Nota prévia
A
propósito da mais recente movimentação ocorrida em Portugal sobre colocações
episcopais, dei-me ao entretenimento de folhear alguns papéis e ler alguma
produção vaticana sobre a matéria. Dos papéis retive a informação de que os
agentes pastorais da vetusta diocese de Lamego, sediada na venusta cidade
episcopal, não se poupavam a esforços catequéticos nas comunidades sobre o ser
e a missão do bispo no quadro geral do ser e da missão da Igreja. Recordo que
pessoalmente me empenhei nessa modalidade de ação em torno das celebrações da
ordenação episcopal de Dom António Rafael (1977) e de Dom Jacinto Botelho
(1996). Depois, já radicado nestas paragens de Terras de Santa Maria, tomei boa
nota de que preocupações efetivas de similar cariz envolveram a celebração da
ordenação do atual bispo eleito da diocese do Porto.
E é
exatamente a expressão “bispo eleito” que serviu de base ao arrazoado que, a
seguir, vai explanado.
Sobre os termos “eleição” e “eleger”
O termo
“eleição” entrou no léxico coevo com um forte sentido restritivo, de tal modo
que parece que a eleição que não passe pelo escrutínio direto, presencial,
secreto e universal já não será eleição e muito menos eleição democrática. Por
consequência, chegaram alguns a pensar que outra forma de provimento não
conferiria legitimidade para o exercício de funções, esquecendo a validade da
nomeação por força do concurso, do ajuste direto por convite (em algumas
circunstâncias), da apresentação voluntária (legitimada pela aceitação de quem
de direito) e da nomeação, e até eleição por universo mais restrito, por parte
de quem fora eleito (ou eleição indireta). Chegaram alguns a rejeitar a eleição
enquanto fonte de provimento menos exigente do ângulo da cientificidade e da
tecnicidade (Recorde-se o remoque de
Gaspar em resposta a uma deputa “eu não fui eleito coisíssima nenhuma” ou
releia-se o preâmbulo e articulado consequente do decreto-lei n.º 75/2008, de
22 de abril, mesmo na sua redação atual, sobre autonomia, administração e gestão
de escolas, no atinente ao perfil e recrutamento do diretor). Lembro-me de
que, em tempos em que, por razões de ofício, participei em debates sobre a
regionalização do país, alguns políticos se lamentavam da incapacidade, por
exemplo, dos presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento
regional (CCDR), pelo facto de o seu provimento não ter a eleição como fonte de
legitimidade. Estamos, como se depreende, a navegar pela semântica da eleição
democrática, aquela que hoje periodicamente (e extraordinariamente, se as
circunstâncias o determinarem ou aconselharem) se impõe, em termos
constitucionais, para a escolha dos representantes do povo com vista à boa
condução dos seus destinos ou analogamente, por força da lei, estatuto ou
regulamento, quanto à escolha dos representantes de uma agremiação para fim
semelhante.
Compulsando
os dicionários de que habitualmente disponho (grego, da Apostolado da Imprensa e da Vox;
latim, de Gaffiot, de Torrinha, da Lello, da Vox e da Porto Editora; Português, da Porto Editora / várias edições, da Lello, da Texto / várias edições, de José
Pedro Machado / várias edições, de Morais
/ várias edições de Moreno, de Torrinha e do Novo Aurélio),
o bosquejo permite-nos verificar que os vocábulos “eleição”, (no latim, electio), “eleger” (no latim, eligere), derivados respetivamente de
“lição” e “leitura”, (no latim, lectio
e lectura), “ler” (no latim, legere), a que se adicionou o prefixo e- ou ex- (de dentro para fora, do
respetivo domínio), significam naturalmente eleição, eleger, lição, leitura
e ler (perdoe-se a tautologia).
Porém, o
que envolve o ato de ler? Quer se adote, em termos de aprendizagem da leitura,
o método global, o método analítico ou o da cartilha maternal, ler só acontece percorrendo
os seguintes passos: identificar os carateres ou letras; relacionar os
carateres com os sons (fonemas) que eles representam ou podem representar;
ajuizar em cada contexto de escrita que sons os carateres efetivamente
representam (o que implica separação, seleção ou escolha e assunção); juntar os
carateres em conformidade com a seleção fonética efetuada para formar a cadeia
fónica com sentido; ordenar a sequência frásica; fazer a incorporação e a
retenção na mente; fazer a formulação do enunciado; e, finalmente, se for o
caso pronunciar para outrem ou confiar ao papel (escrita).
