quarta-feira, 5 de março de 2014

Prémio Nobel da Paz



Causou-me uma certa comichão na sensibilidade pacífica a notícia da proposta da atribuição do prémio Nobel da Paz ao presidente Putin, já pelas circunstâncias políticas que rodearam as últimas eleições que o catapultaram à chefatura do estado russo, já pelas dúbias diligências diplomáticas por si patrocinadas, bem como pelas medidas de pendor belicista, por mais cauteloso que se presuma, que se têm desenhado no panorama de intervenção sob a égide do predito presidente.
A notícia, que me fez lembrar a atribuição do mesmo galardão a Barach Obama logo no dealbar do seu primeiro mandato presidencial, com resultados de controversa eficácia, levou-me à procura de conhecimento sobre os prémios Nobel, designadamente motivação, história e objetivos, baseado nos recursos bibliográficos e informáticos.
Assim, ao nível da motivação, colhi a seguinte informação: Alfred Nobel, químico e industrial sueco, inventou, com outros explosivos, a dinamite para fins pacíficos (fautores do progresso, aplicáveis, por exemplo, no rebentamento de pedreiras, abertura de minas, rompimento de túneis); ficou desgostoso com o uso militar dos explosivos fabricados com base no seu invento; e ficou chocado com a notícia veiculada por um jornal francês que o dava como morto e o qualificava como “mercador da morte”, quando quem tinha morrido tinha sido o seu irmão Ludvig. Tal visão antecipada do seu obituário terá despertado em si o propósito de o modificar, tendo resultado, por força do seu testamento, a decisão de galardoar anualmente aqueles que, de futuro, servissem o bem da Humanidade, mais propriamente através da investigação, descoberta e formulação nos domínios da física, química, fisiologia ou medicina, literatura e paz, independentemente da nacionalidade das personalidades propostas.
Nobel tornou-se multimilionário por mercê de suas numerosas descobertas através das quais inventou, em 1866, a dinamite, que passou a ser comercializada em grande escala no final do século XIX. Detentor de mais de 350 patentes, fundou companhias e laboratórios em cerca de 20 países. Ao mesmo tempo, cultiva a escrita da poesia e do drama e chegou a pensar em tornar-se escritor. Idealista e consciente dos perigos que envolviam o uso indevido de suas invenções, decidiu-se a apoiar eficazmente as investigações científicas e os movimentos em prol da paz – para o que dispôs das verbas necessárias.
Quanto à história e objetivos, há que referir que a Fundação Nobel, prevista no testamento do seu patrono em 1895, foi criada em junho de 1900, e é o garante do respeito pelas regras a observar na designação dos laureados e da verificação do bom andamento da eleição. Também é responsável, através de um comité específico para cada uma das cinco áreas indicadas e de acordo com as propostas de personalidades eminentes, pela elaboração e encaminhamento das listas de indicações às várias instâncias que atribuem o galardão, que, a seu juízo, podem não o atribuir, se entenderem que nenhuma das entidades propostas reúne as condições exigidas. Também não o atribuem, obviamente se não houver candidatos ou se não se dispuser de informação suficiente sobre eles, como aconteceu durante as duas guerras mundiais. Os prémios são custeados pelos rendimentos oriundos do legado do testador e recursos privados enditantes do património da fundação.
O conteúdo do prémio, atribuível, em cada ano, a um candidato ou divisível por dois ou três, é constituído por uma medalha de ouro com a efígie de Alfred Nobel, gravada com seu nome, um diploma com a citação da condecoração e uma soma em dinheiro que varia de acordo com os rendimentos da Fundação Nobel, mas que ronda os 10 milhões de coroas suecas (mais de um milhão de euros).  O propósito original era permitir que as pessoas e instituições laureadas continuassem a trabalhar ou pesquisar, sem pressões financeiras.
