Enquanto a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) mobiliza e distribui os meios para o combate aos incêndios florestais e agrícolas, no verão, pondo no terreno os bombeiros, a Guarda Nacional Republicana (GNR), os sapadores florestais, os autarcas e as populações, o governo tem-se limitado a declarar o estado de alerta.
E, se no ano passado, a então ministra da Administração Interna acusava a Região Autónoma da Madeira de ter uma urologia complicada (teria querido dizer “orografia”), a atual titular da pasta ministerial da Administração Interna considerou que não era relevante a falta de meios aéreos, pois o problema está no difícil acesso ao terreno onde lavram os incêndios. Esqueceu que é, exatamente, por isso que são necessários os aviões e os helicópteros na vigilância dos incêndios e no seu combate. Porem, recentemente, já declarou que esta é uma tarefa de todos, nacional.
***
Entretanto, apesar de o flagelo dos incêndios
não dever ser pedra de arremesso político-partidário, regista-se, nestes dias,
uma forte pronúncia do candidato presidencial Gouveia e Melo, que, em crítica
intempestiva a Luís Montenegro, se diz “chocado” e “incrédulo” com agendas
políticas numa “bolha de cinismo”, perante “sofrimento” causado pelo “terror” dos incêndios, tentando ganhar tempo e
fugir às responsabilidades.O almirante – que fizera, já a 13 de agosto, duras críticas à gestão dos incêndios florestais em Portugal, admitindo que sentiu “envergonhado”, ao saber da avaria dos três aviões Canadair usados para combater os fogos – voltou a apontar o dedo, a 15 de agosto, à gestão dos incêndios que assolam o país.
Lamentou Gouveia e Melo que, oito anos depois dos incêndios de Pedrógão Grande – onde morreram 66 pessoas –, estejamos perante, “exatamente, a mesma situação”. “Passei o ano de 2017, enquanto militar, permanentemente envolvido em rescaldos e em apoio a populações. E o que hoje vejo, outra vez, na televisão? Oito anos depois, é exatamente a mesma situação”, disse.
O candidato a Belém considerou a situação “inaceitável, em termos de planeamento e de organização”, defendendo que estas “falhas estruturais” têm de ser resolvidas, começando pelo próprio Estado que tem de combater “os pequenos interesses que, de alguma forma, se anulam nas suas capacidades”.
Agora, um dia depois de Luís Montenegro, líder do Partido Social Democrata (PSD), ter discursado na tradicional Festa do Pontal, em Quarteira, o candidato presidencial criticou os políticos que mantêm uma agenda numa “bolha de cinismo frio”, perante o sofrimento, defendendo que devem estar ao lado da população. “Não posso deixar de ficar incrédulo e chocado com a postura de alguns responsáveis políticos que, alheios ao terror vivido pelas populações, mantêm as suas agendas, numa bolha de cinismo frio, perante o sofrimento. Se não conseguem prevenir, nem remediar, espera-se, no mínimo, que estejam presentes, ao lado do povo, no seu sofrimento“, escreveu Henrique Gouveia e Melo, numa publicação no Facebook.
O candidato a Belém, que diz ter passado os últimos dias “colado à televisão, esmagado pelas imagens do fogo a devorar o território nacional, pelo desespero” da população, critica: “O que estamos a ver é um interior onde se chora e luta contra as chamas. Mas, noutros pontos do país, há quem brinde às férias e tire fotografias sorridentes em eventos políticos de verão. É este desrespeito que mina a confiança na democracia. Um verdadeiro líder, mesmo sem poder fazer mais, está na frente com o seu povo, mostrando que não se esconde das responsabilidades que pediu para assumir.”
O Almirante na reserva defende ainda que “enfiar a cabeça na areia, adiando o que é difícil de resolver e ir gerindo agendas mediáticas, pode não ser a melhor solução”. “Não aceito os argumentos de que ‘não se pode falar, agora, dos incêndios porque é aproveitamento político’ ou ‘só depois do combate é que se pode discutir’. São meros pretextos para ganhar tempo e tentar diminuir as responsabilidades”, atira.
Esta posição foi assumida, a 15 de agosto, depois de o primeiro-ministro, ter afirmado, no dia 14, num discurso, na Festa do Pontal, que não iria fazer uma avaliação do combate aos incêndios, porque o país está “em plena guerra e não é a meio da guerra” que se faz essa discussão. “Vamos primeiro ganhar a guerra, salvar as pessoas, o nosso património, o nosso país e cá estaremos para fazer ainda melhor no futuro”, referiu Luís Montenegro.
“São meros pretextos para ganhar tempo e tentar diminuir as responsabilidades”, escreveu Gouveia e Melo.
As críticas de Gouveia e Melo estendem-se a quem, noutros pontos do país, “brinde às férias e tire fotografias sorridentes em eventos políticos de verão”, num “desrespeito que mina a confiança na democracia”, quando deviam estar na frente com o seu povo, mostrando que não se escondem das responsabilidades”. Ao invés, o que acontece no país, ano após ano, é que “a memória apaga-se” e a prevenção, o planeamento e o investimento estruturais “ficam fora da agenda”, conclui, expressando a sua gratidão aos bombeiros militares, aos polícias, aos médicos e aos enfermeiros empenhados nos incêndios e às populações que ajudam no combate.
***
No seu discurso, no Calçadão da Quarteira (o Pontal), no Algarve, Luís
Montenegro disse querer uma justiça mais célere, para incendiários ou para quem
cometeu crimes graves, achando que, “como acontece para os crimes menos graves,
pode haver um regime de aceleração, um regime mais abreviado, do ponto de vista
processual, para os crimes mais graves, desde que haja uma recolha de prova
reforçada, nomeadamente, quando há a detenção em flagrante delito”.“Isso pode aplicar-se a crimes mais graves, a começar por aqueles que, de forma dolosa, provocam incêndios florestais”, especificou, vincando que “alguém que é apanhado em flagrante delito a promover um incêndio florestas, com uma moldura penal que hoje excede os processos sumários, evidentemente, não está no âmbito desse processo”.
Assim, pretende uma Justiça mais célere, com um processo mais rápido e com penalização mais grave para o apanhado em flagrante, bem como a “dissuasão do comportamento criminoso”.
Não me encanta falar de candidaturas presidenciais, nem nutro especial simpatia pelo almirante candidato. Contudo, sinto o dever de subscrever, em absoluto, todas as críticas que veio fazer, nesta maré, aos detentores do poder político, designadamente ao chefe do governo.
Não é uma intervenção partidária, mas de oposição a uma incorreta postura governativa.
Quanto ao discurso do primeiro-ministro, devo dizer que, tendo ou não razão, neste momento grave da situação do país, não deveria pontificar num evento partidário, mas dirigir-se ao povo, nas vestes de primeiro-ministro, que é assim que todos o queremos ver.
Quanto ao mais, concordo que a Justiça precisa de uma grande volta, também nesta matéria, e que deve acentuar a dissuasão do comportamento criminoso. Porém, há uma incoerência da arte do chefe do governo, pois, se o momento não é de discussão política, na sua ótica, não deveria ter falado de medidas concretas da administração da Justiça, porque isso também é política.
Depois, é de fazer um reparo ao Presidente da República, tão loquaz no caso dos incêndios de 2017, mas, agora, tão silente. É certo que, naquele ano, morreram pessoas, mas, em 2024 e neste ano, o espetáculo foi e é bem desolador e a destruição é enorme. Já morreu uma pessoa e não sabemos se morrerá mais alguém. Porém, aqueles e aquelas que estão nas frentes de combate lutam contra a morte que lhe pode cair em cima. Ora, a palavra presidencial é útil e reconfortante em tempos de crise. E estamos num desses tempos.
***
Outra matéria
política atinente a situação incendiária tem a ver com a ativação do Mecanismo
Europeu de Proteção Civil.O governo avançou, a 15 de agosto, com a ativação deste mecanismo que prevê auxílio internacional a Portugal, neste período em que os incêndios assolam o território nacional.
Ora, o secretário-geral do Partido Socialista (PS) lamenta a demora por parte de Luís Montenegro em solicitar a ajuda internacional.
José Luís Carneiro, há duas semanas, a 2 de agosto, assinalou essa necessidade. Na altura, parabenizou a colocação do “estado de alerta”, mas sustentou que o governo deveria “ter dado um passo ainda em frente, nomeadamente, em relação ao diálogo com os parceiros europeus, no âmbito do Mecanismo Europeu de Proteção Civil”. “Era bom termos os mecanismos de apoio aéreo da União Europeia [UE] pré-posicionados para que, em função do contexto meteorológico, possamos mobilizar esses meios de forma mais célere para os fazer chegar onde eles venham a ser necessários”, disse, então, o antigo ministro da Administração Interna.
Em nota enviada a 15 de agosto, à redação do Diário de Notícias (DN), o líder do PS lamenta a ação tardia. “Duas semanas depois de vários incêndios grandes, o governo parece, finalmente, ir fazê-lo [acionar o Mecanismo Europeu de Proteção Civil]. Com a agravante de a Espanha já o ter feito ontem, até com incêndios mais recentes do que os portugueses, o que significará menos disponibilidade de meios. Este é um governo que prefere as trancas na porta, à prevenção”, concluiu.
Com seis vezes mais área ardida do que em 2024, Portugal mantém-se em estado de alerta, pelo menos, até ao dia 16. E José Luís Carneiro pronunciou-se favorável à colocação do Estado de Contingência para mobilizar mais meios.
***
Outra polémica incide na acusação de José Luís Carneiro, antigo ministro da Administração
Interna e atual secretário-geral do PS, ao ministro da Defesa Nacional de
faltar à verdade. Estão em causa “afirmações
infundadas” sobre meios aéreos de luta contra os fogos, frisando o líder do PS que
foram os socialistas a “garantir” capacidade de combate aos KC 390.De acordo com a RTP, o ministro da Defesa Nacional afirmou, a 6 de agosto, que “só não há Forças Armadas a combater incêndios, porque o poder político retirou o Estado do combate” – uma crítica a governos do PS. E anunciou que o Estado vai adquirir dois kits de combate aos incêndios florestais para equipar duas aeronaves C-130, num investimento de cerca de 16 milhões de euros.
Questionado sobre a notícia do jornal Público, que dá conta de que a Força Aérea Portuguesa tem 10 aeronaves (três aviões KC-390 e sete helicópteros Koala) que podiam ser usadas para combater incêndios rurais, mas não os utiliza para este fim, porque o Estado não comprou os kits que permitem adaptar os aparelhos para esta missão, Nuno Melo explicou que esses equipamentos estão pensados para outro tipo de funções.
“KPC-390 não tem nada a ver com kits de incêndios, muito embora, por exemplo, no Brasil, alguns recebam kits de incêndios para cenários completamente diferentes [...] que não têm nada a ver com a realidade portuguesa. Portugal tem uma dimensão e uma Natureza, o Brasil tem outra e, para Portugal, os C-130 são aviões muito melhor preparados”, detalhou.
Sobre os Koala, Nuno Melo afirmou que estão a ser utilizados nos incêndios para o “transporte de operacionais, entre outras coisas”, e que “nem sequer é correto dizer-se que não estão a ser utilizados”.
“O ministro da Defesa fez afirmações infundadas. Foi, precisamente, o governo anterior [do PS] que procedeu à Resolução do Conselho de Ministros para aquisição dos meios aéreos, até 2029, nomeadamente, os novos ‘Canadair’”, afirmou José Luís Carneiro, em declarações aos jornalistas, antes de um encontro com jovens, no centro de Paredes de Coura, no distrito de Viana do Castelo, como refere o DN.
O secretário-geral do PS assinalou que Nuno Melo “faltou também à verdade, ao dizer que foram os governos anteriores a impedir as Forças Armadas de cooperar” no combate às chamas, pois “o governo anterior permitiu, com o novo sistema de Proteção Civil, que as Forças Armadas cooperem em funções civis para a fiscalização, o patrulhamento e a preparação dos meios aéreos para poderem operar”. Mais: segundo o antigo governante, o KC 390, que começou a ser entregue, prevê a acoplação de capacidades de combate aos incêndios, porque foi o governo do PS a garantir que “isso ficava no contrato”.
José Luís Carneiro esclareceu que os KC 390 só não foram comprados pelo governo que integrou, porque “a empresa e a indústria que os fabricavam deixaram de os fabricar e foi preciso a Europa fazer uma encomenda conjunta para aceitarem voltar a fabricar”.
O líder socialista vincou também que “todo o projeto de adaptação dos C 130 ao combate aos incêndios estava em curso e foi desencadeado pelos governos do PS”. Depois, questionou: “É preciso perguntar se, quando eu propus que se avançasse com a ativação do P3 da Força Aérea, para se articular na vigilância aérea com a GNR, se esse P3 foi utilizado e se foi utilizado nos termos em que devia para garantir essa fiscalização.”
***
Enfim, temos enorme escalada incendiária, todos os anos. Só nos faltam
equipamentos adequados, atualizados e em quantidade, bem como vontade política,
para reordenar a floresta e o solo agrícola, prevenir os incêndios, vigiar os
terrenos, dissuadir comportamentos criminosos, patológicos e negligentes, punir
os infratores e os criminosos. Tudo isto requer legislação adequada, planeamento
consistente, execução, fiscalização, avaliação e justiça. E seria bom termos os
políticos solidários com o povo.
2025.08.15 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário