Causou-me uma
certa comichão na sensibilidade pacífica a notícia da proposta da atribuição do
prémio Nobel da Paz ao presidente Putin, já pelas circunstâncias políticas que rodearam
as últimas eleições que o catapultaram à chefatura do estado russo, já pelas dúbias
diligências diplomáticas por si patrocinadas, bem como pelas medidas de pendor
belicista, por mais cauteloso que se presuma, que se têm desenhado no panorama
de intervenção sob a égide do predito presidente.
A notícia, que
me fez lembrar a atribuição do mesmo galardão a Barach Obama logo no dealbar do
seu primeiro mandato presidencial, com resultados de controversa eficácia, levou-me
à procura de conhecimento sobre os prémios Nobel, designadamente motivação,
história e objetivos, baseado nos recursos bibliográficos e informáticos.
Assim, ao nível
da motivação, colhi a seguinte informação: Alfred
Nobel, químico e industrial sueco, inventou, com outros explosivos, a dinamite para
fins pacíficos (fautores do progresso, aplicáveis, por exemplo, no rebentamento
de pedreiras, abertura de minas, rompimento de túneis); ficou desgostoso com o
uso militar dos explosivos fabricados com base no seu invento; e ficou chocado
com a notícia veiculada por um jornal francês que o dava como morto e o
qualificava como “mercador da morte”, quando quem tinha morrido tinha sido o
seu irmão Ludvig. Tal visão antecipada do seu obituário terá despertado em si o
propósito de o modificar, tendo resultado, por força do seu testamento, a
decisão de galardoar anualmente aqueles que, de futuro, servissem o bem da
Humanidade, mais propriamente através da investigação, descoberta e formulação nos
domínios da física, química, fisiologia ou medicina, literatura e paz,
independentemente da nacionalidade das personalidades propostas.
Nobel tornou-se multimilionário por mercê de
suas numerosas descobertas através das quais inventou, em 1866, a dinamite, que
passou a ser comercializada em grande escala no final do século XIX. Detentor
de mais de 350 patentes, fundou companhias e laboratórios em cerca de 20 países.
Ao mesmo tempo, cultiva a escrita da poesia e do drama e chegou a pensar em
tornar-se escritor. Idealista e consciente dos perigos que envolviam o uso indevido
de suas invenções, decidiu-se a apoiar eficazmente as investigações científicas
e os movimentos em prol da paz – para o que dispôs das verbas necessárias.
Quanto à história e objetivos, há que referir que a
Fundação Nobel, prevista no testamento do seu patrono em 1895, foi criada em
junho de 1900, e é o garante do respeito pelas regras a observar na designação
dos laureados e da verificação do bom andamento da eleição. Também é responsável,
através de um comité específico para cada uma das cinco áreas indicadas e de
acordo com as propostas de personalidades eminentes, pela elaboração e
encaminhamento das listas de indicações às várias instâncias que atribuem o galardão,
que, a seu juízo, podem não o atribuir, se entenderem que nenhuma das entidades
propostas reúne as condições exigidas. Também não o atribuem, obviamente se não
houver candidatos ou se não se dispuser de informação suficiente sobre eles,
como aconteceu durante as duas guerras mundiais. Os prémios são custeados pelos
rendimentos oriundos do legado do testador e
recursos privados enditantes do património da fundação.
O conteúdo do prémio, atribuível, em cada
ano, a um candidato ou divisível por dois ou três, é constituído por uma medalha
de ouro com a efígie de Alfred Nobel, gravada com seu nome, um diploma com a
citação da condecoração e uma soma em dinheiro que varia de acordo com os
rendimentos da Fundação Nobel, mas que ronda os 10 milhões de coroas suecas (mais
de um milhão de euros). O
propósito original era permitir que as pessoas e instituições laureadas
continuassem a trabalhar ou pesquisar, sem pressões financeiras.
Entretanto, em 1968, o Sveriges Riksbank, o Banco Central
da Suécia, instituiu o “Prémio de Ciências
Económicas em Memória de Alfred Nobel”, impropriamente conhecido como
"Prémio Nobel da Economia" e concedido a partir de 1969. De facto,
este galardão não tem ligação com Alfred
Nobel, não sendo pago com o dinheiro privado da Fundação Nobel, mas com
dinheiro público do banco central sueco, embora os ganhadores sejam escolhidos
pela Academia Real das Ciências da Suécia.
