Transcorrido
o período de consulta pública e tendo a Direção-Geral da Educação (DGE) incorporado
no projeto inicial alguns dos muitos contributos de instituições e de cidadãos,
foi publicada, em Diário da República,
a Resolução do Conselho de Ministros n.º 127/2025, de 29 de agosto, que
aprova a nova Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC),
enquanto referencial da componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento.
Logo o preâmbulo sustenta que “a Educação para a
Cidadania é parte essencial da formação e desenvolvimento das crianças e jovens”,
com vista à sua educação integral. E, considerando a escola “essencial na
promoção de uma cidadania ativa e democrática”, releva que “educar para a
cidadania promove a coesão social, tendo por base o respeito pelos Direitos
Humanos”.
Por outro lado, a ENEC concretiza o compromisso do governo
de “implementar revisões curriculares no ensino básico e no ensino secundário,
incluindo na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, assegurando-lhe uma
abordagem pedagógica mais clara, estruturada e alinhada com os princípios
fundamentais da educação para uma cidadania democrática”. Nestes termos, a ENEC
“assenta numa abordagem integrada e coerente” distribuída por oito dimensões
interdependentes, obrigatórias para todos, a saber: Direitos Humanos; Democracia
e Instituições Políticas; Desenvolvimento Sustentável; Literacia Financeira e
Empreendedorismo; Saúde; Risco e Segurança Rodoviária; Media; e Pluralismo e Diversidade Cultural.
Este quadro estratégico encontra-se em linha com
documentos internacionais relevantes, como a Carta do Conselho da Europa sobre
Educação para a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos, o
Quadro de Referência de Competências para a Cultura Democrática, a recomendação
da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) sobre Educação para a Paz, Direitos Humanos e Desenvolvimento
Sustentável e a Agenda 2030 Organização das Nações Unidas (ONU) para os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em particular o Objetivo 4 – Educação
de Qualidade.
Além disso com a ENEC, a componente curricular da
disciplina de Cidadania e Desenvolvimento terá, pela primeira vez, Aprendizagens
Essenciais, o que mostra a sua valorização no currículo e a equiparação às
outras disciplinas, tal como postula que as referidas oito dimensões sejam
lecionadas aos alunos do ensino básico e secundário, de forma mais coerente e
consistente, nas escolas de todo o país, ao invés de práticas de desfasamentos
e de inconsistências, assentes em referenciais e guiões, em vez de em
documentos curriculares.
Por fim, o governo considera que “a presente ENEC
consagra, juridicamente, a estratégia para educar para a cidadania, deste modo
realçando a sua importância no currículo e na vida escolar, ao contrário da
ENEC em vigor, até agora, à qual não foi atribuída forma de diploma legal,
ficando apenas disponibilizada na Internet
e referenciada no Decreto-Lei n.º 55/2028, de 6 de julho, que definiu a matriz
curricular do ensino básico e secundário, onde a Cidadania e Desenvolvimento
surge como componente do currículo.
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No primeiro, “Ser cidadão”, desenvolve o pressuposto teórico adiantado no preâmbulo, enfatizando os princípios da cidadania, o papel da escola e os desafios que a sociedade enfrenta.
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Em todo o caso, é de relevar que é no campo da Saúde que surge a referência à “promoção da saúde sexual e reprodutiva” e à “proteção contra todas as formas de violência”, incluindo o “abuso físico, psicológico e sexual”. Assim, a dimensão da Saúde visa a aquisição de “conhecimentos, capacidades, valores e atitudes que incentivem a assunção do bem-estar físico e mental”, por parte dos alunos, “integrando, na sua vivência, a importância da alimentação saudável, da atividade física, da promoção da saúde mental, da saúde sexual e reprodutiva, e da vivência de relações respeitadoras da intimidade, permitindo escolhas informadas, conscientes e seguras, contribuindo para a proteção contra todas as formas de violência (incluindo a violência no namoro, o assédio, a exploração, o abuso físico, psicológico e sexual e a ciberviolência) e para a prevenção de consumos, comportamentos aditivos e dependências”.
A ausência de qualquer conceito conexo com educação sexual, na
proposta que esteve em consulta pública, gerou críticas de especialistas e da
oposição. Porém, no final do Conselho de Ministros de 28 de agosto, o ministro
da Educação anunciou que, nesta nova ENEC, fica “mais explícita a dimensão
da educação sexual”.
Estes conteúdos são obrigatórios em, pelo menos, um ano de escolaridade,
em cada período. A par da Saúde, terão de ser abordadas, com
esta frequência, três outras áreas: Risco e Segurança
Rodoviária; Pluralismo e Diversidade Cultural; e Media. Já as outras áreas – Direitos Humanos; Democracia e Instituições
Políticas; Desenvolvimento Sustentável; e Literacia Financeira e
Empreendedorismo – têm de ser abordadas em todos os anos de
escolaridade.
A organização da ENEC em oito dimensões obrigatórias, em vez dos
17 domínios (obrigatórios uns e facultativos outros) definidos em 2017, não me
parece relevante. Por um lado, algumas dimensões são estabelecidas em pares de
conceitos (por exemplo, Literacia Financeira e Empreendedorismo), o que
ultrapassa o número oito; por outro, uma certa autonomia curricular reconhecida
à escola fica diminuída ou mesmo anulada.
“O trabalho a desenvolver nestas dimensões deverá ajustar-se, em
cada nível de educação e ensino, à idade das crianças e jovens e ao contexto de
cada comunidade educativa, para os diferentes níveis e ciclos de ensino, numa
perspetiva de continuidade e articulação vertical, durante toda a escolaridade
obrigatória” – o que não constitui novidade.
A ENEC “deve ser operacionalizada através da componente curricular de
Cidadania e Desenvolvimento “e, de forma explícita,
interdisciplinarmente, nas várias disciplinas”. Aliás, o interdisciplinaridade e
a abordagem multidisciplinar são recorrentes na escola.
“A componente curricular da disciplina de Cidadania e
Desenvolvimento terá, pela primeira vez, Aprendizagens Essenciais”, com o objetivo
de “contrariar” as práticas de “desfasamentos e inconsistências na
implementação escolar da Cidadania e Desenvolvimento, desde 2017, assentes em
referenciais e guiões, em vez de em documentos curriculares”. É uma novidade
formal, porquanto o decreto-lei mencionado na Resolução, determinava como seria
operacionalizada a ENEC. Deus nos livre de que os programas de todas as
disciplinas tenham de constar em lei, decreto-lei, portaria, resolução ou
despacho! Além disso, a definição de aprendizagens essenciais, para um ensino
uniforme dificulta a adaptação a cada cultura local.
Estabelecer que “a cada escola cabe, agora, elaborar e
aprovar a sua própria Estratégia de Educação para a Cidadania,
enquadrada pela ENEC” não traz qualquer novidade ao processo iniciado em 2017,
tal como não é novidade a possibilidade do estabelecimento de parcerias, nem a
definição das entidades que monitorizam a ENEC, nem a asserção que a avaliação
interna compete aos diversos órgãos e estruturas pedagógicas e de coordenação
da escola/agrupamento.
É claro que há uma novidade circunstancial. Como a ENEC entra em
vigor em vésperas do início do ano escolar, era necessário dar um tempo para as
escolas definirem as suas ENEC, até porque isso pode implicar revisão dos
respetivos documentos orientadores: Projeto Educativo, Projeto Curricular,
Regulamento Interno, Regulamento de Parcerias, Plano Anual (e ou Plurianual) de
Atividades, etc.
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Resta saber o que foi alterado após a consulta pública. Em comunicado enviado aos órgãos de comunicação social
com as orientações enviadas hoje às escolas, o Ministério da Educação, Ciência
e Inovação (MECI), explica como a ENEC está agora estruturada. E, no
atinente à consulta pública, garante não foi “mera formalidade”. Os contributos
foram alvo de análise, de forma a orientar as clarificações, as alterações e as
melhorias necessárias. Entre elas, surgiu a explicitação dos domínios de “saúde sexual
e reprodutiva”, após várias críticas feitas à alegada desvalorização da
educação sexual nas novas orientações. E há outros temas, como
“biodiversidade”, “bem-estar animal” ou “violência no namoro”.
Na ENEC, as
principais alterações ocorreram nas definições das dimensões, para clarificar
as áreas e os temas abrangidos em cada uma. Assim, na dimensão Desenvolvimento
Sustentável, foi explicitada a “conservação da Natureza e da biodiversidade”, o
“bem-estar animal” e “a preservação dos oceanos”. Na dimensão Saúde, foi
explicitada a “saúde sexual e reprodutiva”, assim como foram detalhadas formas
de violência para explicitar a “violência no namoro”, o “assédio” e o “abuso
físico, psicológico e sexual”. Foram ainda inseridas alterações mais
transversais para realçar a natureza interdisciplinar da Cidadania e
Desenvolvimento”.
Já nas Aprendizagens Essenciais
da disciplina,
“foram efetuados ajustes transversais à redação e à composição das
Aprendizagens Essenciais das várias dimensões, para fins de clareza e consistência
interna do documento”, precisa o MECI, vincando: “A principal alteração
localiza-se na dimensão Literacia Financeira e Empreendedorismo, que, por lapso,
não tinha as suas Aprendizagens Essenciais diferenciadas entre o 2.º ciclo e o
3.º ciclo, tendo-se reorganizado os descritores de
conhecimentos, capacidades e atitudes. Efetuaram-se ainda clarificações onde se
verificou necessário, com destaque para a dimensão Saúde, na qual se explicitou
a sexualidade, nos descritores.”
No entanto, o
MECI frisa que “os conteúdos destas alterações não são acrescentos”, mas apenas “clarificações”.
Tanto na ENEC como nas Aprendizagens Essenciais, segundo o MECI, a consulta
pública permitiu identificar temas e áreas que, apesar de constarem nas versões
dos documentos, geraram dúvidas nas comunidades educativas sobre a sua
preponderância.
Finalmente, a tutela reconhece que “a formação dos professores
é um aspeto crítico” para o sucesso da ENEC”, pelo que, “ao
longo de 2025/2026, os serviços do MECI desenvolverão ofertas formativas”,
visando preparar os docentes para os conteúdos e temas.
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Esperamos o
sucesso da ENEC, a bem dos cidadãos e do país.
2025.08.29 – Louro de Carvalho
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