Os
bispos da COMECE (Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia), em 2009,
afirmaram que, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a UE estava
finalmente preparada para enfrentar os desafios urgentes da próxima década
(2011-2020). Nessa ocasião, saudaram
a escolha de Herman Van Rompuy para primeiro Presidente do Conselho Europeu,
assim como a de Catherine Ashton como alta representante para a política
externa da União Europeia.
Entendiam
os bispos que aqueles dois novos representantes da UE eram convidados a
desenvolver a sua ação “a favor do bem comum e da dignidade humana”,
conscientes que são da “vocação histórica da União Europeia voltada para a paz
e para a justiça no mundo inteiro”.
Os
bispos tomaram e tomam a palavra sobre a Europa por duas razões: a primeira é
que na Europa dos cidadãos todos têm direito à palavra, quer individualmente
considerados, quer enquadrados nas organizações a que pertencem; a segunda é
que o art.º 17.º do Tratado de Lisboa “reconhece a identidade e o contributo
específico das Igrejas e irá dar continuidade ao diálogo”.
Neste
contexto ideático e justificativo, a conferência dos bispos da COMECE sentiu-se
na obrigação e no direito de produzir uma declaração sobre as próximas eleições
para o Parlamento Europeu (que terão lugar de 22 a 25 de maio
de 2014, em Portugal a 25), que pode ser lida na agência Ecclesia, na página de hoje, 27 de
março.
Reconhecendo
que elas terão “grandes implicações para aqueles que vão
conduzir a União ao longo dos próximos anos, declaram que “é essencial que os
cidadãos da UE participem do processo democrático por meio do seu voto no dia
das eleições”.
A
meu ver, não deveriam ser apenas os cidadãos a ler e a ter em conta esta
palavra dos bispos católicos, mas também os partidos políticos, em razão da
obrigação que lhes cabe no sentido da mobilização dos cidadãos para a
participação nos atos eleitorais – obrigação prévia à da apresentação dos seus
projetos próprios.
Os
partidos devem saber e ensinar aos eleitores que, como referem os prelados, “a
aproximação das eleições oferece ao conjunto da sociedade europeia a
oportunidade de debater as questões socioeconómicas centrais que irão moldar a
União nos próximos anos” (e não pretender aproveitar o momento para “dar
pancada” nos governantes dos respetivos Estados-Membros ou lhes apresentar os
desportivos cartões – amarelo ou mesmo vermelho). Quanto aos cidadãos, os
deveres eleitorais são atribuições de todos os que estão em idade eleitoral, ou
seja, no gozo dos direitos civis e políticos – pelo que nenhum eleitor,
católico ou não, tem o direito de ficar em casa refugiando-se no “estatuto” de
abstencionista.
Por
isso, os bispos da COMECE, quiseram fornecer uma “orientação ao eleitor da UE
na formação da sua consciência” aproveitando o ensejo para destacar algumas
“questões de relevo” e avaliá-las “sob o prisma da doutrina social da Igreja”
(Pode a todo o momento aceder-se ao site da Santa Sé na página dos textos
fundamentais e ler-se o longo Compêndio
da Doutrina Social da Igreja – http://www.vatican.va/), esperando que o seu
juízo “possa ser igualmente escutado por todos os homens e mulheres de boa
vontade empenhados no êxito do projeto europeu” e mesmo “por aqueles que se
candidatam nas presentes eleições para o Parlamento Europeu”.
***
Nestes
termos, enumeram as seguintes condições gerais, em número de quatro, como, a
seguir, se explana:
−
“Votar é ao mesmo tempo direito e dever de cada cidadão da UE”. Por isso,
deixam o apelo, sobretudo aos jovens que vão votar pela primeira vez, para que
participem nos debates e votem.
−
“É importante que aqueles que aspiram a ser eleitos pela primeira vez ou que
buscam a reeleição para o Parlamento Europeu estejam cientes dos danos
colaterais da crise económica e bancária iniciada em 2008”. Sendo assim e dado
que “o número dos ‘novos pobres’ cresce a um ritmo alarmante”, é necessário ter
em conta as palavras do Papa Francisco sobre “a difícil situação dos pobres e
vulneráveis, jovens e pessoas com deficiência, não esquecendo aqueles
recentemente empurrados para a pobreza pela crise”.
−
“A mensagem cristã é de esperança”. A este respeito citam a exortação de João
Paulo II, Ecclesia in Europa, em que
se declara que “é com uma confiança firme num futuro melhor que a Igreja aborda
o desafio europeu” apelam a que, em razão da “visão nobre da humanidade” em que
se inspira o projeto europeu, todos – os cidadãos, comunidades e até mesmo os
Estados-nação – sejam “capazes de pôr de lado o interesse particular em busca
do bem comum”.
