terça-feira, 26 de agosto de 2025

UE pretende abolir barreiras comerciais com parceiros mediterrânicos

 

Vários países da União Europeia (UE) estão a pressionar em ordem a um futuro acordo estratégico sobre o Mediterrâneo, para eliminar barreiras comerciais com Estados do Norte da África e do Médio Oriente e para tentar “um alinhamento com as regras do mercado único da UE”, de acordo com um documento da Comissão Europeia citado, em exclusivo, pela Euronews.

De facto, num contexto de instabilidade nas relações com os Estados Unidos da América (EUA) e com a China, a UE considera, no futuro Pacto para o Mediterrâneo, relançar uma tentativa de integração mais profunda com os países mediterrânicos, pois a vantajosa a boa relação com todos os países que partilham os, segredos, as riquezas, as limitações e os perigos deste grande mar, que chegou a ser o centro do Mundo conhecido.

A proposta, conhecida, a 26 de agosto, está descrita num resumo preparado pela Comissão Europeia, antes de abril de 2025, que contém contribuições de estados-membros, de países parceiros e de outras partes interessadas no próximo Pacto para o Mediterrâneo. Este pacto, que deverá ser apresentado pelo executivo da UE, em meados de outubro, visa estabelecer uma palete de acordos bilaterais existentes e novos com países mediterrânicos selecionados em vários setores. O pacto aplica-se, para já, à Argélia, ao Egito, a Israel, à Jordânia, ao Líbano, à Líbia, a Marrocos, à Palestina, à Tunísia e à Síria.

De acordo com o documento, “as consultas também tentarão incorporar as perspetivas dos vizinhos, principalmente, dos países do Golfo e da Turquia, reconhecendo os seus significativos interesses estratégicos, contribuição e influência na região”. A Comissão Europeia tenta, deste modo, fortalecer a integração na região do Mediterrâneo, especialmente, à luz das instabilidades comerciais com aliados tradicionais, como os EUA. “Muitos [estados-membros] propõem modernizar os acordos existentes e eliminar barreiras comerciais, com apelos para o alinhamento com as regras do Mercado Único [da UE] e apoiar a convergência em setores como o digital, a energia, o ambiente e as normas laborais”, lê-se no documento.

No entanto, esta não é a primeira vez que Bruxelas tenta lançar a integração comercial entre os países mediterrânicos. Em 1995, por ocasião da ‘Declaração de Barcelona’, os parceiros concordaram em criar uma Área de Livre Comércio Euro-Mediterrânica (EMFTA ou ZCLEM), que nunca foi concretizada. A UE já tem um acordo comercial preferencial com os países do Mediterrâneo, delineado na Regra de Origem Preferencial Pan-Euro-Mediterrânica (a Convenção PEM), um acordo comercial multilateral que harmoniza as regras de origem. Tal Convenção inclui países da UE, membros da EFTA, os Balcãs Ocidentais, parceiros do Mediterrâneo, Geórgia, Ucrânia e a República da Moldávia.

O documento atinente ao Pacto Mediterrâneo visto pela Euronews adianta que os estados-membros da UE procuram ir mais longe nas relações comerciais com a região. “Alguns [estados-membros] destacam a importância do comércio inclusivo, tarifas mais baixas e acesso prático ao mercado, por meio de ferramentas como o Global Gateway e a [Convenção PEM]. Alguns defendem a modernização da [Convenção PEM] para refletir os atuais acordos comerciais da UE e identificar o comércio como a área com maior potencial para ação conjunta e coordenada”, afirma o documento.

De acordo com o documento, os parceiros têm pontos de convergência em questões relacionadas com o comércio, mas também desejam “alinhamento regulatório, acesso ao mercado e apoio aos produtores locais”. “É expresso apoio à harmonização regulatória para atrair investimentos e construir cadeias de valor conjuntas em digital, transporte e energia limpa”, diz o documento, referindo-se às contribuições dos países mediterrâneos e acrescentando: “Também são propostas cadeias de valor agroindustriais transfronteiriças, modernização aduaneira, regimes de exportação com selo verde e adoção de regras de origem PEM alteradas. A ênfase também é colocada na simplificação de procedimentos comerciais, no apoio a pequenas e médias empresas (PME) e empresas verdes e na flexibilização de barreiras não tarifárias, por meio de diálogos estruturados.”

E, como se lê no documento, “as propostas incluem leis inspiradas no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e ferramentas de administração pública em linha, bem como intercâmbios entre pares, para apoiar a convergência”.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem vincado a importância de diversificar as trocas comerciais, afastando-as da Rússia e da China, desde o início do seu segundo mandato. E, com esta iniciativa, a Comissão Europeia procura reforçar a integração na região mediterrânica e visualizar a prioridade à convergência em matéria de energia limpa e de normas ambientais.

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Já no início de novembro de 2024, era voz corrente que a próxima Comissão Europeia (a atual) deveria incluir uma pasta para o Mediterrâneo, sublinhando a importância geopolítica que a UE atribui a esta região.

A Jordânia e Marrocos seriam os próximos países na linha da frente para celebrarem acordos abrangentes com a UE, para travar as chegadas irregulares de migrantes e de impulsionar os laços comerciais, dizia a nova comissária para o Mediterrâneo aos eurodeputados, a 5 de novembro, na audição com vista aceitação colégios de comissários pelo Parlamento Europeu (PE).

Dubravka Šuica afirmou, em Bruxelas, durante uma audição de três horas, que se iria concentrar na assinatura das parcerias estratégicas e abrangentes com países terceiros, se conseguisse um segundo mandato no executivo da UE, desta feita, com a pasta do Mediterrâneo. “Vamos propor acordos estratégicos globais com todos os países, seja com o Médio Oriente, seja com África, seja com os países do Golfo”, afirmou, acrescentando que as negociações já tinham começado com a Jordânia e que se estava a tentar negociar com Marrocos, visto que “estes dois países podem ser úteis para nós e nós podemos ser úteis para eles”.

Dois desses acordos tinam sido fechados, em julho de 2023, com o Egito e com a Tunísia, no valor de 7,4 mil milhões de euros e de um milhão de euros, respetivamente, mas geraram muita polémica, devido a preocupações com os direitos humanos e ao retrocesso democrático, nestes dois países do Norte da África.

O presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, e o seu homólogo tunisino, Kais Saied, foram ambos acusados, pela oposição política interna e por organizações de defesa dos direitos humanos, de estarem a aumentar o controlo sobre o poder e a liderar regimes autoritários.

Questionada sobre o motivo pelo qual a Comissão Europeia não efetuou uma avaliação de impacto sobre os direitos humanos antes de assinar os acordos com o Cairo e Tunes, Dubravka Šuica insistiu que o fator tempo era essencial, visto que ambos os países “estavam à beira do colapso e, por essa razão, tínhamos de agir com urgência”. Por outro lado, referiu que os acordos de assistência macrofinanceira produziram bons resultados, incluindo menos 80% dos migrantes vindos da Tunísia, em 2023, em comparação com 2022, e que foram feitas avaliações sobre a implementação, mas os resultados, que são de natureza confidencial, não podem ser publicados.

Apesar de ter garantido aos membros da Comissão dos Assuntos Externos do Parlamento Europeu (AFET) que há coisas a corrigir, mas há algumas lições aprendidas com estes dois acordos, a comissária defendeu a estratégia da Comissão Europeia. “Se não tivéssemos feito nada, seria melhor? Se não nos empenharmos, quem é que se vai empenhar? Não nos podemos dar ao luxo de não nos envolvermos”, sustentou, garantindo que iria “continuar a levantar” a questão do respeito pelos direitos humanos junto das autoridades tunisinas e egípcias.

Dubravka Šuica comprometeu-se a fazer avaliações de impacto sobre os direitos humanos, antes de qualquer acordo futuro, a implementar um “controlo robusto” e a pedir o contributo do PE, antes de iniciar as negociações. Efetivamente, como afirmou, “todos os nossos acordos incluem a proteção dos direitos humanos”, de forma que “sem condições, nada será feito”. “Nenhum cêntimo do dinheiro dos contribuintes europeus vai para as mãos erradas”, assegurou.

Dubravka Šuica, que ocupara, no mandato anterior, a pasta da Democracia e Demografia, sublinhou que é preciso fazer mais, para promover percursos seguros e legais; regressos seguros, dignos e voluntários; combater o contrabando de migrantes e reforçar a gestão das fronteiras.

Disse que estes acordos não têm a ver só com a migração, mas também com a necessidade de garantir que a UE se torne o “parceiro fiável” de eleição para os países do Mediterrâneo, do Médio Oriente e da África, com laços mais profundos em matéria de energia e indústria.

Durante a audição parlamentar, a comissária foi também questionada sobre a sua estratégia para o Médio Oriente e reiterou o apoio para uma solução de dois Estados, prometendo aumentar a influência da UE na região. “Queremos ser não só pagadores mas também atores. […] Não queremos ser o maior doador para tudo e não ter influência política”, porfiou.

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A necessidade do estabelecimento de boas relações comerciais entre países e entre blocos de países, sentida pela Europa, já vem de longe. Todos recordamos o esforço de um grupo de países europeus que resolveram, primeiro, criar a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CEcA), a seguir, a Comunidade Económica Europeia (CEE) – também conhecida por Mercado Comum –, que evoluiu para a UE (já uma comunidade política). Progressivamente, ficou estabelecida a livre circulação de pessoas, de bens, de capitais e de serviços. Paralelamente, os países que não pertenciam à CEE criaram a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA). E, em 1994, foi estabelecido o espaço económico europeu (EEE), para a livre circulação de pessoas, de bens, de serviços e de capitais, que agrupava os países da CEE e da EFTA. Por outro lado, o Espaço Schengen é um acordo entre um conjunto de países, a maioria da UE, para abolir os controlos nas fronteiras internas e criar uma única fronteira externa, permitindo a livre circulação entre os países membros, com a Suíça, a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega incluídos.    

A nível global, foi criada, em 1995, a Organização Mundial do Comércio (OMC), para estabelecer e supervisionar as regras do comércio internacional, atuando como um fórum para negociações multilaterais, para o que é dotada de um mecanismo de resolução de litígios comerciais entre membros e supervisiona políticas comerciais nacionais, visando a liberalização e a transparência do comércio global. 

Tudo isto, sem desprimor para acordos bilaterais, de acordo com os respetivos interesses.  

Todavia, a guerra comercial desencadeada pela nova administração da Casa Branca, através da imposição de tarifas recíprocas, pôs em causa as regras estabelecidas no quadro da OMC e os demais acordos de índole comercial (ou que também envolvam a componente comercial).

É certo que, neste âmbito, a imposição de sanções económicas à Rússia, por parte dos EUA, do Canadá, do Reino Unido e da UE, enfim do chamado Ocidente, trouxe ao de cima a excessiva dependência da Europa da Rússia e, além de agravar os preços, originou outras dependências. Porém, a nova postura política dos EUA pôs os cabelos em franja da maior parte dos países do planeta, bradando que infringia as regras da OMC e que iriam retaliar, em conformidade.

Assim, a UE teve de repensar a sua relação com os EUA e tentar encontrar acordos com outros blocos de países. Nestes termos, avivou acordos já existentes com alguns países do Mediterrâneo, como foi referido, pensou no futuro Pacto Estratégico com os parceiros mediterrânicos, firmou um acordo comercial com os países do Mercosul, sentiu-se obrigada a celebrar um acordo comercial com os EUA, logrou um entendimento comercial com países da Ásia Central, espera um acordo comercial com a Índia e tentou um acordo comercial com a China.

O grande objetivo é o robustecimento da UE, através da diversidade de relações comerciais e do reforço do mercado comum interno.

A 24 de julho, após uma cimeira de um dia, em Pequim, a UE, insistindo na necessidade de reequilibrar as relações comerciais com a China, anunciou a tentativa de acordo com a China, para aliviar as restrições impostas pelo país às exportações de terras raras, que causaram alarme, em todo o bloco, e ameaçaram paralisar indústrias inteiras.

As restrições rigorosas, que começaram no início de abril, no meio de uma disputa comercial com os EUA, afetaram, gravemente, o fornecimento mundial de sete elementos de terras raras e de ímanes necessários para os setores da defesa, da energia e do setor automóvel.

Ursula von der Leyen congratulou-se com os esforços da China para acelerar as licenças de exportação de terras raras e com a criação de um novo sistema para eliminar os obstáculos e os atrasos na cadeia de abastecimento. Mesmo assim, insistiu que são necessários muito mais progressos para reequilibrar as relações comerciais UE-China, que registaram, em 2024, um défice de bens superior a 300 mil milhões de euros, valor que poderá aumentar, em 2025, devido à fraca procura por parte dos consumidores chineses e às tarifas proibitivas impostas pelos EUA.

Além das restrições às terras raras, a presidente da Comissão Europeia destacou duas áreas em que os progressos são “possíveis e necessários”, a curto prazo: a exigência do bloco europeu de garantir um acesso maior e mais livre ao mercado chinês, para igualar o acesso que as empresas chinesas têm na Europa; e a questão da sobrecapacidade industrial, que tem sido associada à utilização pródiga de subsídios, por parte de Pequim, para impulsionar os produtores nacionais e para baixar, artificialmente, o preço dos seus produtos manufaturados, em detrimento dos concorrentes internacionais.

Como era de esperar, aquela cimeira não fez progressos nestas frentes abertas. Ursula von der Leyen afirmou que, a menos que a China faça concessões para atenuar o seu excesso de capacidade, “será difícil para a UE manter o seu atual nível de abertura”.

E António Costa, presidente do Conselho Europeu, manifestando preocupações sobre a situação desequilibrada do comércio entre a UE e a China, afirmou que “uma relação comercial justa e mutuamente benéfica é possível e deve ser o nosso objetivo comum”, e vincou a disponibilidade do bloco para encetar um “diálogo aberto e construtivo para encontrar soluções comuns”. “Chegou o momento de passar à ação o debate de hoje”, concluiu.

Nas suas declarações, o governo chinês prometeu “novas oportunidades e potencialidades” nas relações UE-China.

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Enfim, é bom que a UE não desista e não desarme, para bem dos eurocidadãos. Para tanto, deve saber ultrapassar as tensões e ter a capacidade de limar as arestas relacionais.

2025.08.26 – Louro de Carvalho

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