Não
preciso de mais tempo, se disser que “eleger” é “ler”, ou seja, identificar
(pelo que há que pesquisar), separar, relacionar, escolher ou preferir,
assumir, tendo como bom e proclamar – o que implica pôr de parte, preterir,
rejeitar, relegar para outra ocasião. Mas o verbo eligere e o nome electio vêm
relacionados com elicere (evocar,
fazer sair, tirar, arrancar, tirar à sorte, atrair, excitar, provocar) e lacere (atrair, seduzir) – relacionado
com lax, lacis (sedução, astúcia). Já
no grego temos ecléao, para escolho; eclégo, para escolho, tiro, arranco,
tomo; caléo, para chamo, invoco,
convoco, convido, nomeio, reclamo, exijo. E encontramos cheirotonéo (repare-se na palavra cheir, queirós / mão) e airéomai,
para prefiro, nomeio por votação; cheirotonía
e archairesía (repare-se na palavra archê / origem, princípio, fundamento, mando,
cargo), para eleição de magistrados. E temos a ecclesía, assembleia que delibera, elege.
Então,
no rigor dos termos, tanto se pode falar de “eleger” e “eleição”, quando a
escolha se apoia na deliberação de um povo, de um colégio eleitoral, de uma
assembleia geral, de uma junta (já tivemos dois Presidentes da República
eleitos pela Junta de Salvação Nacional), de um trio, de um indivíduo ou dum
chamamento de Deus (vocação). Quem nunca entoou ou ouviu entoar o canto
sacerdotal “salve, salve, ó eleito de Cristo” ou nunca leu que Nossa Senhora
era a Electa ut sol?
Ronda pela literatura conciliar e
pontifícia
Depois
disto, é capaz de ser interessante uma excursão ao Vaticano, durante a qual nos
detenhamos no discurso de Francisco aos superiores, membros e oficiais da
Congregação para os Bispos, a 27 de fevereiro, em que retoma itens do discurso aos Núncios
Apostólicos reunidos no âmbito das celebrações do Ano da Fé, a 21 de junho de
2013). O texto passa em revista: a missão da Congregação,
sob o horizonte de Deus; a eminência da Igreja Apostólica como fonte; a
soberania de Deus, autor das escolhas; e o perfil do bispo.
O papa, aludindo ao cerimonial da ordenação
episcopal, questiona se a pergunta pela existência de mandato a quem propõe a
ordenação do candidato não deveria ser formulada pela questionação sobre se o
candidato fora mesmo o escolhido pelo Senhor, de acordo com o que Ele próprio
fez: “chamou
a Si os Doze e foi-os enviando dois a dois…” (Mc 6,7). Tal posição questionante do pontífice urge a autocrítica dos
representantes pontifícios e dos elementos do dicastério encarregado de
organizar os preparativos para a configuração do mandato, sua redação e
expedição. O sentido de todo o trabalho discreto destes homens, pautado pela “profissionalidade,
serviço e santidade de vida”, consiste em “identificar o perfil
daqueles que o próprio Espírito Santo coloca como guias da sua Igreja” –
correspondente ao desejo expresso pelos “lábios da Igreja”: alguém que “saiba elevar-se à altura do olhar de Deus
para nos guiar para Ele”, “nos vigie do alto”, “nos olhe com a largueza do
coração de Deus” e “conhecendo a amplidão do campo de Deus, mais do que a estreiteza
do seu próprio jardim, nos garanta que aquilo a que aspiram os nossos corações
não é uma promessa vã”. Por isso, os promotores das candidaturas ao
episcopado, também têm de subir acima de si próprios, “penetrar na amplidão do
horizonte de Deus” e ultrapassar as suas eventuais “preferências, simpatias,
pertenças ou tendências” para encontrar estes “portadores do seu olhar do
alto”, não homens condicionados pelos poderes baixos, mas pastores dotados da parresia (fogo da franqueza e ousadia),
capazes de assegurar no mundo o “sacramento de unidade”. Devem percorrer bem o
campo de Deus para a descoberta de pastores, que os há, dado que o senhor não
abandona a sua obra, devendo mesmo estar abertos a sinais extraordinários que
revelem o querer de Deus. A esse respeito, quase no final do discurso, lembra o
caso de Jessé, que apresentou a Samuel os filhos para que um deles fosse ungido
rei, sucessor de Saul (cf 1 Sam 16,11-13). “Estão aqui todos os teus filhos?” –
pergunta Samuel. Sabendo que David andava a apascentar o rebanho, o profeta
urgiu a presença do ausente, porque ouviu a voz divina: “Unge-o: é ele!”.
