustres irmãos aguarda a ressurreição final já não deste lado terráqueo. Está de luto a Igreja em Portugal, não por ele ter sido seu chefe (essa figura não existe em termos nacionais nem a diocese de Lisboa tem supremacia em relação às outras), mas porque o Bispo de Lisboa foi e continua sendo uma figura de referência pelo perfil humano, currículo académico, grande finura cultural, sensibilidade social, sensus Ecclesiae e tacto pastoral. Por outro lado, na linha da solicitude pastoral pelas Igrejas, também é notável a sua postura, por exemplo, pela dedicação à Conferência Episcopal, que serviu com denodo e a que presidiu em várias ocasiões, bem como pelo serviço de aconselhamento pontifício e pela colaboração no governo da Igreja Universal através do desempenho de múnus vários na Cúria Romana e pelas iniciativas que lançou no âmbito da nova evangelização, da pastoral das cidades e do diálogo inter-religioso.
Quanto ao seu trabalho académico, de todos amplamente conhecido (não sei se em profundidade), vasto e diversificado – quer pela obra publicada, quer pelos cargos desempenhados quer ainda pela palavra proferida em discursos, mesas-redondas, entrevistas, etc – gosto de referir que bastaria a publicação de dois escritos seus para que ele se tornasse uma notável coluna da teologia pós-conciliar: a teologia das religiões não cristãs, uma boa pedrada no charco da reflexão teológica, ainda pouco explorada neste importante setor; e sinais dos tempos, um tratado sistemático da doutrina a partir dos desafios que o mundo no seu dinamismo ambivalente lança para a ribalta, na linha da intuição de João XXIII assumida e desenvolvida pelos padres conciliares em vários documentos do Concílio Vaticano II, de que se destacam: a Gaudium et Spes (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Atual); a Nostra Aetate (Declaração sobre a Igreja e as Religiões Não Cristãs); a Dignitatis Humanae (Declaração sobre a Liberdade Religiosa); o Inter Mirifica (Decreto sobre os Meios de Comunicação Social); e o Unitatis Redintegratio (Decreto sobre o Ecumenismo). São documentos – os do patriarca emérito e os do Concílio – que vale a pena reler e aguardar que atraiam mais estudo, reflexão, formulação teológica e melhor ação pastoral.
Apreciei imenso o painel de testemunhos de quantos, ainda não refeitos da surpresa, tiveram a ousadia de se pronunciar no calor do acontecimento. Disseram-se coisas maravilhosas e inteiramente verdadeiras de um homem de Deus, da Igreja e do Mundo, que, não sendo naturalmente um ser infinitamente perfeito, foi, por vezes, injustamente apreciado, nem sempre bem amado e, sobretudo pouco seguido. Das poucas vezes que falei com ele, posso reter a ideia firme que tinha do labor teológico, da clarividente ação pastoral, da capacidade de tolerância e acolhimento das ideias de outrem e da justa medida das coisas. Não é por certo necessário nem do seu agrado que, para o enaltecer, se reduzam as virtualidades de qualquer um dos seus antecessores ou atribuir especial significado àquele sonho de ser pároco de aldeia (o habitual horizonte dos candidatos ao exercício do sacerdócio ministerial numa diocese). Nenhum patriarca de Lisboa dos últimos tempos (cuja história está ainda muito por fazer) pode ser considerado uma figura de mera transição, a não ser que assentemos a sério na formulação teológico-bíblica, para todos e para tudo, de que esta vida é inquestionavelmente um simples lugar de passagem, uma ora penosa ora leda peregrinação a caminho do Além muitas vezes sobre mais escolhos que estrada. Por isso, gostei dos testemunhos positivos de ontem, mas destaco o do professor e padre Anselmo Borges pelo apreço do perfil, pelo enaltecimento da obra e pelo sentido da justa medida.
Sendo assim, há que prestar ao eminente, que agora espera por nós, a homenagem crente pela oração, a veneração culta da memória, o seguimento discreto da concretização do desígnio, o esforçado estudo e divulgação da obra. De resto, os grandes homens têm sempre lugar de relevo na História, sem necessidade de atropelos mútuos, e um papel eloquentemente pedagógico para quem estiver disponível para o assumir.

Louvemos os Homens Ilustres, porque souberam congregar o povo, sentiram o pulsar do tempo, divisaram o futuro, e a sua memória será o luzeiro dos nossos caminhos!

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