Noticiava o Diário de Notícias (DN), a 27 de agosto, citando a Lusa, que mais de 129600 inquilinos receberão, em setembro, com retroativos a janeiro, o pagamento do apoio extraordinário à renda, mas que 58659 vão ter o pagamento suspenso, devido a incongruências.
Em resposta escrita à Lusa, o Ministério das Infraestruturas e Habitação (MIH) informou que, “segundo o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), os dados referentes ao apuramento de 2025 indicam que, em setembro, serão pagos apoios a 129642 locatários, com retroativos a janeiro”.
Já os locatários com incongruências, cujo número ascende a 58659, pelo que o pagamento lhes será suspenso, serão notificados para regularizarem a sua situação no Portal Consulta Cidadão disponível no site do IHRU.
No dia 26, a Provedoria de Justiça anunciou que tinha enviado um ofício à secretária de Estado da Habitação a apelar à revisão urgente do apoio extraordinário para pagamento de renda, após ter recebido um “volume significativo de queixas” reveladoras de graves irregularidades.
Questionado pela Lusa, o MIH considerou que o Programa de Apoio Extraordinário à Renda (PAER), criado em 2023, pelo governo liderado por António Costa, foi mal desenhado, envolvendo o cruzamento de dados de cinco entidades diferentes – IHRU, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Instituto de Segurança Social (ISS), Caixa Geral de Aposentações (CGA) e Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), “sem que tenha sido garantida a sua interoperabilidade”.
Neste ano, a Provedoria de Justiça registou um aumento significativo do número de queixas referentes à suspensão e à redução dos apoios; entre maio de 2023 e julho de 2025, recebeu cerca de um milhar de solicitações conexas com este regime de apoio às rendas; e concluiu que o regime jurídico foi concebido sem atenção a direitos e garantias fundamentais dos administrados e que há uma insuficiente capacidade de articulação e de resposta do IHRU, da AT e do ISS.
Aquela entidade verificou também que têm sido desconsiderados “direitos plenamente consagrados, como o direito dos cidadãos à informação, à notificação das decisões, à fundamentação dos atos administrativos e à audiência prévia dos interessados”, e que “os cidadãos abrangidos por este apoio – anunciado como automático – têm sido encaminhados, repetidamente, de serviço em serviço, sem conseguirem obter as informações procuradas”. E, adicionalmente, apontou que as plataformas informáticas em utilização “são frágeis e inadequadas à função, contribuindo para uma grave morosidade e para as dificuldades de informação”.
As queixas recebidas neste ano revelam também a “extrema morosidade”, até ao início do pagamento do apoio, e que, a partir do momento em que começa a ser pago, é apenas entregue um valor mensal singular, “desconhecendo-se quando virão a ser pagos os retroativos devidos”, situação ultrapassada pelo anúncio em referência.
“Em diversas situações, os cidadãos alegam que a sua situação social e económica acabou por piorar, devido a falhas do Estado, exprimindo ainda uma descrença profunda, em relação a uma solução legal destinada a apoiá-los”, apontou a Provedoria.
Algumas das “falhas sistémicas” neste apoio tinham já sido assinaladas nos dois últimos relatórios anuais entregues à Assembleia da República (AR), como lembrou a Provedoria de Justiça.
Por isso, como já tinha sido, anteriormente, anunciado pelo governo, está prevista a revisão do programa, “para breve”, a fim de garantir a sua operacionalização.
***
Efetivamente,
a Provedoria da Justiça, em comunicado divulgado a 26 de agosto, refere que a
sua iniciativa de se dirigir ao governo, em particular, à Secretaria de Estado
da Habitação surge “na sequência de um volume significativo de queixas
reveladoras de falhas sistémicas”, algumas das quais já assinaladas em
relatórios anuais enviados à AR, relativos a 2023 e a 2024.Tais queixas têm surgido, desde a entrada em vigor do regime, instituído pelo Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março, e revisto pelo Decreto-Lei n.º 43/2024, de 2 de julho, “reportando sucessivas e persistentes irregularidades, que comprometem os direitos dos beneficiários e a eficácia do próprio apoio”. E, de acordo com a Provedoria da Justiça, que aponta o dedo a vários organismos públicos, “em 2025, aumentou, significativamente, o número de queixas referentes à suspensão e à redução dos apoios”.
O regime jurídico em causa foi concebido sem atenção a direitos e garantias fundamentais dos administrados, no contexto de uma insuficiente capacidade de articulação e de resposta das entidades responsáveis.
Têm sido, efetivamente, desconsiderados “direitos plenamente consagrados, como o direito dos cidadãos à informação, à notificação das decisões, à fundamentação dos atos administrativos e à audiência prévia dos interessados”. E, segundo a Provedoria da Justiça, “as plataformas informáticas em utilização são frágeis e inadequadas à função, contribuindo para uma grave morosidade e para as dificuldades de informação”, levando a que cidadãos abrangidos pelo apoio – dito automático – têm sido encaminhados de serviço para serviço, sem obterem a informação pretendida.
Assim, entre maio de 2023 e julho de 2025, a Provedoria de Justiça recebeu cerca de um milhar de solicitações conexas com este regime de apoio às rendas. Em diversas situações, os cidadãos alegam que a sua situação social e económica acabou por piorar devido a falhas do Estado, exprimindo ainda uma descrença profunda em relação a uma solução legal destinada a apoiá-los.
