Nota
prévia
Ontem, 11 de março,
entretive-me, com a ajuda da companhia habitual, a ver o concurso televisivo
“Quem quer ser milionário”. Fiquei admirado pelo facto de nem o nervoso
concorrente nem o admirável público, que presta, tantas vezes, inestimável
ajuda aos concorrentes, sabiam em qual dos meses – abril, maio, junho e
setembro – iriam ocorrer as próximas eleições europeias.
Como toda a gente sabe, a
única instituição para cuja eleição direta os cidadãos eleitores dos diversos
países membros da União Europeia (UE) são convocados é o Parlamento Europeu
(PE). Por outro lado, as eleições, que habitualmente ocorriam no mês de junho,
por decisão dos competentes órgãos, passaram a ocorrer nos últimos dias de
maio. A razão invocada tem a ver com o facto de, em muitos dos países membros,
o mês de junho acolher o início das férias de muitos dos eleitores, o que
somado a outros motivos pretexta maior abstenção.
É óbvio que a abstenção
resulta, antes, do divórcio entre os cidadãos e a política (cada vez mais as
atitudes dos profissionais da política e dos detentores de cargos públicos
levam ao afastamento dos cidadãos) e ao facto de os responsáveis pela construção
da consciência cidadã e da opinião pública se terem desobrigado de proceder a
esse trabalho pedagógico. Parece que lhes importa mais assegurar lugares para
si e seus cúmplices e discutir as rivalidades nacionais interpartidárias. Por
seu turno, os eleitores, sem acesso aos debates dos temas europeus,
desforram-se nos avisos de sinal vermelho aos governantes, o que não deixa de
comprazer os partidos e atrapalhar os governantes.
Sendo assim, pretendo, ao
menos para mim, o conhecimento dos poderes do PE, a ver se passo a repartir com
ele as culpas e os louros que se atribuem habitualmente à Comissão Europeia (CE)
e a Durão Barroso. Segurei de perto as respostas às diversas questões
formuladas e respondidas no site do eurodeputado Carlos Coelho, embora sintetizando
e reordenando à minha maneira.
Sobre
os poderes em geral
De assembleia meramente consultiva, o PE, eleito de
cinco em cinco anos, transformou-se, por força da reforma dos “Tratados” numa verdadeira
assembleia legislativa com poderes comparáveis aos dos parlamentos nacionais,
mas à escala europeia. Nem de outra forma podia ser, dado que se trata de uma
grande instituição supranacional legitimada pelo sufrágio secreto, universal e direto. Os tratados que lhe
conferiram uma maior influência e poderes cada vez mais alargados são os
tratados de Maastricht (1992) e de Amesterdão (1997).
Como todos os parlamentos nacionais, o PE exerce os três
poderes fundamentais: o poder legislativo, através do qual participa por
diversas formas no processo comunitário de decisão em conjunto com o Conselho
Europeu, nomeadamente no processo de “codecisão”; o poder orçamental (a
primeira competência que lhe foi atribuída), quer na elaboração do orçamento, quer
no controlo da sua execução; e o poder de controlo do executivo, quer ao nível
da constituição e da destituição, segundo o qual a CE é politicamente
responsável perante o Parlamento, que pode, mediante a aprovação de uma moção
de censura, forçá-la a demitir-se (dispõe ainda de um poder de controlo
democrático sobre o conjunto da atividade comunitária, estendendo-se às
restantes instituições).
O poder legislativo
Ao nível do poder legislativo, o processo é singular
se o compararmos com o dos outros parlamentos. A iniciativa legislativa
pertence, em exclusivo à Comissão e a decisão final incumbe ao Conselho.
O Parlamento participa no processo legislativo, de acordo com a base jurídica
de cada decisão, através dos trâmites seguintes:
Consulta – a Comissão elabora a proposta, que envia ao Parlamento e ao
Conselho. Este, para decidir tem de obter o parecer parlamentar, o qual,
não sendo vinculativo, constitui uma formalidade essencial para o avanço do processo.
Parecer favorável – a Comissão envia a proposta ao Parlamento e ao Conselho. Este só pode
decidir, se houver um parecer de concordância por parte do Parlamento. Se
não houver, o Conselho, para poder aprová-la, tem de decidir por unanimidade.
