Da cimeira do Alasca de quase três horas, na tarde de 15 de agosto, entre o presidente dos Estados Unidos da América (EUA) e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, não resultou qualquer efeito prático, a não ser a disponibilidade para continuarem as conversações e o reforço da posição do inquilino do Kremlin.
O presidente dos EUA esteve acompanhado por Marco Rubio, secretário de Estado, e pelo enviado especial, Steve Witkoff; e o seu homólogo russo esteve acompanhado por Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros, e pelo conselheiro Yuri Ushakov.
Donald Trump ficou aquém da sua ação mais significativa para pôr fim ao derramamento de sangue, na Ucrânia, mesmo tendo estendido o tapete vermelho ao homem que o iniciou.
Depois de Vladimir Putin ter dito, na conferência de imprensa conjunta subsequente à reunião, que tinham chegado a um “entendimento” sobre a Ucrânia e de ter avisado a Europa para não “torpedear o progresso nascente”, Donald Trump disse que não houve acordo e que iria telefonar ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, e aos líderes europeus para os informar sobre as conversações.
Donald Trump, que se recusou, de início, apoiar a Ucrânia e expressou admiração por Vladimir Putin, prometeu pôr fim à guerra no primeiro dia de regresso à Casa Branca. Sete meses mais tarde, após ter espezinhado Zelenskyy, na Sala Oval, e de ter bloqueado o fluxo de alguma assistência militar dos EUA a Kiev, não levou o Kremlin a uma pausa nos combates, ao invés, as forças russas continuam a obter progressos no campo de batalha.
O presidente dos EUA ameaçou punir a Rússia com sanções económicas e deu calorosa receção a Vladimir Putin, na Base Conjunta Elmendorf-Richardson, em Anchorage, mas não há qualquer progresso, no atinente ao fim da guerra na Ucrânia, já no seu quarto ano. Ao invés, o presidente russo logrou o reconhecimento há muito procurado na cena internacional, após anos de esforços ocidentais para o tornar um pária, devido à guerra e à repressão da dissidência.
Estar em solo americano, pela primeira vez, em mais de uma década, foi, para Vladimir Putin, uma validação, após a sua ostracização, na sequência da invasão da Ucrânia. O encontro do Alasca pode fazer estagnar as sanções económicas que o presidente dos EUA prometera, se Moscovo não se esforçasse mais para pôr fim aos combates. E levará a mais reuniões, dando às suas forças mais tempo para fazer progressos no campo de batalha.
O líder da Rússia elogiou o anfitrião como alguém que “tem uma ideia clara do que quer alcançar e que se preocupa, sinceramente, com a prosperidade do seu país, ao mesmo tempo que mostra compreender que a Rússia tem os seus próprios interesses nacionais”. Depois, disse esperar que “os acordos de hoje” (?) sejam um ponto de referência para a resolução do problema ucraniano e para marquem o início do restabelecimento de relações comerciais e pragmáticas entre a Rússia e os EUA”.
Apesar de não ter logrado nenhum avanço, Donald Trump agradeceu a Vladimir Putin e disse: “Falaremos consigo muito em breve e, provavelmente, voltaremos a vê-lo muito em breve.”
Num sinal de que as conversações não produziram o resultado desejado, os dois líderes terminaram a conferência de imprensa, sem responderem a perguntas dos jornalistas.
Embora Vladimir Putin não tenha dado qualquer passo em frente, o Mundo ouviu-o falar Inglês e a, surpreendentemente, convidar Trump para ir a Moscovo, o que poderá ser o ponto alto do que, aparentemente, é apenas uma primeira ronda de conversações entre os dois.
Entretanto, o presidente russo repetiu a narrativa do Kremlin sobre a “eliminação de todas as causas primárias”, as “ameaças fundamentais à segurança da Rússia” e apelou a Donald Trump a que “passe do confronto”. Ora, apesar de não ser claro o que Putin quer dizer com o termo “eliminação”, parece colocar em causa a perspetiva de acabar com a guerra.
O presidente russo avisou os dirigentes de Kiev e os das capitais da União Europeia (UE) para não “darem um passo em falso”, apontando-os como o obstáculo ao fim da guerra com “acordos de bastidores”. Ao mesmo tempo, culpou as anteriores administrações norte-americanas, sustentando que “foi um grande erro ultrapassar o ponto de não retorno”. Classificou a guerra como “questão” e, depois, como “conflito” e como “ferida” porque os Ucranianos são irmãos. E considerou que “a segurança da Ucrânia tem de ser garantida”, o que pode significar que a parte norte-americana levantou a questão das garantias de segurança, durante a cimeira.
Em contraponto, o inquilino da Casa Branca manteve-se vago, não dando qualquer substância, ao mesmo tempo que insinuou grande surpresa. “Muitos pontos foram acordados, alguns ficaram para a próxima vez, mas um é o mais significativo. Não chegámos lá, mas temos uma boa hipótese de lá chegar”, declarou, para anunciar, depois, que iria chamar os líderes ucranianos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), para discutir a cimeira com Vladimir Putin.
Donald Trump mencionou o nome do presidente Volodymyr Zelenskyy, na sua declaração ao lado da NATO, o que pode sinalizar o seu apoio e indicar que considera o presidente ucraniano e os líderes da aliança cruciais para qualquer progresso, sugerindo que a cooperação já existe e que não está a agir sozinho. E o ter mencionado “grandes representantes empresariais russos”, pode aludir a acordos económicos discutidos e concretizados no dia 15.
O presidente dos EUA mostrou-se esperançado nos progressos das conversações, vincando o que disse ser “uma relação tremenda com Vladimir”. Todavia, para a Ucrânia e para a Europa, a reunião entre os EUA e a Rússia pareceu um encontro de amigos e parceiros há muito perdidos.
Nos últimos dias, os EUA tentaram transmitir a mensagem de que esta primeira reunião poderia não produzir grandes avanços. Numa entrevista ao canal Fox News, antes de deixar o Alasca, Donald Trump insistiu que o ónus do futuro poderia recair, de alguma forma, sobre Zelenskyy, “para o conseguir”, mas que haveria algum envolvimento das nações europeias. Isto foi notável, pois o presidente ucraniano foi excluído da cimeira do Alasca.
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O enviado
especial dos EUA, Steve Witkoff, revelou,
no dia 15, que o presidente russo fez concessões, em relação às cinco regiões
do Leste da Ucrânia, mas admitiu que as partes têm de discutir sobre Donetsk e
Luhansk.Steve Witkoff disse que Valdimir Putin concordou, na cimeira com Donald Trump, que sejam dadas à Ucrânia garantias de segurança semelhantes ao mandato de defesa coletiva da NATO. “Conseguimos obter a seguinte concessão: que os Estados Unidos poderiam oferecer proteção semelhante à do artigo 5.º, que é uma das verdadeiras razões pelas quais a Ucrânia quer entrar na NATO”, disse Steve Witkoff, no programa “State of the Union” da CNN, acrescentando: “Foi a primeira vez que ouvimos os Russos concordarem com isso.”
Steve Witkoff revelou que as duas partes concordaram com “garantias de segurança robustas”, descrevendo-as como “revolucionárias”, e que a Rússia dissera que assumiria um compromisso legislativo de não anexar qualquer território adicional na Ucrânia. “Os Russos fizeram algumas concessões, relativamente às cinco regiões [do Leste da Ucrânia]. Há uma discussão importante sobre Donetsk e o que acontecerá lá”, declarou, na entrevista, que se realizou dois dias após a cimeira de que não saíram avanços, em relação a um cessar-fogo na Ucrânia, e na véspera da receção na Casa Branca do presidente ucraniano e de líderes europeus.
O enviado de Donald Trump para a Ucrânia mostrou-se otimista, em relação ao encontro, manifestando a expectativa de que se possa chegar a um consenso, e defendeu a decisão de Trump de abandonar a pressão para que a Rússia concordasse com um cessar-fogo imediato, dizendo que o presidente tinha mudado para um acordo de paz, porque se tinha feito um grande progresso.
Também no dia 16, Donald Trump reclamou “grandes progressos” com a Rússia, numa mensagem sucinta publicada na sua rede social, Truth Social.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, elogiou a proposta de Donald Trump de oferecer garantias de segurança à Ucrânia inspiradas na NATO e disse esperar uma cimeira tripartida “o mais rapidamente possível”.
Vários líderes europeus, incluindo o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, reuniram, no dia 16, por videoconferência com o presidente ucraniano, para prepararem o encontro com o presidente dos EUA. É de assinalar que o encontro do dia 17, que decorrerá na Casa Branca, foi convocado após a cimeira entre o líder norte-americano e o homólogo russo, no Alasca, que terminou sem acordo de cessar-fogo na Ucrânia, como pretendia Donald Trump.
Depois da cimeira do dia 15, o presidente dos EUA passou a defender um acordo de paz, como solução para a guerra na Ucrânia, iniciado pela invasão russa em fevereiro de 2022.
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Vladimir
Putin terá pedido que a Ucrânia abra mãos de dois dos territórios que a Rússia
atualmente ocupa, Donetsk e Lugansk, em troca do fim da guerra.Esta proposta foi apresentada na reunião do dia 15, entre o presidente russo e o homólogo norte-americano, Donald Trump, de acordo com o Financial Times, que cita quatro pessoas envolvidas diretamente nas negociações. Esta oferta é o primeiro avanço conhecido da cimeira, que terminou sem acordo de cessar-fogo, nem propostas oficiais. A Rússia estaria, assim, disposta a abdicar das outras regiões que ocupa na Ucrânia. Entretanto, os EUA propuseram, para a Ucrânia, garantias de segurança semelhantes às dos países da NATO, mas sem incluir a adesão formal à Aliança, revelou fonte diplomática à AFP. “Como uma das garantias de segurança para a Ucrânia, a parte americana propôs uma garantia de tipo artigo 5.º, fora da NATO, com o acordo prévio de (Vladimir) Putin”, indicou a fonte sob anonimato, acrescentado que a proposta foi feita a Kiev, no dia 16, durante a chamada telefónica entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, e “reiterada”, posteriormente, no telefonema com líderes europeus.
