quarta-feira, 12 de março de 2014

Parlamento Europeu – poderes




Nota prévia
Ontem, 11 de março, entretive-me, com a ajuda da companhia habitual, a ver o concurso televisivo “Quem quer ser milionário”. Fiquei admirado pelo facto de nem o nervoso concorrente nem o admirável público, que presta, tantas vezes, inestimável ajuda aos concorrentes, sabiam em qual dos meses – abril, maio, junho e setembro – iriam ocorrer as próximas eleições europeias.
Como toda a gente sabe, a única instituição para cuja eleição direta os cidadãos eleitores dos diversos países membros da União Europeia (UE) são convocados é o Parlamento Europeu (PE). Por outro lado, as eleições, que habitualmente ocorriam no mês de junho, por decisão dos competentes órgãos, passaram a ocorrer nos últimos dias de maio. A razão invocada tem a ver com o facto de, em muitos dos países membros, o mês de junho acolher o início das férias de muitos dos eleitores, o que somado a outros motivos pretexta maior abstenção.
É óbvio que a abstenção resulta, antes, do divórcio entre os cidadãos e a política (cada vez mais as atitudes dos profissionais da política e dos detentores de cargos públicos levam ao afastamento dos cidadãos) e ao facto de os responsáveis pela construção da consciência cidadã e da opinião pública se terem desobrigado de proceder a esse trabalho pedagógico. Parece que lhes importa mais assegurar lugares para si e seus cúmplices e discutir as rivalidades nacionais interpartidárias. Por seu turno, os eleitores, sem acesso aos debates dos temas europeus, desforram-se nos avisos de sinal vermelho aos governantes, o que não deixa de comprazer os partidos e atrapalhar os governantes.
Sendo assim, pretendo, ao menos para mim, o conhecimento dos poderes do PE, a ver se passo a repartir com ele as culpas e os louros que se atribuem habitualmente à Comissão Europeia (CE) e a Durão Barroso. Segurei de perto as respostas às diversas questões formuladas e respondidas no site do eurodeputado Carlos Coelho, embora sintetizando e reordenando à minha maneira.
Sobre os poderes em geral
De assembleia meramente consultiva, o PE, eleito de cinco em cinco anos, transformou-se, por força da reforma dos “Tratados” numa verdadeira assembleia legislativa com poderes comparáveis aos dos parlamentos nacionais, mas à escala europeia. Nem de outra forma podia ser, dado que se trata de uma grande instituição supranacional legitimada pelo sufrágio secreto, universal e direto. Os tratados que lhe conferiram uma maior influência e poderes cada vez mais alargados são os tratados de Maastricht (1992) e de Amesterdão (1997).
Como todos os parlamentos nacionais, o PE exerce os três poderes fundamentais: o poder legislativo, através do qual participa por diversas formas no processo comunitário de decisão em conjunto com o Conselho Europeu, nomeadamente no processo de “codecisão”; o poder orçamental (a primeira competência que lhe foi atribuída), quer na elaboração do orçamento, quer no controlo da sua execução; e o poder de controlo do executivo, quer ao nível da constituição e da destituição, segundo o qual a CE é politicamente responsável perante o Parlamento, que pode, mediante a aprovação de uma moção de censura, forçá-la a demitir-se (dispõe ainda de um poder de controlo democrático sobre o conjunto da atividade comunitária, estendendo-se às restantes instituições).
O poder legislativo
Ao nível do poder legislativo, o processo é singular se o compararmos com o dos outros parlamentos. A iniciativa legislativa pertence, em exclusivo à Comissão e a decisão final incumbe ao Conselho.  O Parlamento participa no processo legislativo, de acordo com a base jurídica de cada decisão, através dos trâmites seguintes:
Consulta – a Comissão elabora a  proposta, que envia ao Parlamento e ao Conselho.  Este, para decidir tem de obter o parecer parlamentar, o qual, não sendo vinculativo, constitui uma formalidade essencial para o avanço do processo. 
Parecer favorável – a Comissão envia a proposta ao Parlamento e ao Conselho. Este só pode decidir, se houver um parecer de concordância por parte do Parlamento.  Se não houver, o Conselho, para poder aprová-la, tem de decidir por unanimidade.