Codecisão – a Comissão envia a proposta ao Parlamento e ao Conselho. O
Parlamento faz a 1.ª leitura; no caso de concordar, envia o documento ao
Conselho e este pode aprová-lo; caso contrário, envia-o ao Conselho, para que
analise a posição do Parlamento. O Conselho faz os seus comentários e
devolve-o ao Parlamento para que este proceda à 2.ª leitura. O Parlamento,
se persistir na discordância, envia o documento ao Conselho. Se este
discorda, cria-se o Comité de Conciliação. Se este não consegue chegar a
acordo, abandona-se o ato; se consegue um acordo envia o documento ao Conselho
para aprovação.
O poder
orçamental
O poder orçamental foi a primeira competência
atribuída ao Parlamento Europeu e a área em que esta instituição dispõe de maior
poder, quer na elaboração do orçamento, quer no controlo da sua execução.
O orçamento é a única decisão que entra em vigor com a aposição da assinatura
do Presidente do PE. A esta matéria voltarei noutra ocasião.
O poder
de controlo do executivo ou de
fiscalização.
Para além da possibilidade de constituição de comissões
parlamentares de inquérito, o PE dispõe dos seguintes instrumentos de
fiscalização:
- Intervenção na nomeação do Presidente e
Comissários, que marca, desde o
primeiro momento, a dependência política da Comissão face ao PE. Cabe aos Estados-Membros designar,
de comum acordo, a personalidade que pretendem para Presidente da Comissão, só
o podendo fazer após consulta ao Parlamento. Após a designação do Presidente, os Governos dos
Estados-Membros em consulta com aquele, designam as outras personalidades que são colegialmente sujeitas ao voto de
aprovação do PE e, só após essa aprovação, poderão ser nomeados de
comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros, tomar posse e assumir as suas funções.
- O debate da investidura. A aprovação da escolha do Presidente e dos restantes
membros da Comissão tem lugar no seguimento do discurso de investidura, já consagrada pela prática constitucional
da União Europeia: o Presidente da Comissão designado comparece perante o PE
para expor, em declaração apropriada, os propósitos do executivo por si
presidido. O discurso do
Presidente designado poderá ser seguido de um debate de investidura, que permite aos grupos políticos exprimir
os seus pontos de vista, explicitando o que esperam da nova comissão e
solicitando esclarecimentos, e influenciar, desta forma, a orientação da sua ação
futura.
- As perguntas escritas e orais. É
permitido ao Parlamento colocar questões sobre qualquer assunto, tanto à
Comissão como ao Conselho, quer sejam perguntas escritas prioritárias ou não (cada
deputado pode colocar uma pergunta prioritária por mês), quer sejam orais (para
resposta na sessão plenária). Anualmente são formuladas e respondidas
mais de 5.000 perguntas dos deputados e dos grupos políticos.
- Moção de censura.
O Parlamento pode provocar, através da aprovação de
uma moção de censura, a demissão coletiva dos comissários. É a expressão
maior do poder de controlo do PE sobre a Comissão, embora a maioria requerida
(2/3 dos presentes desde que superior à maioria absoluta em exercício de
funções) represente, na prática, um poder de difícil concretização. Por outro lado, a solidariedade e a
colegialidade, inerentes à Comissão, excluem a possibilidade de se construir uma
moção de censura dirigida individualmente contra um ou alguns dos seus membros.
- As Resoluções e Recomendações. Visam exprimir a posição política do PE sobre
questões importantes ou de princípio, com o objetivo de influenciar a ação da
Comissão ou do Conselho e alertar a opinião pública europeia. São
votadas pelo Parlamento no encerramento de um debate geral, com base na proposta
de resolução elaborada pela comissão parlamentar competente na matéria ou por
algum ou alguns dos grupos políticos.
