Sim, a notícia
de ontem ao jantar, surpreendeu os portugueses a garantir a transitoriedade da
vida através desta figura ímpar da Igreja de Lisboa. O Cardeal Dom José da Cruz Policarpo,
patriarca emérito de Lisboa, acabava de falecer no Hospital dos SAMS.
Fica assim de luto
o Episcopado Português porque um dos seus mais ilustres irmãos aguarda a
ressurreição final já não deste lado terráqueo. Está de luto a Igreja em
Portugal, não por ele ter sido seu chefe (essa figura não existe em termos
nacionais nem a diocese de Lisboa tem supremacia em relação às outras), mas
porque o Bispo de Lisboa foi e continua sendo uma figura de referência pelo
perfil humano, currículo académico, grande finura cultural, sensibilidade social,
sensus Ecclesiae e tacto pastoral. Por
outro lado, na linha da solicitude pastoral pelas Igrejas, também é notável a
sua postura, por exemplo, pela dedicação à Conferência Episcopal, que serviu
com denodo e a que presidiu em várias ocasiões, bem como pelo serviço de
aconselhamento pontifício e pela colaboração no governo da Igreja Universal
através do desempenho de múnus vários na Cúria Romana e pelas iniciativas que
lançou no âmbito da nova evangelização, da pastoral das cidades e do diálogo
inter-religioso.
Quanto ao seu
trabalho académico, de todos amplamente conhecido (não sei se em profundidade),
vasto e diversificado – quer pela obra publicada, quer pelos cargos
desempenhados quer ainda pela palavra proferida em discursos, mesas-redondas, entrevistas,
etc – gosto de referir que bastaria a publicação de dois escritos seus para que
ele se tornasse uma notável coluna da teologia pós-conciliar: a teologia das religiões não cristãs,
uma boa pedrada no charco da reflexão teológica, ainda pouco explorada neste
importante setor; e sinais dos tempos,
um tratado sistemático da doutrina a partir dos desafios que o mundo no seu
dinamismo ambivalente lança para a ribalta, na linha da intuição de João XXIII
assumida e desenvolvida pelos padres conciliares em vários documentos do
Concílio Vaticano II, de que se destacam: a Gaudium
et Spes (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Atual); a Nostra Aetate (Declaração sobre a Igreja
e as Religiões Não Cristãs); a Dignitatis
Humanae (Declaração sobre a Liberdade Religiosa); o Inter Mirifica (Decreto sobre os Meios de Comunicação Social); e o Unitatis Redintegratio (Decreto sobre o
Ecumenismo). São documentos – os do patriarca emérito e os do Concílio – que
vale a pena reler e aguardar que atraiam mais estudo, reflexão, formulação
teológica e melhor ação pastoral.
Apreciei imenso
o painel de testemunhos de quantos, ainda não refeitos da surpresa, tiveram a
ousadia de se pronunciar no calor do acontecimento. Disseram-se coisas
maravilhosas e inteiramente verdadeiras de um homem de Deus, da Igreja e do Mundo,
que, não sendo naturalmente um ser infinitamente perfeito, foi, por vezes,
injustamente apreciado, nem sempre bem amado e, sobretudo pouco seguido. Das
poucas vezes que falei com ele, posso reter a ideia firme que tinha do labor
teológico, da clarividente ação pastoral, da capacidade de tolerância e
acolhimento das ideias de outrem e da justa medida das coisas. Não é por certo
necessário nem do seu agrado que, para o enaltecer, se reduzam as virtualidades
de qualquer um dos seus antecessores ou atribuir especial significado àquele
sonho de ser pároco de aldeia (o habitual horizonte dos candidatos ao exercício
do sacerdócio ministerial numa diocese). Nenhum patriarca de Lisboa dos últimos
tempos (cuja história está ainda muito por fazer) pode ser considerado uma figura
de mera transição, a não ser que assentemos a sério na formulação
teológico-bíblica, para todos e para tudo, de que esta vida é inquestionavelmente um simples lugar de passagem, uma ora penosa ora leda peregrinação a caminho
do Além muitas vezes sobre mais escolhos que estrada. Por isso, gostei dos
testemunhos positivos de ontem, mas destaco o do professor e padre Anselmo
Borges pelo apreço do perfil, pelo enaltecimento da obra e pelo sentido da justa
medida.
Sendo assim, há
que prestar ao eminente, que agora espera por nós, a homenagem crente pela
oração, a veneração culta da memória, o seguimento discreto da concretização do
desígnio, o esforçado estudo e divulgação da obra. De resto, os grandes homens
têm sempre lugar de relevo na História, sem necessidade de atropelos mútuos, e
um papel eloquentemente pedagógico para quem estiver disponível para o assumir.
Louvemos os
Homens Ilustres, porque souberam congregar o povo, sentiram o pulsar do tempo, divisaram
o futuro, e a sua memória será o luzeiro dos nossos caminhos!
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