No passado dia 22 de março, o Papa
falou aos membros da associação “CORALLO”, que reúne as emissoras televisivas
católicas italianas. Num discurso de improviso de resposta às palavras de
saudação, em que, de momento, se inspirou, do presidente do grupo, a quem
acabou por entregar em suporte de papel o discurso que havia preparado para que
o pudesse divulgar, o pontífice faz refletir sobre a missão daquela associação.
Tais palavras dão azo a que nós também assumamos o ónus da crítica e da
autocrítica – na vida pessoal e de sociedade em comunicação.
Reconhecer a missão de procura da
verdade por parte de uma estação televisiva parece afirmar o óbvio, ao
tratar-se de órgão de comunicação social, e ninguém admite que um órgão de
comunicação estribe a sua função primordial em algo diferente do que seja a
verdade. No entanto, o homem, por força das circunstâncias em que sente mais à
vontade em se enredar na mentira, muitas vezes intoxica a comunicação fugindo à
verdade ou iludindo-a. Tal intoxicação pode também resultar da falta de atenção
ou mesmo da ignorância, de que os agentes de informação serão responsáveis se não
cuidarem da sua formação e atualização ou se não forem diligentes no trabalho
de pesquisa e formulação das peças jornalísticas. Já não falo dos interesses,
dos medos ou das pressões que podem condicionar a informação.
Por tudo isso, talvez não seja
descabido que o Homem, que foi eleito para servir de modo eminente Aquele que
veio ao mundo para dar testemunho da verdade e por ela dar a Vida, aproveite
todas as oportunidades que se lhe apresentem para expor a excelência da
verdade.
Mas a questão não é simples. Tanto
assim que, quando Cristo, no percurso da sua glorificação, insistia na verdade,
escutou a pergunta de Pôncio Pilatos: “O que é a verdade” (Jo 18,38)? Cristo
deixou sem resposta aquele que dizia ter poder para o soltar ou para o
crucificar (cf Jo 19,10).
Alguma reflexão se tem feito sobre a
falta de resposta de Jesus. Dizem alguns mestres espirituais, apoiados na
palavra de Cristo sobre si próprio – “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo
14,6) – e nos Padres da Igreja, que não era necessário responder: a Verdade é o
próprio Cristo. No latim, a pergunta “quid est veritas?” (que é a verdade?)
teria a resposta existencial “est vir qui adest” (o homem que aqui está). E uma
coisa é certa: todo aquele que é da verdade ouve a voz de Cristo (cf Jo 18,37).
Mas, voltando ao discurso de
Francisco, reparemos que ele propõe uma trilogia na missão das estações
televisivas, que impulsionam um mecanismo específico de comunicação: “Mas não só a
verdade! Verdade, bondade e beleza, as três coisas juntas”. Trata-se de
ideias/valores de natureza gémea, em que não se entende uma sem as outras, à
boa maneira platónica, imersa em Deus – a suprema Verdade, a suma Bondade e a
inefável Beleza, ou se quisermos: a Sabedoria, o Bem, o Belo – mas que o Papa
quer que sejam assumidas como caminhos ao serviço do homem, da comunidade
humana.
E perante este raciocínio pontifical,
vou dispensar-me, por momentos, de filosofar e passo a transcrever:
Mas
aquelas verdades, bondades e belezas que são consistentes, que vêm de dentro,
que são humanas. E, no caminho da verdade, nos três caminhos podemos encontrar
erros, também ciladas. “Penso, procuro a verdade...”: toma cuidado para não te
tornares um intelectual sem inteligência. “Vou, procuro a bondade...”: toma cuidado
para não te tornares um eticista sem bondade. “Eu gosto da beleza...”: sim, mas
toma cuidado para que não faças o que muitas vezes acontece, “pintar” a beleza,
procurar os cosméticos para fazer uma beleza artificial que não existe. A
verdade, a bondade e a beleza como vêm de Deus e estão no homem.
Como se pode
ver, há aqui uma inter-relação entre cada uma das metas ou entre cada um dos
caminhos, mas também uma advertência para os riscos, mas também um alerta para
os riscos, erros e ciladas. Não se deseja um intelectual sem inteligência (Ena
tantos e tantas!); não se deseja um eticista sem bondade (Mas que os há, há);
não se deseja um pintor de beleza que não existe (E não há por aí tanto pintor/artista
nefelibata ou cultor de beleza balofa?)