Âmbito
da decisão parlamentar e relação do PE com outros organismos
Com efetivo poder decisório, o Parlamento só se pode
pronunciar sobre as matérias cuja competência lhe esteja atribuída nos
Tratados. Porém, como
câmara política que é, pode e deve analisar criticamente a vida europeia e
internacional sobre os mais diversos ângulos. As decisões que toma sobre estas
matérias, sob a forma de resolução, embora não vinculem juridicamente as outras
instituições comunitárias ou os Estados-Membros, não deixam de ter o peso
político de uma decisão do Parlamento Europeu, autoridade política e moral de
reconhecimento geral. As decisões do Parlamento em si não carecem de aprovação por parte de qualquer outro
organismo. O PE não é tutelado por qualquer outro órgão. Porém,
no processo legislativo, não lhe cabe a última palavra. A decisão só resulta
da vontade combinada do Parlamento e do Conselho, como se viu no processo de
codecisão. Por outro lado, sempre que é possível e necessário, o Parlamento consulta outros
organismos antes de tomar as suas decisões. Em muitos dos processos
legislativos, o Parlamento, através das suas comissões, promove audições através
das quais recolhe a opinião de especialistas, organizações não governamentais
e, frequentemente, dos parlamentos nacionais dos Estados-Membros da UE. Além
disso, o Parlamento recebe os pareceres do Conselho Económico e Social e do
Comité das Regiões.
Política
externa e de segurança comum (PESC)
Nos seus debates, o PE atribui relevante importância à
PESC, nomeadamente no âmbito da sua Comissão dos Assuntos Externos, dos
Direitos do Homem, da Segurança Comum e da Política de Defesa. A Presidência do Conselho consulta
o PE sobre os principais aspetos e as opções fundamentais da política externa e
de segurança comum e zela por que as posições do PE sejam devidamente tomadas
em consideração. O PE é regularmente informado pela Presidência e pela
Comissão sobre a evolução da política externa e de segurança da União. O
PE debate ainda o relatório do Alto Representante da União para a Política
Externa e de Segurança Comum (ARUPESC), cargo criado pelo Tratado de Amesterdão
e cujo primeiro titular é o espanhol Javier Solana, ex-Secretário-Geral da
NATO. O Parlamento Europeu
pode dirigir perguntas ou formular recomendações ao Conselho e procede
anualmente a um debate sobre os progressos realizados na execução da política
externa e de segurança comum.
Participação
do PE na UEM (União Económica e Monetária)
No que respeita ao Banco Central Europeu (BCE), foi
confiado ao PE um papel de primeiro plano no universo da UEM. Embora o BCE
beneficie de total independência nas opções de política monetária, sendo a
única instância habilitada a fixar as taxas de juro a curto prazo e a utilizar
os outros instrumentos monetários necessários para preservar a estabilidade do
euro, no entanto, esta independência operacional do BCE é contrabalançada pela
sua obrigação de prestar contas ao PE. No seu Regimento, o PE previu
disposições precisas no que respeita ao seu papel na nomeação do Presidente do
BCE, do Vice-Presidente e dos outros membros da Comissão Executiva do BCE. Depois
de terem sido objeto de audições em comissão, estes terão ainda de obter o aval
do PE para serem nomeados pelo Conselho. Por outro lado Presidente do BCE é
obrigado a apresentar anualmente um relatório ao Parlamento Europeu, reunido em
sessão plenária. Além disso, o Presidente do BCE e os outros membros da
Comissão Executiva intervêm a intervalos regulares perante a comissão competente
do PE. Este processo deve ser iniciado a pedido de cada uma das partes,
realizando-se, pelo menos, quatro reuniões deste tipo todos os anos.
Participação
do PE também nas áreas da Justiça e Assuntos Internos
O Parlamento atribui uma especial importância à definição
e execução das políticas relativas a questões de interesse comum como as
políticas de asilo, de imigração, de luta contra a toxicodependência, a fraude
e corrupção, bem como a criminalidade internacional. São matérias que condicionam
a vida interna dos países, perpassam a relação entre o Estados-Membros e os outros
e perturbam a convivência mundial. Por isso, o Parlamento é regularmente
consultado e informado sobre a cooperação entre os responsáveis pela justiça e
pelos assuntos internos dos Estados-Membros da União. O Parlamento Europeu
dirige outrossim perguntas ou formula recomendações ao Conselho e procede
anualmente a um debate sobre os progressos realizados nestes domínios.
***
Sem nos embrenharmos pelos meandros da sua organização
e funcionamento – em plenário, por comissões, grupos parlamentares e grupos de
trabalho – já temos material suficiente para percebermos que o PE não se
confina a um mero areópago de discussão doutrinal (quiçá um, laboratório de
ideias gigantesco). Constitui, antes uma instância política de decisão, de acompanhamento
crítico da vida da União e uma voz que deve ter peso moral e político no concerto
das nações e na correlação de posições dos blocos mundiais – pelo que a sua
eleição deverá ser mais cuidada, protegida e mobilizadora.
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