quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Fissura em placa tectónica pode explicar grandes sismos de Lisboa

 

De acordo com uma publicação da SIC Notícias, a 27 de agosto, citando a Lusa, uma fissura pode explicar a origem dos grandes sismos de 1755 e 1969, na capital do país. Na verdade, a 200 quilómetros ao largo do Cabo de São Vicente (Sagres), uma fissura na placa tectónica a formar-se, pelo processo de delaminação, há, pelo menos, cinco milhões de anos, foi agora descoberta e pode explicar os grandes sismos de Lisboa.
A Planície Abissal da Ferradura, uma formação geológica no oceano Atlântico não muito distante da montanha submarina do Banco de Gorringe, na fronteira entre as placas tectónicas euroasiática e africana, é a origem geográfica do sismo de intensidade próxima de 8 na escala de Richter que, em 1969, abalou Lisboa e outras regiões do país.
O facto de ser uma formação geológica plana, sem grandes falhas sísmicas conhecidas, alimentava “um enigma” na comunidade científica de como era possível uma região com estas caraterísticas provocar sismos de grande magnitude, mas um estudo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, publicado na revista Nature Geosciences, no dia 27, traz uma nova explicação.
Nunca tinha sido ali encontrada “nenhuma falha óbvia” que explicasse um sismo com a magnitude do de 1969, disse João Duarte, um dos investigadores coautores do estudo, geólogo, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto Dom Luiz.
Por outro lado, nunca se encontrou “falha com dimensões suficientes para gerar um sismo como o de 1755”, que se acredita ter tido uma intensidade próxima de 9 na escala de Richter. Porém, de acordo com o geólogo, o que agora é revelado e que pode ser a explicação da origem de ambos os sismos é que “há uma porção da placa tectónica que está a separar-se”, num processo chamado “delaminação”. E como explicou o investigador à Lusa, tal delaminação implica que a placa esteja a sofrer uma fratura horizontal, como se a rocha fosse separada por uma lâmina, abrindo uma fissura que induz a parte inferior a afundar-se, tendo já atingido a profundidade de 200 quilómetros em direção ao manto da Terra, quando o normal é situarem-se nos 100 quilómetros. A parte superior da placa mantém-se em posição horizontal inalterada, tornando impossível perceber, pela observação do fundo do mar, qualquer alteração geológica naquele local.
Este processo de separação horizontal da placa, que está a acontecer, de forma lenta, há já cinco a 10 milhões de anos, foi identificado com recurso a uma espécie de “ecografia da Terra”, explicou o professor, sobre a utilização de tomografias sísmicas e do som captado, o som dos próprios sismos, para perceber o que se passa abaixo do fundo do mar. “Fizemos um estudo que colocou sismómetros no fundo do mar, durante oito meses, a registar pequenos sismos. Percebemos que, naquela zona, havia um ‘cluster’, um conjunto de pequenos sismos a grande profundidade, a cerca de 30 a 40 quilómetros de profundidade. […] E, portanto, há aqui uma combinação de várias observações que apontam para que está ali a acontecer um processo que está a gerar sismicidade”, pormenorizou o investigador.
Ao trabalho de observação e de análise de dados juntou-se a criação de modelos computacionais que permitiram simular o processo de “delaminação”.
É o atrito criado e a energia libertada no movimento das placas tectónicas que explicam os sismos. O facto de esta estrutura geológica, não sendo uma falha sísmica, ter capacidade de gerar sismos explica-se pelo facto de o espaço criado pelo corte laminado na placa não ficar vazio.Sabemos que a placa africana está também a mover-se muito lentamente, a convergir com a placa euroasiática. É como se imaginássemos que temos dois livros e um começa a entrar por dentro do outro. As placas estão a convergir e, na realidade, essa zona onde a placa começa a separar, comporta-se um bocadinho como uma folha, porque começa a meter-se por dentro da outra placa. Há sempre um contacto, mas é um contacto mais horizontal. Ou seja, não fica um buraco, não fica um espaço. Esse espaço, depois, é ocupado por outra rocha”, explicou João Duarte.
Deste estudo, o geólogo espera que resultem investigações futuras mais detalhadas sobre aquela zona. Com o que já se sabe, diz ser inevitável que o processo de “delaminação” venha a ser tido em conta, “na caraterização da perigosidade e do risco sísmico” no país, considerado numa área de risco elevado, pela confluência das duas placas tectónicas nesta região.
Na instalação de nova geração de cabos submarinos, cabos de comunicações que ligam os dois lados do Atlântico, passando pelos arquipélagos dos Açores e da Madeira e pela zona da Planície Abissal da Ferradura, o investigador vê uma oportunidade. “Vão ter sensores sísmicos, portanto, os cabos vão passar naquela zona, vai ser possível monitorizar melhor e caraterizar aquela sismicidade. E, provavelmente, podemos ter também mais dados, mais registos”, disse.
A previsibilidade dos sismos continua a ser quimera, mas João Duarte acredita que a inteligência artificial (IA) pode vir a permitir um passo em frente, mesmo que o modelo de aprendizagem com base em eventos e dados anteriores seja, no caso, uma dificuldade, por os grandes sismos serem fenómenos raros. E a chave pode estar no estudo mais sistemático dos sismos mais pequenos, que acontecem todos os dias, inclusivamente, em Portugal, “com alguma esperança” de conhecer o processo de sismicidade e de “fazer algumas inferências e usar a estatística para compreender os sismos de maior magnitude”.
A 28 de agosto, a Euronews publicou um artigo de Inês dos Santos Cardoso, intitulado “Fissura com cinco milhões de anos, agora descoberta, em placa tectónica, pode explicar sismos em Lisboa”, em que afirma que “uma fissura na placa tectónica a 200 quilómetros, ao largo do Cabo de São Vicente (Sagres), pode estar na origem dos grandes sismos de Lisboa, como o de 1755”. E enfatiza que, “durante décadas, os geólogos procuraram uma justificação para o grande terramoto de 1755, em Lisboa, de magnitude estimada entre os 8,5 e 8,7 na escala de Richter, embora nunca tenham tido sucesso”, mas a nova descoberta pode trazer a chave da justificação “para os sismos na capital portuguesa”.

Quanto ao mais, refere a publicação na revista Nature Geosciences e as declarações do geólogo João Duarte. Nestes termos, sublinha que o facto de a parte superior da placa se manter em posição inalterada horizontal dificulta a observação do fundo do mar. Por isso, é relevante a descoberta desta alteração geológica. O fenómeno só foi descoberto, devido a uma “ecografia da Terra”, bem como ao recurso a modelos computacionais para simular o processo da delaminação.

A articulista referiu o processo de formação dos sismos, frisando que “resultam do atrito criado e da energia libertada no movimento das placas tectónicas” e que, “apesar de a estrutura geológica descrita no estudo não ser uma falha sísmica e, mesmo assim, ter a capacidade de gerar sismos, deve-se ao facto de o corte em camadas feito na placa não deixar um espaço vazio”. Assim, este vazio é preenchido, permitindo “a acumulação e libertação de energia”.

Por fim, recorda que o último sismo sentido em Lisboa e arredores aconteceu a 17 de fevereiro de 2025, que o seu epicentro se localizou a cerca de 14 quilómetros a Sudoeste do Seixal e que este sismo teve uma magnitude de 4,7 na escala de Richter.

***

O portal “Quake” do Museu do Terramoto de Lisboa, em texto intitulado “Uma das maiores catástrofes naturais da era moderna”, relata que, a 1 de novembro de 1755, pelas 9h40, intenso terramoto atingiu Lisboa, destruindo a maioria dos edifícios, das ruas e das praças. Seguiu-se-lhe um tsunami, entre 60 a 90 minutos, após os abalos, com ondas de cerca de cinco metros de altura vindas do Tejo, que inundaram a zona ribeirinha. Simultaneamente, deflagraram inúmeros incêndios, originados pelos fogões, nas casas, pelos candelabros, nas igrejas, e por criminosos que aproveitaram o ensejo para saquear palácios e igrejas. O rei D. José I e a família sobreviveram por se encontrarem no Palácio Real de Belém, porque as princesas quiseram passar o dia santo na residência costeira. Belém, à época, um dos arredores da cidade, era povoado por apenas palácios e por quintas, não tendo, por isso, sofrido tanto os efeitos do terramoto.
Objeto de estudo da parte de muitas figuras ligadas à Filosofia Natural, logo após a ocorrência, Immanuel Kant trouxe à discussão uma abordagem mais científica, tentando explicar o Terramoto por implosões ocorridas no subsolo, sobretudo, em locais perto de rios ou do mar, que se enchiam de água. Nos mais de 265 anos decorridos sobre aquele dia, muitos se dedicaram ao estudo do Grande Terramoto, esclarecendo as hipóteses sobre a sua origem mais provável e aperfeiçoando as descrições do fenómeno e do impacto em Lisboa e no resto do Mundo.
Como, em 1755, não havia sismómetros, os registos históricos que existem resultam do Inquérito do Marquês de Pombal, que documenta o que foi sentido e observado pelos sobreviventes. Há registos bastante completos – com questões sobre a direção das movimentações e sobre a duração dos abalos –, que permitem estimar as intensidades sentidas e as zonas mais afetadas. Através deles, sabe-se que, em Lisboa, o sismo terá durado sete a nove minutos, com três vagas de abalos (o segundo foi o mais violento) e com intervalos curtos.
Segundo tais documentos e graças a profunda pesquisa no campo da sismologia, permitida pela evolução dos métodos e instrumentos de registo, estima-se que o sismo teve magnitude entre 8,5 e 9. E sabe-se que a camada mais exterior do planeta, a litosfera, é formada por várias placas tectónicas que deslizam sobre o manto da astenosfera, em movimento contínuo. Os sismos são movimentos súbitos entre placas, à medida que elas colidem, separando-se ou movendo-se, lateralmente, uma em relação à outra.
A causa do Grande Terramoto foi a colisão entre as placas da Eurásia e de África, as quais colidem a Sul de Portugal, ao longo da fronteira que vai dos Açores ao Mediterrâneo. Ao largo do Algarve, as placas aproximam-se a velocidade lenta, de quatro a cinco milímetros, por ano, na direção Noroeste-Sudeste. Ao longo do tempo, tal movimento relativo acumula tensões e energia na litosfera, que acaba por se libertar, bruscamente, num sismo, como o de 1755.
Porém, ainda é um segredo bem guardado da História que falha ou combinação de falhas geraram o terramoto de 1755, pois não havia sismómetros e as observações existentes são compatíveis com vários cenários de rutura de falhas. Os cientistas continuam a explorar os vários cenários, na esperança de revelarem a origem do Terramoto de 1755. Hoje, só se pode dizer que a falha ou falhas que romperam em 1755, originando o sismo e o tsunami, estão localizadas ao largo do Algarve, tendo mais de 100 quilómetros de comprimento no total. O sismo semeou destruição e morte em Portugal, na Espanha e em Marrocos, tendo os efeitos da vibração sido observados um pouco por toda a Europa. Contudo, Lisboa, capital de vasto império que se espalhava pelo globo, foi o palco principal deste desastre natural, “uma das maiores catástrofes da era moderna”.

*** 

O mesmo "Quake" releva que as placas tectónicas são blocos enormes de rocha sólida (pedaços de litosfera), com dimensão a variar entre centenas e milhares de quilómetros de extensão e a espessura, entre menos de 50 quilómetros e mais de 250. Movem-se de forma lenta, mas inevitável, e sofrem deformações, dobrando-se sob compressão e estirando-se sob extensão.
Os sismos tectónicos ocorrem quando as forças entre placas são tão intensas que rompem falhas na litosfera, sob os nossos pés.  Utiliza-se o Sistema de Posicionamento Global (GPS) e satélites similares para rastrear o modo como pontos específicos da superfície terrestre se movem. As placas têm limites ou fronteiras que partilham com as vizinhas. Tais limites podem ser: convergentes, se as placas se movem uma contra a outra; divergentes, se se afastam uma da outra; transformantes, se se movem lateralmente; e difusas, se o movimento entre elas é distribuído ao longo de redes complexas de falhas.  Ora, Portugal Continental está localizado na placa eurasiática (UE), que tem um limite divergente que afasta a Eurásia da placa norte-americana, e uma região convergente ao longo da qual a Eurásia é empurrada para a placa africana (núbia). Cada ano, Lisboa afasta-se de Nova Iorque cerca de metade do comprimento dum polegar.   
As placas tectónicas são feitas da litosfera terrestre, que abrange a crosta (camada sólida externa da Terra) e o manto mais alto subjacente. A composição varia conforme sejam continentais ou oceânicas. A crosta continental é composta por materiais leves, em comparação com os densos e pesados da crosta oceânica. A crosta e a litosfera continentais são mais espessas do que as equivalentes oceânicas. A diferença de espessura e de densidade entre material oceânico e continental explica a diferença entre as elevações das suas superfícies. Como os icebergues, os continentes têm raízes profundas no interior do manto terrestre.
A tectónica de placas e o vulcanismo são evidências da placa dinâmica, a Terra, cuja dinâmica se circunscreve às camadas da crosta e do manto. O manto inferior interage com o núcleo externo (líquido e composto de ligas de ferro-níquel e de outros elementos) e é aquecido a partir de baixo, pelo que o núcleo externo contribui para a dinâmica do manto. É a convecção ativa de metal líquido no núcleo externo que gera o campo magnético da Terra, que vai até ao espaço e protege da radiação cósmica, incluindo partículas cheias de vento solar. O núcleo interno tem composição idêntica à do externo, mas é sólido, como demonstra a propagação das ondas sísmicas.
À medida que as placas se movem – colidindo, separando-se ou deslizando lateralmente – criam montanhas, depressões e outras cicatrizes na superfície terrestre. Onde as placas se afastam, ao longo das cristas médio-oceânicas, o magma ascende à superfície e arrefece, criando nova crosta oceânica. Colidindo contra placas continentais, menos densas e pesadas, as oceânicas, mais densas e pesadas, mergulham por baixo daquelas em direção ao interior, no processo de subducção.  A subducção também ocorre quando duas placas oceânicas colidem. À medida que desce para o manto, a placa oceânica liberta água, baixando o ponto de fusão das rochas do manto e gerando magma, que ascende à superfície, criando arcos vulcânicos nas placas oceânicas e vulcões nas margens continentais. A colisão entre placas continentais leva à criação de enormes montanhas, devido ao encurtamento e espessamento da litosfera. As cristas médio-oceânicas são, muitas vezes, compensadas e ligadas por falhas transformantes.  As cicatrizes destas falhas numa placa são zonas de fratura. A maioria dos sismos é gerada em limites de placas.
O movimento das placas que se veem à superfície está ligado à convecção do manto. À medida que deslizam para baixo do manto, as placas oceânicas, densas e frias, provocam fluxo descendente. Algumas placas estagnam em descontinuidades do manto médio, enquanto outras continuam até ao fundo, aos limites do núcleo do manto. O fluxo ascendente está ligado a colunas emergentes de rochas quentes e menos densas do manto, que emergem de níveis rasos e de depósitos profundos. Nas cristas médio-oceânicas, as placas divergem e abrem espaço ao afloramento de manto que cria nova crosta. Os detalhes da convecção do manto e da sua interação com os movimentos tectónicos da superfície são motivo de investigação científica.

***

Em suma, há milhões de anos, por motivos naturais, temos um pontal do Algarve contra Lisboa e contra o resto do país. Todavia, as pessoas gostam do Algarve.

2025.08.28 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário