O Beato
João Paulo II esteve em Portugal no ano de 1991 com vários objetivos de que
destacou, no ato de confiança a Nossa
Senhora de Fátima, pronunciado durante a celebração eucarística de 13 de
maio, agradecer “a constante proteção que nos livrou de tragédias e destruições
irreparáveis e favoreceu o progresso e as conquistas sociais dos nossos dias”. Porém,
apesar de as “mudanças inesperadas” haverem restituído a confiança a povos
longamente oprimidos e humilhados”, o pontífice, em jeito de oração à Virgem,
lança o seguinte alerta ao mundo inteiro: “As novas situações dos povos e da
Igreja são ainda precárias e instáveis. Existe
o perigo de substituir o marxismo por uma outra forma de ateísmo, que adulando a liberdade tende a
destruir as raízes da moral humana e cristã”. Ao
tempo, impressionou-me este alerta e confidenciei esta impressão a alguém que
me tem brindado com a sua amizade, o então padre Cândido de Azevedo, hoje monsenhor.
Vêm estas considerações a propósito de a 25 de maio próximo
ocorrerem as eleições para o Parlamento Europeu e o mundo, sobretudo o europeu
e o que mais de perto envolve a Europa, estar mergulhado naquela situação de “quem morre de fome e sem
assistência na doença, de quem
sofre injustiças e afrontas, de
quem não encontra trabalho, casa nem abrigo, de
quem é oprimido e explorado de quem desespera ou em vão procura o repouso longe
de Deus” (isto rezava João Paulo II naquele dia – aviso para quem só descobriu muito
recentemente a preocupação social da hierarquia católica). Ao mesmo tempo,
criaram-se ocasiões não pouco duradouras de abertura ou reabertura de “novos
fossos de ódio e vingança”, parecendo estar o mundo a ceder “à ilusão de um
falso bem-estar que avilta a dignidade da pessoa e compromete para sempre os
recursos da criação” – previa o papa.
Face a tais situações e factos, hoje pandemicamente alastrantes, cresce
na Europa a avassaladora onda das formações partidárias que negam o projeto de
solidariedade europeia (já de si tão fragilizado nos últimos tempos) ou dele
duvidam e descreem, propondo soluções políticas discriminatórias eivadas de não
oculta xenofobia, de restrições à liberdade de circulação de pessoas,
atividades e bens, e de formas alternativas de terrorismo dos Estados ou dos
grupos económicos e financeiros, desprezando os ditames fundamentais da ética
estribada em princípios axiológicos e promotora dos valores antropológicos.
Perante este desenho de conjuntura, que gostaríamos que não se tornasse
irreversível, quais têm sido as posições dos deputados ao Parlamento Europeu e,
em especial, dos que lá foram colocados pelos votos dos portugueses? A resposta
parece ficar pelo “nada de significativo”, pois, as suas atenções têm-se
centrado na apreciação crítica e nem sempre coroada de êxito das diretivas a
transpor para as legislações nacionais e da elaboração de pareceres e
relatórios atinentes àqueles belos projetos carregados de humanismo
personalista, igualdade de género, censura a estes ou àqueles povos que
desrespeitam os direitos do homem, com tanta retórica e tão pouca força anímica
que tudo fica quase na mesma.
Em Portugal, ao aproximar-se o ato eleitoral europeu, um deputado
em funções cria um novo partido; um designado cabeça de lista de uma
determinada formação partidária, em vez de prometer o acerto da composição da
lista que vai liderar e de acenar com as bases do projeto que eventualmente irá
defender, exige a imediata designação do seu principal adversário na corrida
eleitoral; o partido interpelado apressa-se a proclamar a resposta efetiva à
exigência, embora o indicado possa desempenhar suficientemente o múnus de que é
incumbido; e o designado pela força partidária mais igual a si mesma lá vai
aguentando, contra todas as troikas,
o otimismo da futura vitória das classes trabalhadoras na Europa como no
presente em Portugal (Sobre a vitória, não dos trabalhadores, mas sobre os
trabalhadores atualmente no ativo e sobre aqueles que já estiveram no ativo, já
temos dissertado alguma coisa!).
Por motivos, que o diretor do Expresso
denomina de “prostituição política”, a Comissão Europeia tem apoiado quase
indistintamente as sublevações populares (algumas delas bem radicais), umas
vezes, destituintes de órgãos políticos democraticamente eleitos, outras, sem
se apresentarem como construtoras de alternativa mais democrática, pacífica e
eficaz. Porém, as autoridades europeias, coerente ou oportunisticamente,
“condenam”, ameaçando com o não desbloqueamento das “tranches” financeiras inerentes
aos programas de ajustamento, todas as manifestações contestatárias das
políticas europeias – na Grécia, na França, na Espanha, na Itália, em Portugal –
ao mesmo tempo que reiteram hipocritamente o democrático direito de
manifestação.
Tendo aludido à proliferação do ataque a regimes com órgãos
políticos democraticamente eleitos, às sublevações legítimas que não trazem
melhores alternativas, às situações de pobreza alastrante e ao desrespeito
pelos direitos humanos, em consequência do referenciado no título, não posso
deixar de referir algumas das ondas de perseguição às Igrejas.
O site http://destrave.cancaonova.com/cristaos-perseguidos/#sthash.qkuZSGNR.dpuf, dá-nos acesso a
inquietantes informações de que destacamos as seguintes, embora com aparato discursivo
nosso, com algum aditamento de oportunidade:
São perseguidos anualmente pela fé cerca de 105 mil
cristãos, superando o número de mártires nos dois últimos séculos os
de toda a história do cristianismo, que é mesclada com a história de incontáveis mártires – a poderosa
semente de cristãos – que, desde os primeiros séculos até aos nossos dias,
testemunham, com o derramamento de sangue, a fé incondicional em Jesus Cristo
Filho de Deus Salvador.
A caça aos cristãos começou logo no início do cristianismo. O livro dos Atos dos Apóstolos relata do martírio do
diácono Estêvão e do apóstolo Tiago e assinala vários momentos em que os
apóstolos foram, insultados, presos e vergastados por causa de Cristo, em cujo
nome se gloriavam de sofrer. O próprio Paulo de Tarso, fariseu convicto, de
mero guardador de capas de lapidadores se tornara feroz perseguidor. A partir
daí, o Cristianismo procedeu paulatina, mas firmemente, à sua diáspora, até que
chegou a Roma, onde sob o imperador Nero (64 D.C), sob o pretexto da acusação de
ateus (recusavam-se a adorar o divino imperador),
incestuosos (tratavam-se por irmãos e
casavam), antropófagos (comiam o
corpo e bebiam o sangue de um indivíduo chamado Cristo) e idólatras (prestavam culto a um crucificado), se
inaugura a onda da tentativa de aniquilação dos cristãos, a qual só terá fim
três séculos depois.
“No início, os cristãos precisavam ser bem
preparados para assumirem o batismo, porque abraçar a fé, naquela época, significava
correr um perigo constante de morte”, afirma o padre Carlo, professor de história da
Igreja na Universidade Santa Cruz de Roma.
Porém, falando de perseguições aos cristãos, nada pode se comparar ao
Século XX. Atestam-no os mártires provenientes das grandes revoluções
e regimes ditatoriais. A
Revolução Russa (1917), por exemplo, terá levado à morte cerca de 17 mil
sacerdotes e 34 mil religiosos. O bolchevismo espalhado pelo mundo
declarou a religião como subversiva e inimiga do Estado, o que levou ao
encerramento e destruição de igrejas, conventos e seminários.
Neste século XXI, o número de cristãos perseguidos tende a igualar-se aos
do século passado. Segundo o sociólogo investigador David Barrett, no seu livro
World Christian Trends AD 30-AD 2200,
na primeira década deste milénio, foram assassinados 160 mil cristãos e, na
segunda década, calcula-se já o número de 150 mil.
Porque não se revelam estes dados? “Não é interessante para a mídia
divulgar o martírio de cristãos”, diz a missionária do ministério Portas Abertas, um grupo evangélico
fundado pelo Irmão André, que tem por missão dar suporte à “Igreja que sofre”.
Segundo a missionária – que já visitou países como Cuba, Iraque e Paquistão –
os cristãos desses países não possuem, muitas vezes, nem sequer uma Bíblia e
vivem a sua fé sob a pressão torturante e letal de grupos radicais islâmicos. “Uma pessoa muçulmana que se converte ao
Cristianismo, por exemplo, morre se não voltar atrás, mas, mesmo assim, eles
não negam a fé em Jesus”, refere.
Mas os nossos dias inventaram um tipo de perseguição,
que não passa necessariamente pelo sofrimento físico ou que leve ao martírio de sangue. Existe outra
forma de perseguição que se espalha pelo mundo e por países que, dantes, eram
profundamente cristãos. O papa fala hoje do
martírio da ridicularização, ou seja, se alguém se denomina cristão no
trabalho, na universidade ou coloca um crucifixo no peito, é ridicularizado por
alienado, fundamentalista, medieval. Os crucifixos parecem ter-se portado mal e
foram, também em Portugal, enxotados para fora da sala de aula.
Um exemplo da secularização equívoca, que redunda em hostilidade, mostra-se
na libérrima França, que proscreveu também a burka e o véu islâmico. “Recentemente, a ministra do alojamento
francês acabou de pedir, publicamente, que a Igreja devolva imóveis e salas
para colocar outras pessoas dentro. O atual governo decidiu voltar atrás no
reconhecimento de diplomas dos estudantes sob o argumento de que estas
instituições estão ligadas à Igreja e ao Vaticano e não podem gozar dos mesmos
privilégios das instituições estaduais”, disse Louis-Marie Guitton, responsável
pelo observatório sociopolítico da diocese de Toulon. Também no Brasil, também começa
a exibir-se esta modalidade de laicismo. Em março de 2013, a pedido da Liga
Brasileira de Lésbicas, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou
a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos dos espaços públicos e prédios
da justiça. Em novembro, o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão,
Jefferson Aparecido Dias, pediu a retirada do termo “Deus seja Louvado” das
cédulas da moeda brasileira, o Real, com o argumento de que o Estado é laico.
Também, neste aspeto, sigo o argumento já por várias vezes apresentando
contra semelhantes atitudes ostentadas em Portugal: o caráter aconfessional, ou
mesmo laico, de um Estado não significa que se possa negar nem combater a
cultura religiosa do povo. “Nós
estamos num Estado cuja maioria da população é cristã, isto significa que ter
um crucifixo, por exemplo, num prédio público é respeitar o sentimento
religioso desta maioria e também a fé cristã que está impregnada na cultura do
Brasil”, diz o especialista em direito civil Aleksandro Clemente. Já
para Elizabeth, a referida missionária do ministério Portas Abertas, é preciso que os cristãos do Brasil aprendam com os
países que se fecharam ao Evangelho. “Se nós formos ver, os países mais hostis
ao Cristianismo, hoje, são aqueles nos quais o Cristianismo era muito forte no
início, onde ele nasceu. Nós precisamos de estar atentos às leis que tramitam
no Congresso, porque nenhum país se fecha ao Evangelho da noite para o dia, as
coisas vão acontecendo devagar”, disse a missionária.
É necessário, de uma vez
por todas, acertar nas vias da clarificação: não é desejável, em nome da
autonomia das realidades terrestres, a mistura ou confusão entre a esfera dos Estados
e a das Confissões Religiosas. Todavia, a secularidade (ou seja a não
essencialidade da índole religiosa do Estado) ou o laicismo (a supremacia do caráter
popular do Estado sobre quaisquer outras possíveis vertentes) não podem redundar
em combate a qualquer religião nem a qualquer irreligião. Se o Estado não pode
urgir nem propor uma religião ou um ensino religioso, também não pode impedir a
prática e o ensino de uma religião desde que tal seja exigido ou proposto
legitimamente. E, se quisermos avançar um pouco mais na linha do respeito dos
direitos humanos, então há que adotar o sistema da laicidade positiva e suas
consequências, proposta por Sarkozy e Bento XVI, segundo a qual o Estado e a
Igrejas cooperam na facilitação do desempenho das tarefas próprias de cada uma
das partes: as Igrejas veiculam as justas iniciativas de promoção estatais e o
Estado dá espaço e tempo à prática da religião e seu ensino, sem intromissão ou
mescla dos diferentes campos.
Para reflexão de todas as
pessoas de boa vontade aqui transcrevo um excerto do discurso do referido
pontífice em 12 de setembro de 2008, na cerimónia de boas-vindas no Eliseu:
(…) Vossa
Excelência, Senhor Presidente, empregou a bela expressão «laicidade positiva»
para qualificar esta compreensão mais aberta. Neste momento histórico em que as
culturas se entrecruzam sempre mais, estou profundamente convicto de que se
tornou necessária uma nova reflexão sobre o verdadeiro sentido e sobre a
importância da laicidade. De facto, é fundamental, por um lado, insistir sobre
a distinção entre o âmbito político e o religioso, para tutelar quer a
liberdade religiosa dos cidadãos quer a responsabilidade do Estado em relação a
eles, e, por outro, consciencializar-se mais claramente da função insubstituível
da religião na formação das consciências e da contribuição que a mesma pode
dar, juntamente com outras instâncias, para a criação de um consenso ético
fundamental na sociedade.
Sem comentários:
Enviar um comentário