O critério
desse penoso trabalho de recrutamento e seleção deve ser procurado na Igreja
Apostólica, já que “a altura da Igreja encontra-se sempre nos abismos profundos
dos seus fundamentos” e na Igreja Apostólica “temos aquilo que é alto e
profundo”. Recorda o papa que “o colégio episcopal, no qual mediante o
Sacramento serão inseridos os bispos, sucede ao colégio apostólico” e que as
pessoas, que já conhecem o sofrimento de tantas ruturas históricas, precisam de
saber que a sucessão apostólica é ininterrupta: “têm necessidade de encontrar
na Igreja aquele permanecer indelével da graça do princípio” – afirma. Assim, a
Igreja apostólica é que ilumina a escolha do perfil de bispo a recrutar: deve o
bispo ser recrutado entre os seguidores do percurso de Cristo desde o princípio
e que se tornaram, em conjunto com os
doze, testemunhas do Ressuscitado (cf Act 1,21-22). O bispo, segundo
Francisco “é, antes de mais, um mártir do Ressuscitado”, não isolado, mas “em
conjunto com a Igreja”, pelo que “a sua vida e o seu ministério devem tornar
credível a Ressurreição”, o que exige a inscrição no ADN do episcopado da “coragem
de morrer e da generosidade de oferecer a própria vida e de gastar-se pelo
rebanho”. Por isso, “a renúncia e o sacrifício são conaturais à missão
episcopal”; e “o episcopado não é para si, mas para a Igreja, para os outros,
sobretudo para aqueles que segundo o mundo são para descartar”.
O papa não
busca para o colégio episcopal homens enciclopédias ou altamente
especializados. Diz ele: “para caraterizar um bispo não serve a contabilidade
dos dotes humanos, intelectuais, culturais e mesmo pastorais; o perfil de um bispo
não é a soma algébrica das suas virtudes”. E traça um perfil detalhado conforme
o estipulado no Código de Direito Canónico (can 378§ 1): integridade humana,
que assegure relações sãs, equilibradas, para não projetar as suas fraquezas sobre
outrem, tornando-se fator de instabilidade; solidez cristã, para promover a
fraternidade e a comunhão; comportamento reto, que ateste a medida alta dos
discípulos; preparação cultural que permita dialogar com os homens e as
culturas; ortodoxia e fidelidade à Verdade total guardada em Igreja, que o torne
uma coluna e ponto de referência; disciplina interior e exterior, como garante
do domínio de si e do espaço ao acolhimento; capacidade de governar com paterna
firmeza e segurança da autoridade que ajuda a crescer; transparência e desapego
na administração dos bens da comunidade, que lhe granjeiem respeitabilidade e
estima – imprescindíveis dotes que devem ser emanação do central testemunho do
Ressuscitado.
Quanto à soberania de Deus, autor da escolha, que
é imperioso assegurar sempre, o texto apostólico destaca,
durante o penoso discernimento, a oração dos
Apóstolos: “Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, mostra qual destes
escolheste” (Act 1,24) e “deitaram sortes sobre eles” (Act 1,26). É a oração-compromisso
que evitará que as escolhas sejam “ditadas
pelas nossas preferências, condicionadas por eventuais apoios, capelinhas ou
hegemonias”. Para garantia de tal soberania dispõe-se de dois recursos
fundamentais: o tribunal da própria consciência diante de Deus e a
colegialidade. “Ninguém pode ter na mão tudo” – adverte o papa – “cada um
coloca com humildade e honestidade a própria marca num mosaico que pertence a
Deus”. Por isso, os selecionadores devem “seguir
a rota da grande nau da Igreja de Deus”, na “certeza do sopro do Espírito que a
impele” e na “segurança do porto que a espera”, mover-se no “seu horizonte
universal de salvação”, e assestar a bússola “na Palavra e no Ministério”.