Perante este cenário, “a gravidade das irregularidades e a continuidade do regime até 2028”, a Provedoria de Justiça sublinha a “necessidade de uma revisão urgente do apoio extraordinário à renda, de forma a garantir um sistema mais justo, transparente, eficiente e sindicável, assegurando também uma melhor utilização dos recursos públicos".
Em janeiro deste ano, este apoio extraordinário ao pagamento de rendas chegava a 145870 inquilinos, segundo os dados do IHRU fornecidos à Lusa, uma descida, face aos 233323 beneficiários identificados no mesmo mês de 2024.
***
O apoio
extraordinário à renda foi criado por diploma legislativo, no âmbito do
programa “Mais Habitação”, do governo liderado por António Costa, tendo entrado
em vigor em outubro de 2023. Consiste num apoio mensal, até ao limite máximo de
200 euros, e é dirigido às pessoas a quem o encargo pelo pagamento das rendas
de casa exige taxa de esforço igual ou superior a 35%.Podem beneficiar do apoio os agregados familiares que cumpram, cumulativamente, os seguintes critérios: terem residência fiscal em Portugal; serem titulares de contrato de arrendamento ou de subarrendamento de primeira habitação, registado na AT e celebrado até 15 de março 2023; a taxa de esforço com o encargo de pagamento das rendas ser igual ou superior a 35%; o rendimento anual ser igual ou inferior ao limite máximo do 6.º escalão do imposto sobre o rendimento da pessoa singulares (IRS), que era, em 2023, de 38632 euros.
Acrescem, ainda, os casos dos que não estão obrigados à entrega da declaração anual de IRS, cujo valor total mensal de rendimentos seja igual ou inferior a 1/14 do limite máximo do 6.º escalão do IRS relativos a rendimentos mensais de trabalho declarados à Segurança Social ou sejam beneficiários das seguintes prestações sociais: pensões de velhice, de sobrevivência, de invalidez ou pensões sociais; prestações de desemprego ou de parentalidade; rendimento social de inserção (RSI), prestação social para a inclusão ou complemento solidário para idosos (CSI); subsídios de doença e doença profissional (de atribuição não inferior a um mês) ou de apoio ao cuidador informal.
Quem recebe apoois financeiros do IHRU tem direiro ao apoio extraordinário à renda, desde que preencha as condições de elegibilidade para receber o apoio extraordinário. Nesse caso, ao montante do apoio apurado são deduzidos os valores de outros apoios financeiros à renda que sejam atribuídos pelo IHRU.
Os agregados familiares que preencham as condições de elegibilidade para receber o apoio extraordinário à renda são informados pela AT do montante do apoio atribuído e dos dados considerados para o seu apuramento.
O apoio extraordinário à renda é, pois, atribuído sem necessidade de apresentação de pedido.
O apoio é atribuído até 31 de dezembro de 2028, sem prejuízo de ser reavaliado anualmente.
O pagamento do apoio é automático (não precisa de efetuar qualquer pedido) e pago, até ao dia 20 de cada mês, pelo ISS (por transferência bancária).
Com o pagamento da primeira prestação mensal do apoio são também pagas, retroativamente, as prestações do apoio relativas a rendas pagas desde 1 de janeiro de2023.
Caso o apoio apurado seja inferior a 20 euros, será pago a cada seis meses.
***
O
governo, em vez de ter procedido a uma revisão cirúrgica minimalista do Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março, poderia ter
feito uma revisão de fundo, por forma a evitar as críticas da Provedoria de
Justiça e, sobretudo, os incómodos por que têm de passar os cidadãos.Contudo, a não ser que haja uma verdadeira reforma da Administração Pública, tantas vezes prometida e que nunca chega na totalidade, a falta de comunicação e da interoperabilidade das diversas entidades não se resolve por lei, mas com a dotação de pessoal, preparado e bem pago, assim como através da alocação aos serviços dos meios técnicos adequados, necessariamente atualizados ou substituídos periodicamente.
Até se entende que o governo acuse as insuficiências dos governos anteriores – embora, como dizia Cavaco Silva (pelo menos, é-lhe atribuída a sentença), “um governo que, passados seis meses, se desculpa com os erros dos governos anteriores, não está a fazer o seu trabalho –, já parece desadequado vir a Provedoria de Justiça apontar os erros a governos anteriores, até por saber que Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março, está em vigor, mas com a redação que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 43/2024, de 2 de julho. Deveria, obviamente apontar os aspetos a melhorar, mas sem fazer juízos próximos do valor político-partidário.
Supostamente, a Nova Estratégia para a Habitação pretende incentivar a oferta de habitação, promover a habitação pública, incentivar a habitação jovem e assegurar a acessibilidade na habitação. Por isso, o governo prometeu disponibilizar 25 mil casas que integram o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e mudar a Lei dos Solos.
E as dificuldades de alojamento estudantil, que afastam do Ensino Superior os jovens com maiores dificuldades económicas, vão ser alvo de um Programa de Emergência. No entanto, as vagas nos cursos do Ensino Superior estão em franco decréscimo, segundo os últimos dados passados à Comunicação Social.
Não digam que foi a crise política de março (de que resultou nova composição da AR e novo governo) que encravou tudo, como já foi dito, a propósito da reorganização da Proteção Civil e do reordenamento florestal.
2025.08.27 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário