O Conselho de Ministros (CM), reunido, a 21 de agosto, na Câmara Municipal de Viseu, após a análise da situação dos grandes incêndios, tomou medidas de apoio e de mitigação do impacto de incêndios rurais, aprovou o plano de intervenção na floresta e definiu medidas complementares de caráter excecional e urgente.
Nestes termos, aprovou um decreto-lei que estabelece medidas de apoio e mitigação do impacto de incêndios rurais, abrangendo diversas áreas:
Na área pessoal, são contemplados: apoios financeiros diretos a pessoas singulares que perderam rendimentos ou bens essenciais; reforço dos cuidados de saúde, com isenção de taxas moderadoras nas urgências, para doentes não referenciados, e com dispensa gratuita de medicamentos pelas unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde (SNS); apoio psicossocial às populações atingidas; e medidas de emergência para garantir bens de primeira necessidade.
Na habitação, são referidos: apoio à reconstrução ou à reabilitação de habitações destruídas ou danificadas; realojamento temporário em situações de perda total da habitação; e comparticipação de obras urgentes, para repor condições mínimas de habitabilidade.
No quadro das atividades económicas, são elencados: apoios a empresas cujas instalações ou equipamentos tenham sido destruídos ou danificados; medidas de compensação, por perda de rendimento e por interrupção da atividade; e linhas de crédito e incentivos à retoma da produção.
Na agricultura, constam: apoios para a reposição de efetivos pecuários mortos nos incêndios; indemnizações por perda de culturas; comparticipação na recuperação de explorações e equipamentos agrícolas; e medidas de estabilização de solos agrícolas, para evitar erosão.
Quanto a ambiente, a conservação da Natureza e a florestas, são indicadas: intervenções urgentes de estabilização de emergência em áreas ardidas, para prevenir cheias, deslizamentos e erosão; ações de recuperação de habitats naturais e de biodiversidade; apoios para reflorestação com espécies adequadas e resistentes ao fogo; e reforços de planos de ordenamento florestal, para reduzir o risco no futuro.
No capítulo de infraestruturas e equipamentos, prevê-se: apoio à recuperação de infraestruturas municipais (estradas, pontes, redes de água, energia, comunicações); recuperação de equipamentos coletivos (escolas, centros de saúde, instalações desportivas e culturais); e regime excecional de contratação pública, para permitir obras rápidas, conciliando celeridade com transparência.
Ainda em termos do apoio e da mitigação, foi aprovada uma Resolução do Conselho de Ministros que delimita o âmbito territorial a considerar, para efeitos de apoio e mitigação do impacto de incêndios rurais, abrangendo todas as freguesias identificadas, determinando que as medidas previstas se aplicam aos prejuízos decorrentes dos incêndios ocorridos a partir de 26 de julho de 2025, para garantir a execução célere e eficaz dos apoios financeiros, sociais e técnicos previstos.
No respeitante à intervenção na floresta, foi aprovado um diploma a submeter à Assembleia da República (AR) que implementa o plano de intervenção para a floresta, designado “Floresta 2050, Futuro + Verde”, que implicará o investimento médio anual de 246 milhões de euros, até 2050, incluindo medidas destinadas a reforçar a prevenção, a valorizar economicamente a floresta, a clarificar a propriedade e a melhorar o modelo de governação do setor.
O plano inclui mais de três dezenas de medidas (mais uma vez, a habitual trintena) de que se destaca: a definição do plano de recuperação de infraestruturas danificadas ou destruídas nas áreas ardidas em 2024; a criação do programa Floresta Ativa, de apoio direto e simplificado à gestão florestal; o reforço das equipas do grupo de trabalho de investigação do crime de incêndios rurais; a criação de um programa para redução de carga combustível com recurso ao pastoreio extensivo e atividades conexas; a aquisição de equipamentos para reforço da capacidade de intervenção das autarquias, das comunidades intermunicipais (CIM) e das organizações de produtores florestais, na gestão de combustíveis e na beneficiação e manutenção da rede viária florestal; a criação de apoios às empresas para renovação de equipamentos dedicados a atividades de exploração e gestão florestal; a promoção de formação avançada e cursos especializados para reforço das competências técnicas dos profissionais do setor; e a renovação do equipamento moto-manual das equipas de sapadores florestais.
Por fim, o CM aprovou uma proposta de lei que estabelece medidas complementares de caráter excecional e urgente, designadamente: isenção temporária de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) nas transmissões a título gratuito de produtos para alimentação de gado, aves e outros animais destinados ao trabalho agrícola, ao abate ou à reprodução, nas zonas afetadas; dispensa de autorização legal para a concessão de auxílios financeiros e para a celebração de contratos ou protocolos entre autarquias locais e Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, I.P, (CCDR), garantindo maior celeridade na atribuição e gestão de apoios; e a qualificação como urgência imperiosa, para efeitos de contratação pública, dos atos e contratos celebrados ao abrigo do regime excecional previsto pelo decreto-lei que se fez aprovar, isentando-os de visto prévio do Tribunal de Contas.