À luz do testemunho do Ressuscitado e do perfil
acima desenhado, marca-se a tríplice linha definidora do fácies episcopal: kerigmático, orante e pastor.
O livro dos Atos
dos Apóstolos refere que os Apóstolos impunham as mãos sobre aqueles que
deviam servir às mesas porque para não podiam “deixar de parte a Palavra de
Deus” (cf Act 6,1-7). Assim, o papa entende que, “porque a fé vem do anúncio,
temos necessidades de bispos kerigmáticos”
– guardiões da doutrina, não para medirem a distância entre o mundo e ela, mas
para “fascinarem”, “encantarem com a beleza do amor”, “seduzirem com a oferta
da liberdade” do Evangelho; “semeadores humildes e confiantes da verdade”, que
se empenhem “na preparação do terreno e na amplitude da sementeira”; “cientes
de que, mesmo quando vier a noite e a fadiga do dia os tornar cansados, as
sementes continuarão a germinar no campo”; “pacientes”, mesmo “para com aqueles
que nos convidam a ter paciência”, pois “a cizânia nunca será tanta que encha o
campo”.
O mesmo texto apostólico (Act 6,1-7) refere a oração
como uma das duas tarefas essenciais do Bispo: “Agora, irmãos, procurai entre
vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria a
quem confiaremos este encargo. Nós, porém, dedicar-nos-emos à oração e ao
serviço da Palavra (vv 3-4). O bispo, como homem de oração, deve ter na oração
o mesmo empenho do anúncio da Palavra, zelando junto de Deus pelo bem e
salvação do seu povo. Francisco está convicto de que “um homem que não tem a coragem de
discutir com Deus em favor do seu povo não pode ser bispo e nem mesmo aquele
que não é capaz de assumir a missão de levar o povo de Deus até ao lugar que
Ele, o Senhor, lhe indica” (cfr Ex 32,33-34). E sugere que “o bispo deve
ser capaz de entrar “em paciência” diante de Deus, olhando e deixando-se olhar,
procurando e deixando-se procurar, encontrando e deixando-se encontrar”.
Retomando o discurso de 21 de junho, recorda que
os bispos devem ser pastores próximos do povo, “pais e irmãos”: mansos, pacientes
e misericordiosos; amantes da pobreza (interior, como liberdade para o Senhor;
e exterior, como simplicidade e austeridade de vida); sem a psicologia de
‘Príncipes’; sem ambições e sem pretensão ao episcopado; esposos de uma Igreja,
sem estar em constante pensamento numa outra; capazes de olhar e de “velar” pelo
rebanho que lhes é confiado, e de ter o cuidado por tudo o que o mantenha
unido.
E,
assegurando que estes homens não são “donos da Palavra”, mas “servos da
Palavra” e cujo legado aos outros terá de ser “a santidade”, contra algumas
tendências hodiernas de encontros e congressos – pretexto da tentação para
escapar às malhas da rotina e do tédio – o papa exige duas caraterísticas do
exercício do múnus episcopal: assiduidade e quotidianidade. Para tanto, cita o
Concílio Vaticano II que estabelece que aos Bispos “é plenamente confiado o
ofício pastoral, ou seja, o assíduo e quotidiano cuidado do rebanho” (cf Lumen Gentium, 27). E para cumprimento
deste desiderato espera a reflexão e explicação dos padres espirituais e, mesmo,
um documento de reflexão da Congregação para os Bispos sobre o decreto tridentino
da obrigação de residência. Isto, porque “ao rebanho é útil encontrar espaço no
coração do Pastor. Se isto não está firmemente ancorado em si próprio, em
Cristo e na sua Igreja, o bispo estará continuamente baloiçado pelas ondas à
procura de efémeras compensações e não oferecerá ao rebanho abrigo algum”.
Sobre o modus faciendi
O processo de
recrutamento, seleção e nomeação dos bispos vem, de vez em quando, merecendo
reparos, que parecem, a meu ver, pouco fundamentados e pouco sistematizados, resultantes
mais da não consignação de presbíteros que se queria ver selecionados ou com
algum olhar de soslaio para com alguns dos eleitos.
