sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Foi publicada a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania

 

Transcorrido o período de consulta pública e tendo a Direção-Geral da Educação (DGE) incorporado no projeto inicial alguns dos muitos contributos de instituições e de cidadãos, foi publicada, em Diário da República, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 127/2025, de 29 de agosto, que aprova a nova Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), enquanto referencial da componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento.

Logo o preâmbulo sustenta que “a Educação para a Cidadania é parte essencial da formação e desenvolvimento das crianças e jovens”, com vista à sua educação integral. E, considerando a escola “essencial na promoção de uma cidadania ativa e democrática”, releva que “educar para a cidadania promove a coesão social, tendo por base o respeito pelos Direitos Humanos”.

Por outro lado, a ENEC concretiza o compromisso do governo de “implementar revisões curriculares no ensino básico e no ensino secundário, incluindo na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, assegurando-lhe uma abordagem pedagógica mais clara, estruturada e alinhada com os princípios fundamentais da educação para uma cidadania democrática”. Nestes termos, a ENEC “assenta numa abordagem integrada e coerente” distribuída por oito dimensões interdependentes, obrigatórias para todos, a saber: Direitos Humanos; Democracia e Instituições Políticas; Desenvolvimento Sustentável; Literacia Financeira e Empreendedorismo; Saúde; Risco e Segurança Rodoviária; Media; e Pluralismo e Diversidade Cultural.

Este quadro estratégico encontra-se em linha com documentos internacionais relevantes, como a Carta do Conselho da Europa sobre Educação para a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos, o Quadro de Referência de Competências para a Cultura Democrática, a recomendação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) sobre Educação para a Paz, Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 Organização das Nações Unidas (ONU) para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em particular o Objetivo 4 – Educação de Qualidade.

Além disso com a ENEC, a componente curricular da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento terá, pela primeira vez, Aprendizagens Essenciais, o que mostra a sua valorização no currículo e a equiparação às outras disciplinas, tal como postula que as referidas oito dimensões sejam lecionadas aos alunos do ensino básico e secundário, de forma mais coerente e consistente, nas escolas de todo o país, ao invés de práticas de desfasamentos e de inconsistências, assentes em referenciais e guiões, em vez de em documentos curriculares.

Por fim, o governo considera que “a presente ENEC consagra, juridicamente, a estratégia para educar para a cidadania, deste modo realçando a sua importância no currículo e na vida escolar, ao contrário da ENEC em vigor, até agora, à qual não foi atribuída forma de diploma legal, ficando apenas disponibilizada na Internet e referenciada no Decreto-Lei n.º 55/2028, de 6 de julho, que definiu a matriz curricular do ensino básico e secundário, onde a Cidadania e Desenvolvimento surge como componente do currículo.

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O anexo à Resolução, da qual faz parte integrante, contempla seis apartados. 
No primeiro, “Ser cidadão”, desenvolve o pressuposto teórico adiantado no preâmbulo, enfatizando os princípios da cidadania, o papel da escola e os desafios que a sociedade enfrenta.
Em “Educar para a Cidadania”, sublinha-se o papel desta componente educacional na resposta aos desafios das sociedades contemporâneas, retomam-se as referidas oito dimensões da ENEC; e acolhe-se a necessidade de os alunos adquirirem “conhecimentos, capacidades, atitudes e valores que os habilitem para a participação cívica”, bem como de assumirem “atitudes cívicas conscientes” e “relacionamentos interpessoais e sociais responsáveis”, que os capacitem “para a participação na vida escolar, social e comunitária e para a avaliação crítica das implicações individuais e coletivas das suas ações e escolhas”.
No “Quadro conceptual e dimensões da Educação para a Cidadania”, faz-se a ponte para as instâncias internacionais, de modo que sejam acolhidos os valores, os princípios e as normas de conduta que elas preconizam e consagram. Por outro lado, retomadas as oito dimensões da ENEC, faz-se o enquadramento dos objetivos e dos conteúdos básicos de cada uma e estipula-se que todas “são obrigatórias”, organizando-se em dois grupos, com implicações diferenciadas.
Assim, o 1.º grupo abrange, como “obrigatórias, em todos os anos de escolaridade”, as seguintes dimensões: Direitos Humanos; Democracia e Instituições Políticas; Desenvolvimento Sustentável; e Literacia Financeira e Empreendedorismo.
O 2.º grupo abrange, como “obrigatórias em, pelo menos, um ano de escolaridade em cada período, ao longo do 1.º ciclo do ensino básico, ao longo do conjunto dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ao longo do ensino secundário”: Saúde; Risco e Segurança Rodoviária; Pluralismo e Diversidade Cultural; e Media.
No 1.º grupo, as dimensões devem ser abordadas em cada ano de escolaridade de todos os níveis e ciclos de ensino. No 2.º grupo, para cada um dos três intervalos de anos de escolaridade definidos (1.º ciclo do ensino básico; 2.º e 3.º ciclos do ensino básico; ensino secundário), a escola deve escolher, pelo menos, um ano de escolaridade para cada uma das dimensões, em conformidade com a respetiva ENEC.
É também indicado que, “para promover uma maior articulação entre a componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento e as demais componentes do currículo, são definidas Aprendizagens Essenciais”, de modo “a assegurar uma clarificação e priorização dos objetivos e aprendizagens a alcançar pelos alunos”
Na “Educação para a Cidadania integrada em toda a escola”, fica estipulado que a ENEC de cada escola ou agrupamento “tem de se enquadrar na ENEC” e de se alinhar com o respetivo projeto educativo, pois o sucesso da ENEC “está intrinsecamente ligado à cultura de cada escola e às oportunidades dadas aos alunos e às famílias para se envolverem na tomada de decisão. Assim, a ENEC, sendo “uma responsabilidade de todos na escola”, “deve estar apoiada numa abordagem que envolva alunos, docentes, famílias e comunidade, na sala de aula, na cultura da escola e na relação com a comunidade”, beneficiando, entre outras, de “práticas sustentadas no tempo”; de “integração no currículo, nas atividades letivas e não-letivas”; de “práticas educativas promotoras da inclusão”; de “envolvimento de alunos em metodologias ativas”; e de “integração nas políticas e práticas de uma escola democrática, envolvendo toda a comunidade escolar”.
Para o desenvolvimento da sua ENEC, a escola pode estabelecer parcerias com entidades externas, desde que em estreita colaboração com as famílias, através das suas estruturas de representação. Porém, a avaliação interna das aprendizagens da Cidadania e Desenvolvimento é da responsabilidade dos professores e dos órgãos de administração e gestão, de coordenação e supervisão pedagógica do agrupamento ou escola.
Na “Operacionalização da Educação para a Cidadania”, é estabelecido que a sua operacionalização curricular se concretiza ao nível de agrupamento/escola e ao nível de cada turma, e estabelecem-se os papéis de cada instância escolar, nesta matéria
Por fim, no âmbito da “Monitorização da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania”, fica estabelecido que “a monitorização da ENEC é coordenada pelo Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação, ao qual compete apoiar e acompanhar o desenvolvimento das Estratégias de Educação para a Cidadania das Escolas, em articulação com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e com a Inspeção-Geral da Educação e Ciência”.

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Ao invés do que se propalava, as novidades não são muitas e não se se operou almejada desideologização na ENEC.
Em todo o caso, é de relevar que é no campo da Saúde que surge a referência à “promoção da saúde sexual e reprodutiva” e à “proteção contra todas as formas de violência”, incluindo o “abuso físico, psicológico e sexual”. Assim, a dimensão da Saúde visa a aquisição de “conhecimentos, capacidades, valores e atitudes que incentivem a assunção do bem-estar físico e mental”, por parte dos alunos, “integrando, na sua vivência, a importância da alimentação saudável, da atividade física, da promoção da saúde mental, da saúde sexual e reprodutiva, e da vivência de relações respeitadoras da intimidade, permitindo escolhas informadas, conscientes e seguras, contribuindo para a proteção contra todas as formas de violência (incluindo a violência no namoro, o assédio, a exploração, o abuso físico, psicológico e sexual e a ciberviolência) e para a prevenção de consumos, comportamentos aditivos e dependências”.

A ausência de qualquer conceito conexo com educação sexual, na proposta que esteve em consulta pública, gerou críticas de especialistas e da oposição. Porém, no final do Conselho de Ministros de 28 de agosto, o ministro da Educação anunciou que, nesta nova ENEC, fica “mais explícita a dimensão da educação sexual”.

Estes conteúdos são obrigatórios em, pelo menos, um ano de escolaridade, em cada período. A par da Saúde, terão de ser abordadas, com esta frequência, três outras áreas: Risco e Segurança Rodoviária; Pluralismo e Diversidade Cultural; e Media. Já as outras áreas – Direitos Humanos; Democracia e Instituições Políticas; Desenvolvimento Sustentável; e Literacia Financeira e Empreendedorismo – têm de ser abordadas em todos os anos de escolaridade.

A organização da ENEC em oito dimensões obrigatórias, em vez dos 17 domínios (obrigatórios uns e facultativos outros) definidos em 2017, não me parece relevante. Por um lado, algumas dimensões são estabelecidas em pares de conceitos (por exemplo, Literacia Financeira e Empreendedorismo), o que ultrapassa o número oito; por outro, uma certa autonomia curricular reconhecida à escola fica diminuída ou mesmo anulada.

“O trabalho a desenvolver nestas dimensões deverá ajustar-se, em cada nível de educação e ensino, à idade das crianças e jovens e ao contexto de cada comunidade educativa, para os diferentes níveis e ciclos de ensino, numa perspetiva de continuidade e articulação vertical, durante toda a escolaridade obrigatória” – o que não constitui novidade.

ENEC “deve ser operacionalizada através da componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento “e, de forma explícita, interdisciplinarmente, nas várias disciplinas”. Aliás, o interdisciplinaridade e a abordagem multidisciplinar são recorrentes na escola.

“A componente curricular da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento terá, pela primeira vez, Aprendizagens Essenciais”, com o objetivo de “contrariar” as práticas de “desfasamentos e inconsistências na implementação escolar da Cidadania e Desenvolvimento, desde 2017, assentes em referenciais e guiões, em vez de em documentos curriculares”. É uma novidade formal, porquanto o decreto-lei mencionado na Resolução, determinava como seria operacionalizada a ENEC. Deus nos livre de que os programas de todas as disciplinas tenham de constar em lei, decreto-lei, portaria, resolução ou despacho! Além disso, a definição de aprendizagens essenciais, para um ensino uniforme dificulta a adaptação a cada cultura local.      

Estabelecer que “a cada escola cabe, agora, elaborar e aprovar a sua própria Estratégia de Educação para a Cidadania, enquadrada pela ENEC” não traz qualquer novidade ao processo iniciado em 2017, tal como não é novidade a possibilidade do estabelecimento de parcerias, nem a definição das entidades que monitorizam a ENEC, nem a asserção que a avaliação interna compete aos diversos órgãos e estruturas pedagógicas e de coordenação da escola/agrupamento.   

É claro que há uma novidade circunstancial. Como a ENEC entra em vigor em vésperas do início do ano escolar, era necessário dar um tempo para as escolas definirem as suas ENEC, até porque isso pode implicar revisão dos respetivos documentos orientadores: Projeto Educativo, Projeto Curricular, Regulamento Interno, Regulamento de Parcerias, Plano Anual (e ou Plurianual) de Atividades, etc.  

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Resta saber o que foi alterado após a consulta pública. Em comunicado enviado aos órgãos de comunicação social com as orientações enviadas hoje às escolas, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), explica como a ENEC está agora estruturada. E, no atinente à consulta pública, garante não foi “mera formalidade”. Os contributos foram alvo de análise, de forma a orientar as clarificações, as alterações e as melhorias necessárias. Entre elas, surgiu a explicitação dos domínios de “saúde sexual e reprodutiva”, após várias críticas feitas à alegada desvalorização da educação sexual nas novas orientações. E há outros temas, como “biodiversidade”, “bem-estar animal” ou “violência no namoro”.

Na ENEC, as principais alterações ocorreram nas definições das dimensões, para clarificar as áreas e os temas abrangidos em cada uma. Assim, na dimensão Desenvolvimento Sustentável, foi explicitada a “conservação da Natureza e da biodiversidade”, o “bem-estar animal” e “a preservação dos oceanos”. Na dimensão Saúde, foi explicitada a “saúde sexual e reprodutiva”, assim como foram detalhadas formas de violência para explicitar a “violência no namoro”, o “assédio” e o “abuso físico, psicológico e sexual”. Foram ainda inseridas alterações mais transversais para realçar a natureza interdisciplinar da Cidadania e Desenvolvimento”.

Já nas Aprendizagens Essenciais da disciplina, “foram efetuados ajustes transversais à redação e à composição das Aprendizagens Essenciais das várias dimensões, para fins de clareza e consistência interna do documento”, precisa o MECI, vincando: “A principal alteração localiza-se na dimensão Literacia Financeira e Empreendedorismo, que, por lapso, não tinha as suas Aprendizagens Essenciais diferenciadas entre o 2.º ciclo e o 3.º ciclo, tendo-se reorganizado os descritores de conhecimentos, capacidades e atitudes. Efetuaram-se ainda clarificações onde se verificou necessário, com destaque para a dimensão Saúde, na qual se explicitou a sexualidade, nos descritores.

No entanto, o MECI frisa que “os conteúdos destas alterações não são acrescentos”, mas apenas “clarificações”. Tanto na ENEC como nas Aprendizagens Essenciais, segundo o MECI, a consulta pública permitiu identificar temas e áreas que, apesar de constarem nas versões dos documentos, geraram dúvidas nas comunidades educativas sobre a sua preponderância.

Finalmente, a tutela reconhece que “a formação dos professores é um aspeto crítico” para o sucesso da ENEC”, pelo que, “ao longo de 2025/2026, os serviços do MECI desenvolverão ofertas formativas”, visando preparar os docentes para os conteúdos e temas.

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Esperamos o sucesso da ENEC, a bem dos cidadãos e do país.

2025.08.29 – Louro de Carvalho


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