Entretanto, em 1968, o Sveriges Riksbank, o Banco Central da Suécia, instituiu o “Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel”, impropriamente conhecido como "Prémio Nobel da Economia" e concedido a partir de 1969. De facto, este galardão não tem ligação com Alfred Nobel, não sendo pago com o dinheiro privado da Fundação Nobel, mas com dinheiro público do banco central sueco, embora os ganhadores sejam escolhidos pela Academia Real das Ciências da Suécia. E, porque o segmento frásico estratégico em memória de Alfred Nobel causou alguma confusão na opinião pública e na própria designação do prémio e a família Nobel não aceita o prémio como tal, ficou decidido que, a partir de 1968, não mais seriam criados outros prémios em memória de Alfred Nobel. Porém, o designado como "Prémio Nobel da Economia" é entregue na mesma ocasião que os prémios originais, a quando do aniversário da morte de Alfred Nobel, a 10 de dezembro.
Mas, em 1991, foi criado por Marc Abrahams, à revelia do Nobel, o prémio humorístico em regime de sátira aos prémios Nobel (o IgNobel), também sem nenhuma ligação com Alfred Nobel. Visa distinguir trabalhos que primeiro façam as pessoas rir, e depois as façam pensar, constituindo a oportunidade de reunir na Universidade de Havard uma boa plêiade de cientistas. Existem os IgNobel da Paz, de Medicina, da Química, da Física, da Matemática, da Nutrição e de outras áreas, variáveis consoante o tema do trabalho científico “galardoado”.
Os laureados do Nobel podem exercer o direito de recusa dos prémios. No entanto, tal recusa só terá acontecido por pressões políticas, como em 1937, quando Hitler proibiu os alemães de receber o Prémio Nobel, pois ficara furioso quando o Prémio Nobel da Paz de 1935 fora concedido a um jornalista antinazista, Carl Von Ossietz, que havia revelado os planos secretos de rearmamento da Alemanha.
Os prémios Nobel tornaram-se, em tese, a recompensa mais prestigiante nos meios académicos e humanitários do planeta. Os laureados, além de constituírem notável referência em pesquisa e formulação científica, são desejavelmente também os mais dignos representantes no campo da defesa dos direitos do homem.
É na última parte do afirmado no enunciado anterior que se inscreve a legitimidade do Nobel da Paz, que tem uma história e uma finalidade próprias.
Quando morreu Alfred Nobel, a Suécia e a Noruega estavam, desde 14 de janeiro de 1814, em União pela qual o parlamento sueco ficava responsável pela política internacional, estando o Stortinget – Parlamento norueguês – apenas encarregado da política interna norueguesa. A União desfez-se de uma forma pacífica a 13 de agosto de 1905. Alfred Nobel entendeu determinar que fosse a Noruega a selecionar o laureado pelo Nobel da Paz, de forma a prevenir a influência de poderes políticos internacionais no processo de atribuição do Nobel.
De acordo com a vontade de Alfred Nobel, o prémio deveria distinguir “a pessoa que tivesse feito a maior ou melhor ação pela fraternidade entre as nações, pela abolição e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção de tratados de paz”.
Ao contrário dos outros prémios Nobel, o Nobel da Paz pode ser atribuído a pessoas ou organizações que estejam envolvidas num processo de resolução de problemas, em vez de apenas distinguir aqueles que já atingiram os seus objetivos em alguma área específica – o que dá azo à verificação de ambiguidades no rumo dos laureados neste domínio. Trata-se, pois, um prémio Nobel com caraterísticas próprias.
No rol de personalidades individuais e organismos, alguns de âmbito religioso, destacados pela sua notável intervenção humanitária, por vezes, em campos contrários, contam-se dois elementos da lusofonia: Dom Carlos Ximenes Belo e José Ramos Horta, obreiros da efetiva autodeterminação e consequente independência de Timor Leste, por meios pacíficos, logrando a recuperação do reconhecimento da identidade daquele povo.

Entretanto, neste momento de viragem da folia carnavalesca para o tempo austeramente lúcido da Quaresma, não se esqueça a profundidade e quotidianidade do esforço pela paz consignado no ditame evangélico “Bem-aventurados os construtores da paz porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9), cuja concretização passa necessariamente pela luta pela liberdade de todos e pelo combate conta a miséria em nome da dignidade da pessoa humana.

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