E é face a
este estatuto simultâneo de metas e de caminhos que pouco importa discutir a
dimensão dos centros de comunicação social, grande, média ou pequena, desde que
se promovam e preservem os ditames da harmonia construtora e fautora da
unidade. Por isso, Francisco parafraseia o capítulo 12 da Primeira Carta aos
Coríntios, segundo a qual “na Igreja não há nem grande nem pequeno”, tendo cada
qual a sua função e o seu serviço ao próximo. “Todos somos membros,” disse. E
também os meios de comunicação de Igreja – grandes ou pequenos – são membros da
grande família comunicacional, que, se devidamente harmonizados, exercem uma
vocação específica de serviço na Igreja – o que penso poder e dever aplicar-se
aos meios de comunicação que se deixem guiar pelos princípios do são
personalismo no serviço à humanidade e ao homem que milita nos escaparates da
exposição pública ou na discrição do seu buraquinho, nunca ignorado por Deus,
embora esquecido e vilipendiado pelos poderes, a não ser em maré eleitoral.
E o critério
da medida da grandeza no reino de Deus, como sabemos, não é a dimensão, o
poder, o prestígio ou a riqueza. Podemos lembrar a discussão entre os
discípulos sobre quem seria o maior. E o Mestre, contra os parâmetros da
profanidade da tradição e do mundo, inclusive o mudo bíblico, indica a criança
(que não era tida em conta pela “sabedoria” dos doutores da lei: tal o espanto
dos doutores no Templo a responder ao menino Jesus, de 12 anos, e a ouvi-lo)
como modelo da maioridade, pela candura e transparência, e o servo, pela
capacidade e disponibilidade ao serviço da vida. Pelo lado das criancinhas,
lemos: “Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no
Reino dos Céus. Quem, pois se fizer como este menino será o maior no Reino dos
Céus (Mt 18,3-4); e “quem for o mais pequeno entre vós, esse é que é grande
(Lc, 9,48). Do lado dos servidores – o Mestre é peremptório –“ Os reis das nações
dominam sobre elas, e os que têm autoridade sobre elas são chamados
benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja
como o menor; e quem governa como quem serve. Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é
quem está à mesa? Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve” (Lc 22,
25-27).
Há ainda outro
critério para aferir da grandeza no Reino, que todos os que têm a responsabilidade
da condução de pessoas, grupos, povos e opinião pública, deveriam observar: “Todo aquele
que desobedecer a um destes mandamentos, ainda que dos menores, e ensinar os
outros a fazerem o mesmo, será chamado menor no Reino dos céus; mas todo aquele
que praticar e ensinar estes mandamentos será chamado grande no Reino dos céus”
(Mt 5,19).
Nestes
termos, ninguém se deve sentir o menor ou “demasiado pequeno em relação a outro
muito grande”. Diante de Deus todos somos pequenos, na humildade cristã da
verdade, mas todos temos uma função na sociedade e na Igreja. O Papa lança a si
mesmo o repto, a que diz não poder responder: “Eu faria esta pergunta: quem é
mais importante na Igreja? O Papa ou aquela velhinha que todos os dias recita o
Rosário pela Igreja? Deus que o diga: eu não o posso dizer. […] O corpo de
Cristo é esta harmonia da diversidade, e é o Espírito Santo que faz a harmonia:
Ele é o mais importante de todos. […] É importante: procurar a unidade, e não
seguir a lógica de que o peixe grande come o pequeno” (vd Padre António Vieira,
O Sermão de Santo António).
E Francisco
não deixa de frisar que naqueles caminhos por que passam os meios da
comunicação, ao lado de virtudes eminentes – verdade, bondade, beleza,
respeito, lealdade, justiça, caridade – há também os vícios, que se tornam
pecados, ao constituírem infrações conscientes e voluntárias à ética: “os
pecados dos mass media”.
“Para mim” –
explica o papa – “os pecados dos ‘media’, os maiores, são os que vão pelo
caminho da mentira, da falsidade, e são três: desinformação,
a calúnia e a difamação”. E explicita que “estas duas últimas
são graves, mas não tão perigosas como a primeira” e, justificando, explica:
“A calúnia é
pecado mortal, mas pode-se esclarecer e chegar a conhecer que aquela é uma
calúnia. A difamação é pecado mortal, mas pode-se chegar a dizer: esta é uma
injustiça, porque esta pessoa fez aquilo num certo tempo, mas depois
arrependeu-se, mudou de vida”.
Quanto à
desinformação, Francisco sublinha o facto de ela consistir em “dizer metade das
coisas, as mais convenientes para mim, e não dizer a outra metade”. Por isso, o
telespectador ou o rádio-ouvinte não pode formar um juízo perfeito, pois não
tem os elementos e não lhos fornecem. “São, pois, estes os pecados” – sintetiza
o papa – a evitar em comunicação social: desinformação, calúnia e difamação”.
Ora, se jornalistas e empresários da
comunicação querem ser grandes na sociedade, têm de se preocupar na busca da
verdade, da bondade e da beleza. Para tanto, têm de trilhar sempre o caminho da
beleza, o caminho da bondade, o caminho da verdade, mobilizando as virtudes que
os tornam transitáveis e delas dando permanente testemunho.
“É como dizes, sou
rei. Para isto é que eu nasci, e para isto é que vim ao mundo, a fim de dar
testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz” (Jo 18,37).
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