segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Ministro da Segurança de Israel defende a anexação total de Gaza

 
A 3 de agosto, a RTP adiantou que o ministro da Segurança Nacional de Israel declarou defender a anexação total de Gaza e o abate de todos os homens do Hamas. Tal declaração, feita enquanto liderava dezenas de Israelitas que foram rezar na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, foi vista como uma provocação por vários países árabes.
O Diário de Notícias (DN) online, a 4 de agosto, referia que o ultranacionalista Ben-Gvir rezou, a 3 de agosto, no complexo da mesquita de Al-Aqsa, violando um acordo implícito de décadas, em torno daquele que é um dos locais mais sensíveis de Jerusalém e do Médio Oriente.
Para os Judeus, ainda de acordo com o DN, o local é o Monte do Templo e, a 3 de agosto assinalava-se o dia da destruição de dois dos templos que ali foram construídos. O Muro das Lamentações, o único vestígio que sobra, localiza-se na base do complexo.
O complexo de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado para os Muçulmanos, é gerido por uma fundação religiosa jordana, tendo os Judeus autorização para o visitarem, mas não para rezarem lá. Assim, o gesto de Ben Gvir foi condenado pela Jordânia, pela Arábia Saudita e pela Autoridade Palestiniana.
Em comunicado, o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse que a situação relativa ao complexo “não mudou, nem vai mudar”. Porém discurso gravado para as redes sociais, Ben Gvir disse que Israel deve “estender a sua soberania para toda a Faixa de Gaza”. 
Já, na semana anterior, como revelava a Rádio França Internacional (RFI), no dia 31 de julho, o governo de Israel, na contramão da pressão internacional pela solução de dois Estados, debatia a possibilidade de anexar territórios palestinianos, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.
A anexação de partes de Gaza foi mencionada, a 30 de julho, pelo vice-ministro da Segurança Nacional, Zeev Elkin, como estratégia para ampliar a pressão sobre o Hamas, a fim de forçar o grupo terrorista a aceitar um cessar-fogo na guerra, travada desde 7 de outubro de 2023, com termos que favoreçam Israel. “O mais doloroso para o nosso inimigo é perder terras. Israel poderia esclarecer o Hamas de que, no momento em que fizerem joguinhos, perderão terras que nunca mais recuperarão”, disse o governante.
Além de Gaza, a Knesset (Parlamento) israelita aprovou uma moção segundo a qual considera a Cisjordânia como parte de Israel, “em oposição à criação de um Estado palestiniano”. O texto pede a anexação do território palestiniano, mas, para já, o seu caráter é simbólico e não tem efeito prático, segundo a RFI. Contudo, ocorre no contexto de crescente expansão dos assentamentos judeus na Cisjordânia, considerados ilegais.
Por outro lado, ainda de acordo com a RFI, o debate dentro de Israel ocorre no meio da crescente mobilização diplomática, por parte de potências ocidentais, por conta da crise humanitária, com a fome (a servir de arma de guerra), em níveis inéditos, dos Palestinianos em Gaza.
A França e o Canadá anunciaram que reconhecerão a existência do Estado Palestiniano em setembro; o Reino Unido sinalizou o reconhecimento, a menos que Israel se comprometa com o fim da ocupação e com medidas humanitárias concretas; e Portugal diz fazer parte de um grupo de mais 14 países que reconhecerão o Estado da Palestina.
Israel, que repudiou os anúncios da França, do Canadá e do Reino Unido, afirmou que reconhecer a existência do Estado Palestiniano, neste momento, seria uma recompensa ao terrorismo do Hamas. O grupo terrorista foi responsável por ataques em 7 de outubro de 2023, que mataram mais de 1200 israelitas e 250 foram levados reféns. Desde então, o cerco militar israelita em Gaza provocou a morte de mais de 60 mil palestinianos, segundo autoridades locais.