Codecisão – a Comissão envia a proposta ao Parlamento e ao Conselho.  O Parlamento faz a 1.ª leitura; no caso de concordar, envia o documento ao Conselho e este pode aprová-lo; caso contrário, envia-o ao Conselho, para que analise a posição do Parlamento.  O Conselho faz os seus comentários e devolve-o ao Parlamento para que este proceda à 2.ª leitura.  O Parlamento, se persistir na discordância, envia o documento ao Conselho.  Se este discorda, cria-se o Comité de Conciliação.  Se este não consegue chegar a acordo, abandona-se o ato; se consegue um acordo envia o documento ao Conselho para aprovação.
O poder orçamental
O poder orçamental foi a primeira competência atribuída ao Parlamento Europeu e a área em que esta instituição dispõe de maior poder, quer na elaboração do orçamento, quer no controlo da sua execução.  O orçamento é a única decisão que entra em vigor com a aposição da assinatura do Presidente do PE. A esta matéria voltarei noutra ocasião.
O poder de controlo do executivo ou de fiscalização.
Para além da possibilidade de constituição de comissões parlamentares de inquérito, o PE dispõe dos seguintes instrumentos de fiscalização:
- Intervenção na nomeação do Presidente e Comissários, que marca, desde o primeiro momento, a dependência política da Comissão face ao PE. Cabe aos Estados-Membros designar, de comum acordo, a personalidade que pretendem para Presidente da Comissão, só o podendo fazer após consulta ao Parlamento. Após a designação do Presidente, os Governos dos Estados-Membros em consulta com aquele, designam as outras personalidades que são colegialmente sujeitas ao voto de aprovação do PE e, só após essa aprovação, poderão ser nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros, tomar posse e assumir as suas funções. 
- O debate da investidura. A aprovação da escolha do Presidente e dos restantes membros da Comissão tem lugar no seguimento do discurso de investidura, já consagrada pela prática constitucional da União Europeia: o Presidente da Comissão designado comparece perante o PE para expor, em declaração apropriada, os propósitos do executivo por si presidido. O discurso do Presidente designado poderá ser seguido de um debate de investidura, que permite aos grupos políticos exprimir os seus pontos de vista, explicitando o que esperam da nova comissão e solicitando esclarecimentos, e influenciar, desta forma, a orientação da sua ação futura.
- As perguntas escritas e orais. É permitido ao Parlamento colocar questões sobre qualquer assunto, tanto à Comissão como ao Conselho, quer sejam perguntas escritas prioritárias ou não (cada deputado pode colocar uma pergunta prioritária por mês), quer sejam orais (para resposta na sessão plenária).  Anualmente são formuladas e respondidas mais de 5.000 perguntas dos deputados e dos grupos políticos.
- Moção de censura.
O Parlamento pode provocar, através da aprovação de uma moção de censura, a demissão coletiva dos comissários.  É a expressão maior do poder de controlo do PE sobre a Comissão, embora a maioria requerida (2/3 dos presentes desde que superior à maioria absoluta em exercício de funções) represente, na prática, um poder de difícil concretização. Por outro lado, a solidariedade e a colegialidade, inerentes à Comissão, excluem a possibilidade de se construir uma moção de censura dirigida individualmente contra um ou alguns dos seus membros.
- As Resoluções e Recomendações. Visam exprimir a posição política do PE sobre questões importantes ou de princípio, com o objetivo de influenciar a ação da Comissão ou do Conselho e alertar a opinião pública europeia. São votadas pelo Parlamento no encerramento de um debate geral, com base na proposta de resolução elaborada pela comissão parlamentar competente na matéria ou por algum ou alguns dos grupos políticos.
Âmbito da decisão parlamentar e relação do PE com outros organismos
Com efetivo poder decisório, o Parlamento só se pode pronunciar sobre as matérias cuja competência lhe esteja atribuída nos Tratados. Porém, como câmara política que é, pode e deve analisar criticamente a vida europeia e internacional sobre os mais diversos ângulos. As decisões que toma sobre estas matérias, sob a forma de resolução, embora não vinculem juridicamente as outras instituições comunitárias ou os Estados-Membros, não deixam de ter o peso político de uma decisão do Parlamento Europeu, autoridade política e moral de reconhecimento geral. As decisões do Parlamento em si não carecem de aprovação por parte de qualquer outro organismo. O PE não é tutelado por qualquer outro órgão. Porém, no processo legislativo, não lhe cabe a última palavra.  A decisão só resulta da vontade combinada do Parlamento e do Conselho, como se viu no processo de codecisão. Por outro lado, sempre que é possível e necessário, o Parlamento consulta outros organismos antes de tomar as suas decisões. Em muitos dos processos legislativos, o Parlamento, através das suas comissões, promove audições através das quais recolhe a opinião de especialistas, organizações não governamentais e, frequentemente, dos parlamentos nacionais dos Estados-Membros da UE. Além disso, o Parlamento recebe os pareceres do Conselho Económico e Social e do Comité das Regiões.
Política externa e de segurança comum (PESC)
Nos seus debates, o PE atribui relevante importância à PESC, nomeadamente no âmbito da sua Comissão dos Assuntos Externos, dos Direitos do Homem, da Segurança Comum e da Política de Defesa. A Presidência do Conselho consulta o PE sobre os principais aspetos e as opções fundamentais da política externa e de segurança comum e zela por que as posições do PE sejam devidamente tomadas em consideração.  O PE é regularmente informado pela Presidência e pela Comissão sobre a evolução da política externa e de segurança da União.  O PE debate ainda o relatório do Alto Representante da União para a Política Externa e de Segurança Comum (ARUPESC), cargo criado pelo Tratado de Amesterdão e cujo primeiro titular é o espanhol Javier Solana, ex-Secretário-Geral da NATO. O Parlamento Europeu pode dirigir perguntas ou formular recomendações ao Conselho e procede anualmente a um debate sobre os progressos realizados na execução da política externa e de segurança comum.
Participação do PE na UEM (União Económica e Monetária)
No que respeita ao Banco Central Europeu (BCE), foi confiado ao PE um papel de primeiro plano no universo da UEM. Embora o BCE beneficie de total independência nas opções de política monetária, sendo a única instância habilitada a fixar as taxas de juro a curto prazo e a utilizar os outros instrumentos monetários necessários para preservar a estabilidade do euro, no entanto, esta independência operacional do BCE é contrabalançada pela sua obrigação de prestar contas ao PE. No seu Regimento, o PE previu disposições precisas no que respeita ao seu papel na nomeação do Presidente do BCE, do Vice-Presidente e dos outros membros da Comissão Executiva do BCE. Depois de terem sido objeto de audições em comissão, estes terão ainda de obter o aval do PE para serem nomeados pelo Conselho. Por outro lado Presidente do BCE é obrigado a apresentar anualmente um relatório ao Parlamento Europeu, reunido em sessão plenária. Além disso, o Presidente do BCE e os outros membros da Comissão Executiva intervêm a intervalos regulares perante a comissão competente do PE. Este processo deve ser iniciado a pedido de cada uma das partes, realizando-se, pelo menos, quatro reuniões deste tipo todos os anos.
Participação do PE também nas áreas da Justiça e Assuntos Internos
O Parlamento atribui uma especial importância à definição e execução das políticas relativas a questões de interesse comum como as políticas de asilo, de imigração, de luta contra a toxicodependência, a fraude e corrupção, bem como a criminalidade internacional. São matérias que condicionam a vida interna dos países, perpassam a relação entre o Estados-Membros e os outros e perturbam a convivência mundial. Por isso, o Parlamento é regularmente consultado e informado sobre a cooperação entre os responsáveis pela justiça e pelos assuntos internos dos Estados-Membros da União. O Parlamento Europeu dirige outrossim perguntas ou formula recomendações ao Conselho e procede anualmente a um debate sobre os progressos realizados nestes domínios.
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Sem nos embrenharmos pelos meandros da sua organização e funcionamento – em plenário, por comissões, grupos parlamentares e grupos de trabalho – já temos material suficiente para percebermos que o PE não se confina a um mero areópago de discussão doutrinal (quiçá um, laboratório de ideias gigantesco). Constitui, antes uma instância política de decisão, de acompanhamento crítico da vida da União e uma voz que deve ter peso moral e político no concerto das nações e na correlação de posições dos blocos mundiais – pelo que a sua eleição deverá ser mais cuidada, protegida e mobilizadora. 

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