E, porque o segmento frásico estratégico em
memória de Alfred Nobel causou
alguma confusão na opinião pública e na própria designação do prémio e a
família Nobel não aceita o prémio como tal, ficou decidido que, a partir de
1968, não mais seriam criados outros prémios em
memória de Alfred Nobel. Porém, o designado como "Prémio Nobel da
Economia" é entregue na mesma ocasião que os prémios originais, a
quando do aniversário da morte de Alfred Nobel, a 10 de dezembro.
Mas, em 1991, foi criado por
Marc Abrahams, à revelia do Nobel, o prémio humorístico em regime de sátira aos
prémios Nobel (o IgNobel), também sem nenhuma ligação com Alfred Nobel. Visa
distinguir trabalhos que primeiro façam as pessoas rir, e depois as façam
pensar, constituindo a oportunidade de reunir na Universidade de Havard uma boa plêiade de cientistas. Existem
os IgNobel da Paz, de Medicina, da Química, da Física, da Matemática, da
Nutrição e de outras áreas, variáveis consoante o tema do trabalho científico “galardoado”.
Os laureados do Nobel podem exercer o
direito de recusa dos prémios. No entanto, tal recusa só terá acontecido por
pressões políticas, como em 1937, quando Hitler proibiu os alemães de receber o
Prémio Nobel, pois ficara furioso quando o Prémio Nobel da Paz de 1935 fora
concedido a um jornalista antinazista, Carl Von Ossietz, que havia revelado os
planos secretos de rearmamento da Alemanha.
Os prémios Nobel tornaram-se, em tese, a
recompensa mais prestigiante nos meios académicos e humanitários do planeta. Os
laureados, além de constituírem notável referência em pesquisa e formulação científica,
são desejavelmente também os mais dignos representantes no campo da defesa dos
direitos do homem.
É na última parte do afirmado no enunciado anterior
que se inscreve a legitimidade do Nobel da Paz, que tem uma história e uma finalidade
próprias.
Quando morreu
Alfred Nobel, a Suécia e a Noruega estavam, desde 14 de janeiro de 1814, em
União pela qual o parlamento sueco ficava responsável pela política internacional,
estando o Stortinget – Parlamento norueguês – apenas encarregado da política
interna norueguesa. A União desfez-se de uma forma pacífica a 13 de agosto de
1905. Alfred Nobel entendeu determinar que fosse a Noruega a selecionar o
laureado pelo Nobel da Paz, de forma a prevenir a influência de poderes
políticos internacionais no processo de atribuição do Nobel.
De
acordo com a vontade de Alfred Nobel, o prémio deveria distinguir “a pessoa que
tivesse feito a maior ou melhor ação pela fraternidade entre as nações, pela
abolição e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção de
tratados de paz”.
Ao
contrário dos outros prémios Nobel, o Nobel da Paz pode ser atribuído a pessoas
ou organizações que estejam envolvidas num processo de resolução de problemas,
em vez de apenas distinguir aqueles que já atingiram os seus objetivos em
alguma área específica – o que dá azo à verificação de ambiguidades no rumo dos
laureados neste domínio. Trata-se, pois, um prémio Nobel com caraterísticas
próprias.
No rol de
personalidades individuais e organismos, alguns de âmbito religioso, destacados
pela sua notável intervenção humanitária, por vezes, em campos contrários,
contam-se dois elementos da lusofonia: Dom Carlos Ximenes Belo e José Ramos
Horta, obreiros da efetiva autodeterminação e consequente independência de
Timor Leste, por meios pacíficos, logrando a recuperação do reconhecimento da
identidade daquele povo.
Entretanto, neste
momento de viragem da folia carnavalesca para o tempo austeramente lúcido da
Quaresma, não se esqueça a profundidade e quotidianidade do esforço pela paz
consignado no ditame evangélico “Bem-aventurados os construtores da paz porque
serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9), cuja concretização passa necessariamente
pela luta pela liberdade de todos e pelo combate conta a miséria em nome da dignidade
da pessoa humana.
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