O secretário-geral das Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou, a 28 de julho, que a anexação gradual da Cisjordânia por Israel é ilegal e repudiou a destruição, em larga escala, de Gaza. E, como é óbvio, criticou as discussões israelitas por anexação: “Ações unilaterais que comprometam, de forma permanente, a solução de dois Estados são inaceitáveis. Devem parar.”
A proposta de anexação territorial ganhou força na Knesset, com parlamentares do Likud a aprovar resoluções no sentido da incorporação da Cisjordânia e da eventual reinstalação de colónias judaicas em Gaza. E membros da ala ultranacionalista, como Bezalel Smotrich, defendem, publicamente, a anexação total dos territórios palestinianos.
Nos bastidores, ideias como a sugerida pelo presidente Donald Trump – de transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio” – voltam a circular. Efetivamente, o Ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, disse, claramente, que o país está a trabalhar para tornar real a visão do presidente dos Estados Unidos da América (EUA).
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De acordo com a SIC Notícias, o ministro da Segurança Nacional de Israel garantiu, a 3 de agosto, que a nação não vai ceder e admite que o Estado israelita deve “anexar” a Faixa de Gaza e incentivar a “emigração voluntária” de quem lá vive. Por outro lado Israel considera que os vídeos de reféns israelitas divulgados pelo Hamas, sobretudo, o mais recente em que um jovem surge a escavar a própria sepultura, são uma tentativa de pressionar Telavive a acabar com a guerra. 
Com efeito, o ministro da Segurança Nacional de Israel disse que os “horríveis” vídeos do Hamas, que mostram os reféns que permanecem em Gaza só têm como objetivo “pressionar o Estado de Israel”. E, em resposta, ao grupo armado garantiu: “Temos de transmitir uma mensagem e garantir que, a partir de hoje, conquistamos toda a Faixa de Gaza, anexamos toda a Faixa de Gaza, eliminamos todos os membros do Hamas e incentivamos a emigração voluntária.” 
Esta declaração surge, ainda de acordo com a SIC Notícias, no seguimento das imagens partilhadas pelo grupo pró-Palestina, que mostram o refém israelita Evyatar David, que garante estar a passar fome. “Não como, quase não há água, como muito, muito pouco. Podem ver como estou magro. Não é ficção, é real, não há comida. Dão-me o que podem. Não como, estou cada vez mais magro, o meu estado está a piorar, estou a ficar mais fraco. E não há nada”, confessa. 
O jovem surge, depois, a cavar um buraco, que será a sua sepultura. “Para mim, parece que estou a caminhar para a minha morte. A cavar a minha própria sepultura onde me posso deitar e, na verdade, a cada dia que passa, o tempo está a esgotar-se. O tempo está a acabar e só tu [governo] podes pará-lo para que eu possa deitar-me na minha própria cama”, apela ao executivo. 
Enquanto isso, Israel continua a atacar a Faixa de Gaza. Num dos mais recentes ataques, pelo menos, 23 palestinianos morreram, enquanto procuravam comida, como já é usual.  
A agência de notícias Associated Press adiantou que as forças israelitas atacaram um centro de recolha e de distribuição de ajuda humanitária em Gaza. De acordo uma testemunha palestiniana, a tropa israelita abriu fogo, de forma indiscriminada, contra um grupo de pessoas que aguardava a distribuição de comida. 
A 3 de agosto, o presidente do Irão foi recebido, em Islamabad, pelo primeiro-ministro do Paquistão. E, no âmbito deste encontro, ambos condenaram a ofensiva israelita em Gaza, alertaram para o “genocídio”, na região, e apelaram ao cessar-fogo imediato. 
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Enquanto isso, apesar do reconhecimento internacional da situação, incluindo do seu maior aliado, Donald Trump, que reconheceu a dramática falta de comida, Benjamin Netanyahu, continua a negar a existência de fome em Gaza. Ao invés, países, como a Alemanha, juntam-se aos esforços de ajuda humanitária por via aérea. Porém, o primeiro-ministro israelita tem um plano para anexar toda a Faixa de Gaza, a apresentar, em breve, ao Gabinete de Segurança.
 Uma organização israelita de direitos humanos usa o termo “genocídio” e a Alemanha fala em “catástrofe humanitária”. A denúncia está a ser feita, há meses, por organizações humanitárias e por governos de todo o Mundo. A fome está instalada em Gaza e atinge cada vez mais vítimas.
Para combater a calamidade, a Alemanha anunciou que se vai juntar à Espanha e a países, como a Jordânia, na entrega de ajuda por via aérea. A ONU e outras organizações, falando numa “gota de água”, sublinham que a crise não para de fazer vítimas. E as autoridades de Saúde de Gaza garantem que o número de mortos pela fome, até 28 de julho rondava os 150.
A emergência humanitária motivou, a 27 de julho, uma reunião em Nova Iorque, que juntou representantes de dezenas de países. A iniciativa foi organizada pela França e pela Arábia Saudita.
O primeiro-ministro de Israel exige que o Hamas promova a ajuda humanitária aos reféns, que, segundo ele, estão subnutridos e não têm assistência médica suficiente. 
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A 3 agosto Num exclusivo do Expresso, sob o título “Perda de valores choca a própria sociedade civil israelita”, Pedro Tavares, correspondente em Ancara, aponta que a situação de Gaza evidencia as fissuras de sempre na sociedade israelita. Internamente, há quem acuse o Estado de cometer genocídio e apele ao governo “para acabar com a fome em Gaza”; e, ao invés, ultranacionalistas pretendem a “colonização de Gaza”.
A estratégia do primeiro-ministro era chegar incólume ao fim de julho com a frágil coligação, quando a Knesset entra nas férias de três meses, que são a oportunidade política para o chefe do governo tomar medidas sem escrutínio parlamentar e sem ameaça à coligação.
Assim, como escreve Pedro Tavares, face às abundantes declarações mundiais sobre a situação em Gaza, Benjamin Netanyahu “decretou um aumento na entrada da ajuda humanitária para a Faixa (incluindo distribuição aérea), enquanto anunciava uma pausa humanitária nas operações militares de algumas horas, por dia, para ajudar na distribuição dessa ajuda”.
O ultranacionalista ministro das Finanças, Belazel Smotrich, a 26 de julho ameaçou, de novo, deixar o executivo. E o primeiro-ministro convenceu-o a ficar. Segundo o “Haaretz”, Benjamin Netanyahu apontou como nova estratégia, que “se o Hamas não aceitar a libertação de reféns, Israel poderá avançar para uma anexação parcial da Faixa de Gaza, começando pela zona-tampão Norte e avançando para as áreas contíguas às cidades israelitas de Sderot e Ashkelon”, sendo que “as tropas israelitas já controlam cerca de 75% do enclave”.
Como refere o correspondente em Ancara, numa conferência a marcar a saída dos últimos israelitas dos colonatos de Gush Katif, em Gaza, há 20 anos, Smotrich disse ter decidido continuar no governo, apesar do aumento da ajuda humanitária na Faixa, por acreditar que muitas “coisas belas vão acontecer naquele local”. De facto, o ministro tem defendido, desde há 20 anos, a anexação total e a recolonização do território. Agora, pensa que se trata de um plano realista. “Gaza é parte inseparável da terra de Israel”, declarou.
Por seu turno, como escreve Pedro Tavares, Itamar Ben Gvir acusou Benjamin Netanyahu de “ceder ao Hamas e de pôr em perigo as vidas de soldados israelitas” com as decisões de aumentar a ajuda humanitária, quando “a única forma de ganhar a guerra […] é parar, por completo, com a ajuda humanitária, conquistar a Faixa e encorajar a migração voluntária”.
Segundo o colunista do Expresso, “a maioria da sociedade israe­lita é crítica da forma como a guerra em Gaza tem sido conduzida”. Assim, 74% da população defende um acordo com o Hamas que resulte na libertação de todos os reféns e no fim da guerra; 49% dos Israelitas pensa que a gestão do dossiê responde à motivação política da sobrevivência do executivo; duas organizações israelitas de direitos humanos – B’Tselem e Médicos para os Direitos Humanos (PHRI) – acusam o governo de cometer genocídio em Gaza. “É a primeira vez que organizações judias com sede em Israel o fazem”, anota Pedro Tavares.
Organizações internacio­nais de direitos humanos, como a Amnistia Internacional (IA) e a Human Rights Watch (HRW), chegaram à mesma conclusão; e Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinianos, diz que o que se passa na Palestina é genocídio, o que o governo de Israel nega, alegando que está a combater uma “guerra existencial” e considerando tais acusações como antissemitas.
Regista Pedro Tavares mais reações. Os presidentes de cinco das mais respeitadas universidades israelitas – Telavive, Hebraica, Aberta, Instituto Weizmann e Technion – em carta aberta a Netanyahu, pedem medidas urgentes para resolver a “grave crise de fome em Gaza”, pois, segundo os académicos, “a devastação está a causar tremendos danos a civis não combatentes”. “Como povo que foi vítima do horrífico Holocausto, temos um dever moral de atuar e de fazer tudo o que for possível para prevenir que homens, mulheres e crianças inocentes sofram”, sentenciam, sustentando que as declarações de políticos israelitas que defendem a evacuação forçada de Gaza são “uma perda dos valores morais e uma violação das obrigações legais do país, um crime de guerra e contra a Humanidade”.
No início de julho, um dos maiores peritos mundiais no Holocausto, Omer Bartov, veterano das Forças Armadas israelitas e professor na Universidade Brown, escreveu, no “The New York Times”, que a guerra em Gaza “não pode escapar à classificação de genocídio”.
Nos últimos dias, uma carta aberta dos rabinos Jonathan Wittenberg, em Londres, Art Green, em Boston, e Ariel Pollak, em Telavive, assinada por centenas de outros clérigos judeus de quatro continentes, defende que o “povo judeu está perante uma grave crise moral, que ameaça a própria base do judaísmo, como voz ética”. E o Comité Judeu Americano, em comunicado na rede social X, adverte que “a grave situação humanitária em Gaza não poderá ser tomada levemente, e usar a fome como uma tática legítima não é aceitável”.
“A estratégia de usar a comida como forma de pressão sobre o Hamas ajudou a destruir a imagem de Israel no Mundo. Somos verdadeiramente um Estado pária. Nem os nossos aliados confiam no governo de Netanyahu. Os Israelitas e o mundo judeu estão divididos, cada vez mais críticos da guerra e verdadeiramente angustiados”, escreveu David Horovitz, no “The Times of Israel”.
Por fim, o correspondente do Expresso em Ancara sustenta que “as taxas de suicídio dos militares que serviram em Gaza são um dos indícios desta alie­nação e angústia” e revela que, “na última semana de julho, pelo menos, três puseram fim às suas vidas”. E, apesar de os números não serem públicos, Pedro Tavares retém uma investigação de Doron Kadosh, jornalista da rádio do exército israelita, que “identificou, pelo menos, 21 suicídios, nos primeiros seis meses de 2025, a juntar aos, pelo menos, 38 de 2024”. E, tendo Israel perdido 459 soldados em operações militares em Gaza, após o 7 de outubro de 2023, os suicídios representam um número superior a 10% do total de baixas em combate.
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Toda a atitude do governo de Israel, aparentemente ancorada no direito à defesa, tem em vista, contra tudo e contra todos, a eliminação total dos Palestinianos, para o que servem todos os meios.

2025.08.04 – Louro de Carvalho


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