sábado, 8 de março de 2014

Dia Internacional da Mulher



Celebrado a 8 de março de cada ano, o Dia Internacional da Mulher merece que, a seu respeito, se recolha alguma informação pertinente e se proceda à conveniente reflexão.
Um pouco de História
Historicamente, a efeméride remonta às famosas manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e de trabalho, bem como contra a entrada da Rússia czaristo-imperialista na I Grande Guerra. Tais manifestações marcam o alvor da revolução de 1917, que rapidamente alcandora o bolchevismo em condutor exclusivo dos destinos na nova sociedade. Entretanto, a ideia de celebrar um dia da mulher já havia surgido nos primórdios do século XX nos Estados Unidos e na Europa no quadro da luta das mulheres por melhores condições de vida, pela dignificação do seu trabalho e pelo direito de intervenção cívica e política através do voto – celebração que perdurou, no Ocidente, até à década de 20 do século passado. Na União Soviética estalinista, o Dia Internacional da Mulher tornou-se um dos valiosos instrumentos de propaganda do regime.
Entretanto, o Ocidente esqueceu a data por longo tempo, tendo-a recuperado somente na década de 60 por obra do movimento feminista. Na atualidade, a celebração do Dia Internacional da Mulher perdeu parcialmente o sentido original, adquirindo um caráter meramente comemorativo e comercial. Nessa data, os empregadores, sem pretenderem obviamente evocar o espírito aguerrido das operárias grevistas do 8 de março de 1917, costumam distribuir rosas vermelhas ou pequenos mimos pelas suas colaboradoras e o comércio obtém um generoso pretexto para realizar de outra forma o seu desígnio.
No entanto, há que reconhecer que as instâncias internacionais não perderam a oportunidade de provocar a reflexão e a otimização do estatuto feminil, o que levou a algumas mudanças em muitos dos países. Assim, a ONU designou o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher e, em dezembro de 1977 assumiu o Dia Internacional da Mulher como ocasião de lembrar as conquistas sociais, políticas e económicas das mulheres.
Porém, não se pode esquecer a primeva manifestação dos direitos da mulher. Em 1789, a Revolução Francesa proclama os direitos do homem e do cidadão. A pari, em 1791, Marie Gouze (que adotou o nome de Olympe de Gouges para assinar os seus panfletos e petições numa grande variedade de frentes, incluindo a luta pela extirpação da escravatura), filha de um açougueiro do Sul da França, propôs à Assembleia Nacional da França uma Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã. Tal iniciativa acarretou-lhe a morte pela guilhotina, depois de esta opositora de Robespierre ter sido denunciada como uma mulher “desnaturada” e condenada como contrarrevolucionária. Só em 1986 é que Benoîte Groult republicou esta declaração, que passou a ser apontada como uma defesa brilhante e radical em nome de demandas das mulheres e considerada uma eloquente peça da proclamação autêntica dos direitos humanos universais. Atente-se no conteúdo do seu preâmbulo:
Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma assembleia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor, em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração possa lembrar sempre a todos os membros do corpo social os seus direitos e os seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons costumes e o bem-estar geral. Em consequência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem, em meio dos sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã.

O peso da tradição
Foi duradouro o percurso tradicional do calvário feminino, iniciado quando as ordens eclesiásticas, esquecendo a igualdade originária, recuperada em Cristo, como ensina Paulo, fizeram o direcionamento espiritual de que a mulher era filha e herdeira de Eva, a fonte do pecado original e instrumento do diabo, pois, deixou-se enganar pela serpente e enganou o seu companheiro, fazendo-o perder o paraíso, descobrindo e ensinando-lhe o deleite carnal. Nessa ótica, trata-se de um ser inferior de disciplinar, inclusive à custa do espancamento.
Foi-lhe mesmo proibido ocupar ou desempenhar cargos públicos por determinação das leis do poder secular apoiada em argumentos depreciativos como os que referiam que as mulheres eram frívolas por natureza, ardilosas, perspicazes, apegadas ao material (avarentas) e de pouquíssima ou quase nenhuma inteligência. Já Tertuliano, da patrística latina, defendia que as mulheres eram seres de ideias curtas e cabelos compridos
As leis eclesiásticas de forma abrangente, mas não menos diminuente, deixavam claro o motivo por que as mulheres não podiam ocupar cargos públicos: o de não terem sido feitas para esse tipo de serviço, mais sim, para as ocupações femininas e domésticas.
Sendo assim e excluindo as chamadas por Deus à consagração na vida religiosa, o casamento era o destino normal que as mulheres esperavam. Porém, era-lhes vedado falar de “amor”, que era considerado tabu, a não ser o amor de Deus, dos irmãos e dos filhos. Os casamentos aconteciam com ou sem amor, pois eram acordados entre as famílias; as mulheres não tinham que amar os cônjuges, apenas tinham que se acostumar a eles, ser companheiras, fiéis, amigas, excelentes donas de casa e mães. Por outro lado, a mulher tinha de ser hábil em relação a conseguir um bom partido, porque a sua vida, para que não sofresse tanto, dependia de um bom casamento e de um bom homem (que até poderia ter os seus deslizes extramatrimoniais). 
A nova posição da Igreja
Porém, eis que surge um homem com uma visão bem diferente, José Maria Escrivá de Balaguer, que fala da missão da mulher na Igreja e no mundo, referindo não ver qualquer razão para, ao falar do laicado – da sua vida apostólica, de direitos e deveres, etc. – se fazer qualquer espécie de distinção ou discriminação em relação à mulher. Estriba a sua posição no ensinamento paulino de que todos os batizados – homens e mulheres  – participam igualmente da comum dignidade, liberdade e responsabilidade dos filhos de Deus: “não há judeu, nem grego; não há servo, nem livre, não há homem, nem mulher” (Gl. 3, 27-28). Por consequência, devem-se reconhecer à mulher na Igreja – na legislação, na vida interna e na ação apostólica – os mesmos direitos e deveres que aos homens: direito ao apostolado, a fundar e a dirigir associações, a manifestar responsavelmente a sua opinião em tudo o que se refira ao bem comum da Igreja e da sociedade, etc. No entanto, embora sabendo que teoricamente não é difícil admitir e considerar as claras razões teológicas que apoiam este desiderato, reconhece a resistência da parte de algumas mentalidades e a excecionalidade da inibição do acesso às ordens sagradas, ainda pressupostamente de direito positivo divino. E dá como exemplo da resistência das mentalidades o assombro e a crítica com que foi comentado o facto de o seu Opus Dei ter procurado que adquirissem graus académicos em ciências sagradas as mulheres que pertencem à sua secção feminina. Todavia, pensa que tais resistências e reticências têm caindo pouco a pouco, porque, no fundo se trata só de um problema de compreensão eclesiológica: reparar que a Igreja não é formada só pelos clérigos e religiosos, mas que também os leigos – homens e mulheres – são Povo de Deus e têm, por direito divino, missão e responsabilidade próprias.
Depois, veio o Concílio Vaticano II, que revolucionou visão da doutrina sobre a Igreja, insistindo na sua dimensão de povo de Deus, onde têm papel de relevo os leigos como base do corpo eclesial, e na de esposa de Cristo, unida a Cristo da parte de todos os seus elementos (vd Lumen Gentium). Por outro lado, o decreto Apostolicam Actuositatem, sobre o apostolado laical, mais tarde explanado na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, não faz qualquer discriminação entre homens e mulheres, no quadro da missão da Igreja no mundo.
Os padres conciliares, por sua vez, enviaram uma mensagem específica às mulheres, onde exaltam o seu ser e missão e a importância do seu papel numa sociedade em crise, produzindo exigentes enunciados como este: “mulheres, vós que sabeis tornar a verdade doce, terna, acessível, empenhai-vos em fazer penetrar o espírito deste Concílio nas instituições, nas escolas, nos lares, na vida de cada dia”.
Por seu turno, João Paulo II, escreveu, em 1988, a poderosa carta apostólica Mulieris Dignitatem, sobre a dignidade e a vocação da mulher, reconhecendo, no seu n.º 30, que “a dignidade da mulher está intimamente ligada com o amor que ela recebe pelo próprio facto da sua feminilidade e também com o amor que ela, por sua vez, doa. E, em 1995, a propósito da IV Assembleia Mundial sobre a Mulher, a realizar-se em Pequim, escreve uma carta “a cada mulher para refletir com ela sobre os problemas e perspetivas da condição feminina no nosso tempo, detendo-me em particular sobre o tema essencial da dignidade e dos direitos das mulheres, considerados à luz da Palavra de Deus”.
Bento XVI, num pontificado de média duração, revelou-se um papa muito atento às mulheres, dado que proferiu diversas intervenções dedicadas às mulheres, destacando a importância da dimensão feminina na Igreja e na sociedade. O destaque vai para as declarações de 9 de fevereiro de 2008, no 20.º aniversário da publicação da carta apostólica Mulieris Dignitatem, de João Paulo II, em que o papa Bento condena “uma mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo, o qual reconhece e proclama a igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem”.
Finalmente, Francisco também contempla, no seu programa pontifical. o papel da mulher. Em entrevista ao “La Civiltà Cattolica”, em 19 de setembro de 2013, entre outros temas, também se faz presente o tema da mulher e o Papa Francisco evidencia que “o desafio” é “refletir sobre o lugar específico da mulher também justamente onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja. Já no regresso da viagem ao Brasil confidenciara aos jornalistas: “Uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio Apostólico sem Maria. O papel das mulheres na Igreja não é só a maternidade, a mãe de família, mas é mais forte: é precisamente o ícone da Virgem Maria, de Nossa Senhora, aquela que ajuda a Igreja a crescer”. E, das palavras que dirigiu aos participantes no seminário sobre a carta apostólica Mulieris Dignitatem, de João Paulo II, são de sublinhar as seguintes:
(…) Eu gostaria de ressaltar que a mulher tem uma sensibilidade particular pelas «coisas de Deus», sobretudo para nos ajudar a compreender a misericórdia, a ternura e o amor que Deus tem por nós. Gosto de pensar também que a Igreja não é «o» Igreja, mas «a» Igreja. A Igreja é mulher, é mãe, e isto é bonito. Deveis pensar e aprofundar isto. […] Também na Igreja é importante perguntar-se: qual é a presença da mulher? Sofro — digo a verdade — quando vejo na Igreja ou em determinadas organizações eclesiais que o papel de serviço — que todos nós temos e devemos ter — da mulher diminui para uma função de ‘servidão’. […] Quando vejo mulheres que desempenham tarefas de ‘servidão’, não se entende qual é o papel que a mulher deve desempenhar. Qual é a presença da mulher na Igreja? Pode ser valorizada em maior medida? 

Voltando às origens
Depois deste arrazoado, talvez seja oportuno refletir sobre o ser da mulher com recurso à pureza originária da Bíblia, no seguimento do pensamento paulino acima referenciado e não tanto o que lhe é atribuído de forma mais derrapante da carta aos Efésios, bastante mal entendida.
Segundo a Bíblia, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, à sua imagem e semelhança os criou: varão e fêmea (Gn 1,27); e viu o que tinha feito e eis que era muito bom (Gn 1,31). Outra narrativa dá conta de que a mulher foi feita a partir de uma costela de Adão (cf Gn 2,22), que este reconheceu como “osso de meus ossos e carne de minha carne” (Gn 2,23). Pode ver-se nestas duas narrativas quaisquer motivos para discriminação? O Talmude, o livro da explicação bíblica veterotestamentária esclarece que a criação da mulher a partir do lado do homem significa que ela é a companheira, ou seja, está a seu lado, tal qual as costelas. O osso da costela alude à igualdade entre homem e mulher (são da mesma natureza), dado que não foi utilizado um osso de lugar inferior (um osso do pé, por exemplo), o que lhe poderia conferir um estatuto de inferioridade, nem um osso de lugar superior (da cabeça, por exemplo), o que lhe poderia conferir um estatuto de superioridade, mas um osso do lado. Outra interpretação, em sintonia com a primeira, lembra que a mulher é protetora da vida, dado que os ossos da costela protegem o coração (donde e para onde circula o sangue) e os pulmões (lugar do sopro vital).
O seu papel é referido na Bíblia como portadora, tal como o homem, do sinete da divindade, a marca de Deus; a esposa tem papel sempre importante, seja como amada e parceira, seja como companheira dada por Deus ao marido (Gn 2,20-24; Pr 19,14; Ecl 9,9); do Monte Sinai, Deus ordenou às crianças que honrem tanto a mãe como o pai (Ex 20,12). Não há qualquer motivo para considerar Eva marginalizada ou relegada a qualquer status secundário relativamente a Adão, muito pelo contrário, a Sagrada Escritura adorna a mulher com honras especiais (1 Pe 3,7); os maridos são instados a amar as suas mulheres de maneira sacrificada se for necessário, até com custo de suas vidas (Ef 5,25-31); e a Bíblia celebra e reconhece o valor das mulheres virtuosas (Pr 12,4; 31,10-31/percorrendo as letras do alfabeto hebraico; 1 Cor 11,7-12). 
– cf http://pt.wikipedia.org/wiki/Mulher; e Nova Bíblia Sagrada dos Capuchinhos, Difusora Bíblica, 1998.
E o padre Rómulo Cândido de Souza, já por mim citado algumas vezes, aproximando, pela mão do Dr Samuel, seu interlocutor, o nome de Javé (Haiáh / sopro, causa dos seres vivos – nome com que Deus Se revelou a Moisés na sarça ardente) com o de Eva (Haváh / mãe dos seres vivos) compreende agora o quadro de Eva abraçada a Deus na Capela Sistina. E clama que o movimento feminista se devia sentir orgulhoso ao saber que o nome da primeira mulher é o próprio nome de Deus. Foi a própria Bíblia que a “divinizou”. 

Sem comentários:

Enviar um comentário