O
estabelecido no can 377 do CIC confere ao Sumo Pontífice a nomeação livre dos
bispos ou a confirmação dos eleitos. Tal não contraria a prática habitual das
igrejas de rito oriental em que os bispos são eleitos no sínodo patriarcal ou
órgão equivalente, cujo resultado é de submeter à confirmação papal. Prática
semelhante sucede em algumas dioceses de rito latino (na Alemanha, na Áustria e
na Suíça) em que o cabido da respetiva catedral participa formalmente da
eleição ou nomeação do bispo. Sendo assim, uma das hipóteses a sugerir, em sede
própria, seria o alargamento, e talvez a generalização, dessa prerrogativa
vigente nalgumas Igrejas particulares.
Mas o código
não é tão fechado como parece à luz de uma leitura em diagonal: ao menos de 3
em 3 anos, os bispos da província eclesiástica ou as conferências episcopais
devem organizar, em deliberação comum e secreta um elenco de presbíteros,
incluindo os dos institutos de vida consagrada, mais aptos ao exercício do
múnus episcopal, a enviar à Sé Apostólica; o bispo de cada diocese mantém o
direito de individualmente fazer coisa similar (e deverá mesmo fazê-lo,
indicando três nomes, se entender que a sua diocese precisa de bispo auxiliar);
quando o legado pontifício houver de propor um bispo diocesano ou coadjutor,
deve dar o seu parecer à Sé Apostólica e pedir (e depois enviá-lo
separadamente) também as sugestões do metropolita, dos sufragâneos a que
pertence a diocese em causa ou a que lhe esteja agregada e do presidente da
conferência episcopal, bem como de alguns membros do colégio dos consultores e
do cabido e mesmo de outros membros do clero secular e regular e leigos
notáveis pela sua sabedoria. Não se pode dizer que a rede de informação seja
tão diminuta, desde que efetivamente seguida!
Outra
sugestão que pode ser apresentada em sede própria e por quem de direito, é que
a elaboração das listas referidas possa surgir de um colégio eleitoral mais
alargado em cada diocese, conforme a oportunidade, as sessões possam ser
públicas ou publicitadas, as votações sejam secretas, em nomes e não em listas,
e os resultados se mantenham sob reserva – isto para assegurar a liberdade
papal de nomeação, acautelar eventuais recusas e, dentro do possível, seguir os
ditames epistemológicos do recrutamento e seleção acima enunciados.
De resto, a
eleição dita democrática por lista, presencial, universal, direta e secreta,
com força vinculativa, não parece boa conselheira na matéria, até pela
experiência que as democracias formais têm apresentado: eleição baseada em
promessas, não cumpridas, e propaganda demasiado agressiva, desviante das
verdadeiras questões; composição de listas resultantes do aparelhismo
partidário e do jogo de interesses; mandatos limitados no tempo; e predomínio
da mediocridade e sujeição ao carreirismo. No caso das dioceses, se o bispo
fosse escolhido unicamente no seio da diocese, dificilmente o voto recairia num
adventício e alguma dificuldade se levantaria na aceitação de alguém de dentro em
quem, por força de uma apreciação parcelar, se reconhecessem mais fraquezas que
potencialidades; por outro lado, a eleição demasiado circunscrita a um
território poderia não abrir horizontes para lá da massa humana autóctone nem
sempre qualificada para o exercício do múnus episcopal. Parece, pois, que uma
solução equilibrada, de auscultação ampla a montante e uma aceitação reverente
a jusante, garantirá melhor a concretização do desígnio. Porém, a Igreja tem de
permanecer aberta ao sopro do Espírito que muito bem pode querer operar de
outro modo. O apego inabalável a regras estabelecidas nunca permitirá a
repetição do fenómeno que catapultou um santo Ambrósio para a cátedra arquiepiscopal
de Milão (perante o clero reunido na catedral para a eleição episcopal, um
menino grita “Ambrósio, o Bispo! E este era o governador, um não
eclesiástico.). Por eleição formalmente democrática, Paulo VI nunca seria
arcebispo de Milão e não sei se o grande Ratzinger chegaria a papa. E olhando
friamente para o percurso de vida, São Paulo nunca viraria a apóstolo e Santo
Agostinho nunca viria a ser bispo de Hipona.
Portanto,
inspire Deus, trabalhem os homens!
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