−
“A temperança é uma das virtudes naturais no centro da espiritualidade cristã.
Assim sendo, propõem a criação de uma “cultura de moderação” que inspire “a
economia social de mercado e a política ambiental”, levando a que “as pessoas
em situação de pobreza real participem de uma forma mais equitativa na
distribuição dos bens”.
***
Depois
destas considerações gerais, os prelados da COMECE, elegeram áreas específicas
da política europeia para a reflexão dos concidadãos:
O
princípio da subsidiariedade. Este pilar básico da
família única de Estados-nação que constitui a UE, não pode ficar em risco por
causa do movimento em direção à unidade, o qual também não deverá sacrificar as
tradições de cada Estado-nação.
O
outro pilar da União, a solidariedade. Enquanto
princípio fundamental da doutrina social da Igreja, é preciso que presida à
política, na UE, a todos os níveis, entre nações, regiões e grupos
populacionais, porque a solidariedade é a urgência deste mundo cada vez mais
divido entre a super-riqueza e o sobre-empobrecimento.
3.
O
respeito pela dignidade do homem. Decorre de uma visão da humanidade que
deve sustentar todas as áreas da política socioeconómica e levar a apoiar a
vida em qualquer uma das fases da sua existência, bem como a proteger a
família, núcleo fundamental da sociedade.
4.
O
impacto do movimento migratório – interno e externo – na vida dos indivíduos e
da sociedade. A fronteira externa da União europeia é comum. Por isso,
a responsabilidade de acolhimento e integração é responsabilidade de todos e
cada um dos Estados-membros, sempre no respeito dos direitos humanos e com um
tratamento humano, mobilizando para o efeito as organizações das Igrejas, que
também são parte interessada na promoção do bem comum.
5.
O
dever de guardiões da criação. Este dever leva-nos a reiterar a
determinação de “respeitar e atingir as metas de emissão de CO2”, na
da ótica da promoção do “entendimento internacional sobre as alterações
climáticas”, do compromisso “com uma abordagem mais ecológica” e da insistência
na “sustentabilidade” enquanto “elemento fundamental de qualquer política de
crescimento ou desenvolvimento”.
6.
A
liberdade religiosa como caraterística fundamental de uma sociedade tolerante e
aberta. Incluindo esta liberdade “o direito de manifestar as suas
crenças em público”, a COMECE congratula-se “com as orientações da UE sobre a
promoção e defesa da liberdade de religião e crença”, ao mesmo tempo que espera
“que o novo Parlamento Europeu intensifique o seu trabalho nesta importante
matéria”.
7.
O
domingo como dia comum de descanso semanal. Neste sentido, os
representantes das conferências episcopais limitam-se a apoiar “todas as
medidas para proteger o dia comum de descanso semanal, que é o domingo”.
Poderiam, entretanto, ter feito alguma referência à necessidade do descanso
para quem trabalha, com vista ao restabelecimento das forças físicas e
psíquicas, como não ficaria despropositada alguma reflexão sobre a teologia do
tempo livre (ócio) enquanto momento de liberdade contra a tendência
escravizadora do trabalho por parte da vertente selvática do neocapitalismo sem
rosto e exercício do direito/dever de entrega ao culto da espiritualidade – ante
um mundo que ou despreza os tempos de descanso ou os ocupa de todos os modos e
feitios, originando outras formas de servidão.
8.
O
impacto profundo das alterações demográficas na vida da UE. Sem pessoas
não há Estados, sem Estados não há União Europeia. Sendo assim, os bispos
pretendem cuidados da qualidade para os idosos, a que eles têm direito (não
sendo lícito descartar pessoas que já deram muito à humanidade e continuam a
constituir a reserva da sabedoria experiencial e, tantas vezes, académica) e
políticas criadoras de novas oportunidades para os mais jovens.
***
Finalmente, o
episcopado da COMECE põe o dedo na ferida, alertando para o risco que a UE corre
neste momento dramático, mas decisivo: a crise económica, resultante do colapso
do sistema bancário de 2008, adensou as relações entre os Estados-Membros,
lançou um premente repto ao dinamismo da solidariedade entre as partes da União,
colocou na esteira da pobreza galopante um grande número de cidadãos e lançou a
cizânia da frustração das perspetivas de futuro a muitos jovens.
Por
isso, os bispos, instando a que se compareça em massa à boca das urnas no próximo
ato eleitoral e se vote seguindo os ditames de uma consciência informada,
apelam a que de modo algum seja abandonado ou posto em risco o projeto europeu.
Um projeto solidário inspirado numa nobre visão da humanidade não pode soçobrar
num mar de procelas ou nos caminhos deste mundo em que está a haver mais pedras
que “caminho”.
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