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Na conferência de imprensa subsequente à reunião do
CM, o primeiro-ministro (PM) respondeu às críticas de que o governo e ele têm
sido alvos, nesta onda incendiária, assumindo que pode ter “contribuído para a
perceção” de que o executivo não estava próximo das operações; e anunciou, segundo
alguns analistas, 45 medidas de resposta e de apoio à população afetada,
incluindo um pacto nacional, a longo prazo, para o ordenamento da floresta
nacional.Quanto a eventual perceção de que o acompanhamento governamental das populações não terá tão próximo, o PM lamenta que tenha acontecido, pois tal interpretação é injusta, mas admite que tenha contribuído para ela. Depois, elencou datas de reuniões e de contactos com autoridades, para esclarecer que não esteve alheado dos incêndios, mesmo nas férias, e teceu elogios à ministra da Administração Interna, e ao secretário de Estado da Proteção Civil.
O chefe do governo garantiu que é “extremamente sensível” às frustrações e ao apelo de muitos concidadãos, assumindo que, “apesar de termos o maior dispositivo de sempre, nem tudo correu, nem corre bem”. Recordou as suas “raízes rurais”, para assegurar a empatia com quem vive o drama dos incêndios, sem dispor dos meios e do apoio que, muitas vezes, são esperados. Porém, apesar de reconhecer que pode ter contribuído para a forma como o seu comportamento foi criticado (férias no Algarve e festa do Pontal, em tempo de incêndios,), frisou que “só quem não conhece o país” acha possível “estar em todo o lado, ao mesmo tempo”.
Do total de medidas, que o CM aprovou, de apoio às famílias e às empresas afetadas pelos incêndios, Luís Montenegro destacou uma dezena. À cabeça, vem o apoio excecional a agricultores, para compensação de prejuízos, mesmo para despesas não documentadas, até ao valor de 10 mil euros. Para as famílias, haverá apoio a 100%, para a reconstrução de habitações, até ao valor de 250 mil euros, e de 85%, para o valor remanescente.
As empresas com prejuízos, devido aos incêndios, são as que beneficiam do maior número de apoios: apoios de tesouraria, para a reposição da capacidade produtiva; isenção de contribuições para Segurança Social de empresas e de trabalhadores independentes, cuja atividade tenha sido afetada pelos incêndios; alargamento de prazos para cumprimentos de obrigações contributivas; e apoio financeiro extraordinário a empresas que mantenham os postos de trabalho.
Aos agregados familiares, o líder do executivo prometeu reforçar os cuidados de saúde, incluindo a dispensa de taxas moderadoras e medicamentos, apoios pecuniários às famílias que comprovarem carência económica e apoios para bens imediatos, nomeadamente, alimentação animal. E seguirá para a AR uma medida para a isenção do IVA da alimentação animal.
No pacote destas medidas, estão previstas a remoção do limite às despesas com horas extraordinárias de sapadores florestais e a abertura de concurso destinado às autarquias locais, para a “rápida reparação de infraestruturas e equipamentos afetados pelos incêndios”, bem como medidas excecionais de contratação pública, para garantir a rapidez das reconstruções das estruturas afetadas. E está no ar a reorganização da Proteção Civil, dispersa por várias entidades e por várias unidades territoriais, tornando difícil a coordenação.
As restantes medidas aprovadas pelo CM deverão ser pormenorizadas nos próximos dias.
O executivo pretende um pacto para gestão florestal e aprovou o plano de intervenção para o período de 2025-2050, que tinha apresentado em março, e que será enviado à AR e à Comissão Europeia – isto, após ter conversado com Ursula von der Leyen, para integrar algumas medidas estruturais nos mecanismos de financiamento da Comissão Europeia.
O governo espera consenso parlamentar sobre esta matéria e o PM pretende “um esforço, a 25 anos, na promoção de políticas para um bom ordenamento do território”, desde a valorização económica da floresta e da agricultura à luta contra o despovoamento, ambicionando promover “um ordenamento que possa diminuir, de forma muito significativa, a ocorrência dos incêndios e a dimensão daqueles que não conseguimos evitar”. Porém, o PM descartou a possibilidade da declaração do estado de calamidade, dada a presumível eficácia das medidas acabadas de tomar pelo governo. Só esquece que muitas delas funcionam só a longo prazo.
O chefe do governo não adiantou um valor para os prejuízos até agora gerados nos incêndios, pois os municípios ainda não fizeram “um levantamento completo”, mas apontou que, numa primeira análise, os prejuízos que observamos estarão muito acima dos de 2024, em cerca de “cinco vezes mais”. Ora, Portugal continental tem sido afetado por múltiplos incêndios rurais de grande dimensão, desde julho, sobretudo, nas regiões Norte e Centro. Quatro pessoas morreram e registaram-se vários feridos. E, segundo dados oficiais provisórios, até 21 de agosto arderam 234 mil hectares no país, mais de 53 mil dos quais só no incêndio de Arganil.
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José Luís Carneiro, líder do Partido Socialista (PS), acusou o
governo de “perder tempo em matéria de gestão florestal” e enviou quatro
perguntas sobre concretizações de medidas criadas pelo de António Costa. Logo
na primeira, aponta que, no último CM do governo do PS, ficou “aprovado um diploma
de reforma da propriedade rústica, em Portugal, com medidas importantes, como a
limitação do período temporal de heranças indivisas ou a proibição da
compropriedade abaixo da unidade mínima de cultura”. E questionou: “O que fez o governo
atual para pôr em prática esta legislação?”O PS questiona “quantas áreas integradas de gestão da paisagem é que o governo da AD [Aliança Democrática] criou, até agora”, vincando que o governo socialista “criou a figura das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), mosaicos florestais que compartimentam a floresta com agricultura, de forma a conter a propagação de fogos”, “criou 14 áreas deste tipo e garantiu 200 milhões de financiamento pelo PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”.
O partido de José Luís Carneiro pergunta, ainda, quantas Faixas de Interrupção de Combustível (FIC) foram criadas por este executivo, apontando que o governo do PS criou as FIC, “conseguindo um financiamento de 70 milhões de euros via PRR”.
Estas questões foram divulgadas por José Luís Carneiro pouco depois de serem conhecidas as conclusões da reunião do CM sobre os incêndios.
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Os partidos da oposição não ficaram convencidos com as
explicações do PM e desdobraram-se em críticas. “Esperemos que esta teimosia persistente
do governo – aliada à descoordenação e à má prevenção – não venha a ser
prejudicial para as populações”, vincou Eurico Brilhante
Dias, líder parlamentar do PS, esperando que a lei-quadro anunciada tenha eficácia.
Condenou a insistência do Executivo em não declarar estado de
calamidade e questionou-o por ter deixado no papel as reformas que o PS
deixou aprovadas, ao sair do governo. Questionado pelos jornalistas,
considerou “inusitado” fazer proposta de um “pacto para a gestão florestal”, quando
o país está a arder, pois “este é o tempo do combate”. E pediu a constituição
de uma comissão independente para avaliar a situação dos incêndios, como Luís
Montenegro fizera em 2017.O partido Chega sublinhou a necessidade de rapidez na resposta às populações afetadas pelos incêndios e insistiu na demissão da ministra da Administração Interna.
Paula Santos, líder parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) acusa o governo de estar mais preocupado com a imagem do que com os problemas e critica as medidas que ficam no papel, frisando que “são precisas medidas”, não bastando anunciá-las. Para o PCP, falta o essencial, para valorizar o meio rural e para investir na proteção social. E o Bloco de Esquerda (BE) considera que PM erra, governar com “base nas perceções”. Mariana Mortágua porfiou que, em política, o que conta “são os factos”. E o facto é que a “reação veio atrasada”.
Os partidos defendem que é preciso revisitar o debate da valorização da carreira dos bombeiros, nomeadamente, reconhecendo que esta é uma profissão de desgaste rápido. O deputado Paulo Muacho, do Livre pediu rapidez na resposta às vítimas dos incêndios e sublinhou que, depois de setembro de 2024 ter sido um mês de grandes incêndios, o governo deve deixar de ter “uma postura reativa”. E, em declarações à RTP, Inês Sousa Real classificou as medidas anunciadas como “cortina de fumo” para mascarar a “inércia”; defendeu a necessidade de um “mecanismo mais ágil e menos burocrático” que apoie, rapidamente, as populações, sobretudo, as mais isoladas e idosas, e de apoio psicossocial às pessoas afetadas; e aduziu que é erro olhar a floresta só na ótica económica, devendo a gestão florestal apostar na “renaturalização da floresta”.
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O
governo não dá cabal explicação para a medida de abolição de taxas moderadoras,
que só estão em vigor, em caso de urgência não referenciada previamente, a qual
deixou de existir. Depois teima em não considerar a declaração de calamidade e
diz existir o maior dispositivo de sempre no combate ao fogo, o que não é certo,
pois falta pessoal, é diferente a forma de contar e atrapalha a descoordenação.
E o PS chora por leite derramado no último CM do seu mandato, sabendo que o fogo-de-artifício
de medidas legislativas de última hora esvair-se-ia no esquecimento.Os sucessivos governos têm-se equivalido em propaganda e em eficácia. E o país está de negro.
2025.08.22 – Louro de Carvalho
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