Assim, ao invés do que referiu o enviado especial de Donald Trump (a menos que se trate de repetição), a proposta surge após a cimeira o dia 15, no Alasca, entre Donald Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, que terminou sem anúncios concretos sobre a resolução da guerra, mas abriu a porta a novos contactos diplomáticos. E é neste enquadramento que está marcada, para dia 17, uma reunião, em Washington, entre Donald Trump, o presidente ucraniano e líderes europeus, para discutirem estas garantias e outras medidas de segurança, para a qual foram ainda convidados líderes europeus.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, destacou, no dia 16, “os esforços” de Donald Trump para o fim da guerra na Ucrânia. E o presidente francês, Emmanuel Macron, alertou para os riscos de incumprimento por parte do Kremlin, vincando a propensão da Rússia a não cumprir os seus compromissos, e apelou a que a pressão sobre Moscovo seja mantida, enquanto não houver uma paz duradoura. São posições que refletem a preocupação europeia com a segurança da Ucrânia, num momento em que Kiev procura reforçar garantias junto dos aliados ocidentais, face aos avanços russos no terreno.
Já o presidente russo disse, no dia 16, que discutiu modos de terminar a guerra na Ucrânia, “de forma justa”, com o homólogo norte-americano, defendendo a “eliminação das causas iniciais”. “Tivemos a oportunidade, e aproveitámo-la, de discutir as origens e as causas desta crise. É, precisamente, a eliminação das causas iniciais que deve ser a base da solução”, afirmou, numa reunião no Kremlin, em que participaram responsáveis da administração presidencial, do governo e da Duma (câmara baixa do parlamento) e representantes ministeriais, onde realçou que a cimeira foi “oportuna” e “muito útil”.
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A conferência
de imprensa de Donald Trump e de Vladimir Putin foi muito curta e não houve
lugar a perguntas dos muitos jornalistas de vários pontos do Mundo que enchiam
a sala. Porém, no final, como já foi dito, o anfitrião dirigiu-se a Vladimir
Putin e agradeceu-lhe pela presença no Alasca e disparou: “Falaremos muito em
breve e, provavelmente, vamos encontrar-nos, novamente, em breve.” E, de
imediato, Putin respondeu: “Na próxima vez será em Moscovo.”A isso Donald Trump reagiu, dizendo que é algo “interessante”, apesar de ficar sujeito a “algumas críticas”, mas frisou que “pode acontecer”. E, além do agradecimento ao presidente russo, descreveu a reunião como “muito produtiva”. “Há muitos, muitos pontos em que concordamos”, declarou, mas vincando: “Eu pretendia algumas grandes conquistas, mas ainda não chegamos lá, mas já fizemos alguns progressos. Não há acordo, até que haja um acordo.”
O presidente russo, o primeiro a usar da palavra, na conferência de imprensa, considerou que as negociações foram “realizadas num ambiente construtivo e de respeito mútuo”. “Tivemos negociações muito completas e bastante úteis”, disse, agradecendo, depois, a Donald Trump por ter recebido a cimeira no Alasca, que disse ser um local “lógico” para esta reunião, tendo em conta a História dos dois países. “Lembramo-nos de outros exemplos históricos de quando os nossos países derrotaram juntos inimigos comuns, num espírito de camaradagem de batalha e de aliança que se apoiava mutuamente. Tenho certeza de que esta herança nos ajudará a reconstruir e promover laços benéficos e igualitários nesta nova fase, mesmo nas condições mais difíceis”, desenvolveu o presidente russo, para lembrar que as relações entre EUA e Rússia “caíram para o ponto mais baixo, desde a Guerra Fria2, pelo que um encontro entre os dois presidentes “já deveria ter acontecido há muito tempo”.
Sobre o discutido na cimeira, Vladimir Putin disse que a Ucrânia foi o assunto central e reiterou que, na sua visão, conflito envolve “ameaças fundamentais à segurança” da Rússia. Nesse sentido, garante que a Rússia está “verdadeiramente interessada” no fim do conflito, mas que, para a paz ser duradoura, é preciso eliminar “as causas primárias deste conflito”. Concorda com o presidente dos EUA em que a segurança da Ucrânia “deve ser garantida” e diz-se preparado “para trabalhar nisso. Enfim, declarou gostar que o acordo (?) alcançado “ajude a aproximar-nos do objetivo e abra caminho para a paz na Ucrânia”. E criticou os líderes europeus, esperando que “não boicotem o progresso” obtido, que é um “potencial” para a expansão do relacionamento entre EUA e Rússia e para a cooperação no Ártico. Esta é a grande questão, em meu entender.
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Correu “muito
bem”, mas a guerra continua a destruir e a matar, enquanto os diplomatas
fazendo progressos que nem chegam ao papel. E as causas primárias da guerra não
têm de ser eliminadas, pois só residem na cabeça dos líderes. Tanta hipocrisia
em segurança e em cooperação!
2025.08.17 – Louro de Carvalho
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