sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Mais de 1300 mortes em excesso, em 20 dias, consecutivos por calor extremo

 
A Euronews destaca, a 22 de agosto, que os meses de julho e de agosto, em Portugal, foram marcados por vários avisos de elevadas temperaturas que coincidiram com significativo aumento de mortalidade. E, mencionando dados analisados pelo jornal Público, do mesmo dia 22 de agosto, a partir do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), releva que se registaram 20 dias consecutivos de excesso de mortalidade, entre 27 de julho e 15 de agosto, resultando em 1331 óbitos, acima do esperado, um aumento relativo de 25%.
De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), o excesso de mortes ocorreu em todas as regiões do país, mas com maior incidência no Norte, no Centro e no Alentejo. A DGS sustenta que as temperaturas elevadas foram o principal fator, potenciando desidratação e agravando doenças crónicas, sobretudo, cardiovasculares e respiratórias, em pessoas mais vulneráveis. Além disso, refere que o grupo etário com 75 ou mais anos, com maior carga de doença e com menor capacidade de resposta fisiológica ao calor, foi o mais atingido.
Os dados do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) mostram que este excesso de mortalidade foi observado, sobretudo, entre os mais idosos. Dos 34 dias de excesso de mortalidade registados em julho e agosto, 29 corresponderam a mortes acima do esperado no grupo etário acima dos 70 anos.
O mês de julho foi mais crítico, com dois períodos quentes (de 1 a 9 e de 25 a 31 de julho). Aliás, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) confirmou que se tratou do 9.º julho mais quente desde 1931, “com valores de temperatura do ar mais de 3°C (três graus centígrados), acima do valor médio mensal nos dias 3, 4, 30 e 31”.
Apesar deste excesso de mortalidade, os dados acumulados, até 18 de agosto, revelam que o total de óbitos (77292) está em linha com o mesmo período de 2024 (76849). Contudo, neste ano, foi julho o mês dos valores mais elevados, enquanto, em 2024, o pico de mortalidade tinha ocorrido em janeiro, coincidindo com o final do período epidémico da gripe.
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Entretanto, a jornalista Raquel Albuquerque analisa, no Expresso online, a 21 de julho, o período do início do verão e até 20 de agosto, frisando que houve dois momentos com nível de mortalidade superior ao que seria esperado, coincidindo com as semanas de calor extremo. No total, somando as mortes a mais, nos dois períodos, contabilizam-se cerca de 2300 óbitos em excesso, 25% acima da linha de base – o mesmo aumento percentual indicado pelo SICO.
Comparando com o verão de 2024 – com quatro períodos curtos de calor extremo e 715 óbitos além do esperado, segundo o INSA –, a realidade de 2025 é já mais grave, com o triplo do excesso de mortalidade. “O efeito das temperaturas extremas na saúde e o consequente aumento da mortalidade está bem estudado. A coincidência temporal entre os períodos de calor extremo e os períodos de excesso de mortalidade indicam o calor extremo como o principal fator do aumento da mortalidade, não podendo, no entanto, ser excluídos outros fenómenos”, explica Ana Paula Rodrigues, do Departamento de Epidemiologia do INSA.
Segundo os dados do INSA, a mortalidade excedeu o que seria esperado em 923 óbitos, entre 30 de junho e 13 de julho, no primeiro período de calor extremo do verão. O segundo momento em que a mortalidade disparou, com excesso de óbitos diário, decorreu entre 27 de julho e 15 de agosto. O número final está em atualização, mas, até ao dia 20, contabilizavam-se 1311 mortes em excesso nesse período, a que se juntam outros 67 óbitos a mais, a 18 de agosto.
Um dos instrumentos usados para medir o efeito das temperaturas elevadas no aumento da mortalidade é o ‘Índice Ícaro’, que atingiu níveis muito altos, neste mês. Os seus valores são definidos a partir das temperaturas e do número seguido de dias quentes. O efeito na saúde é mais grave, se as temperaturas extremas se fizerem sentir em dias seguidos do que em dias isolados, por haver maior sobrecarga térmica dos organismos, sem tempo para recuperação.
Quase metade dos 30 dias com o índice de risco mais elevado, desde 2013, ocorreu neste mês. Assim, o dia 12 teve o segundo valor mais alto dos últimos 13 anos e o dia 11 também está entre os quatro piores (o recorde máximo foi a 7 de julho de 2013). A 11 e 12 de agosto o calor foi tal que, segundo o IPMA, durante a noite, quase metade do território continental teve temperaturas mínimas acima dos 20°C.
A rede europeia de monitorização de mortalidade (EuroMomo) mostra que Portugal tem sido, nas últimas semanas, o único país a registar excesso de óbitos. Ana Paula Rodrigues lembra que há diferentes velocidades na disponibilização de dados entre os vários países, sendo usado, no caso português, o sistema SICO, atualizado “quase em tempo real”, o que permite a identificação “mais precoce” dos períodos de excesso de mortalidade. Com efeito, segundo a especialista, “Portugal tem uma população envelhecida e com múltiplas patologias crónicas”, o que a torna, em particular, pelos idosos e pelos doentes crónicos, “muito vulnerável ao efeito das temperaturas extremas, mas também das epidemias de gripe e de covid-19”.
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A vaga de calor traz problemas, como os incêndios ou o calor sufocante, e pode fazer com que a pessoa fique doente, se não tomar precauções. Há, basicamente, duas doenças potencialmente fatais, conexas com o calor: a exaustão pelo calor e a insolação.
exaustão pelo calor, menos perigosa, representa a resposta do corpo que, desesperadamente, luta, para manter o equilíbrio, face a stresse térmico esmagador, devido à elevada temperatura exterior que torna, praticamente, impossível arrefecer o corpo. Assim, o corpo está a “trabalhar no limite”, mas mantém as funções vitais de controlo.
A principal é a perda excessiva de água e de sais minerais, através da transpiração abundante, que gera a desidratação e o desequilíbrio eletrolítico. A perda de líquidos exerce enorme pressão sobre o sistema cardiovascular, porque o volume de sangue diminui e obriga o coração a trabalhar mais. Os mecanismos termorreguladores e a função do sistema nervoso central permanecem intatos. O “termóstato” do cérebro continua a funcionar, embora opere com recursos esgotados. A temperatura corporal pode estar normal ou ligeiramente elevada, mas normalmente não excede os 40°C.
Os sintomas são a luta do corpo contra a desidratação: pele carateristicamente fria, pálida e pegajosa, devido à transpiração intensa. Está fria, porque o corpo restringe os vasos sanguíneos periféricos, para dar prioridade ao fluxo para os órgãos vitais. A transpiração abundante é sinal de que o sistema de arrefecimento do corpo está ativo e a funcionar. O pulso rápido e fraco reflete o esforço do coração para compensar o baixo volume de sangue. Os sintomas neurológicos são ligeiros e incluem tonturas, vertigens, fadiga e fraqueza extrema, devido à redução do fluxo sanguíneo para o cérebro. Pode ocorrer desmaio, dor de cabeça, náusea e vómito. As cãibras muscularesa sede intensa e a urina escura são indicadores de desidratação.
A insolação representa o ponto final e mais grave do espetro das doenças provocadas pelo calor, constituindo emergência médica com risco de vida. É definida por uma temperatura corporal central que atinge ou ultrapassa os 40°C, mas a caraterística mais alarmante é a falha completa do sistema termorregulador. O golpe de calor é desencadeado pela falha do centro termorregulador no hipotálamo. A esta temperatura crítica, as células cerebrais que controlam a temperatura corporal começam a funcionar mal e a ficar danificadas, criando um ciclo vicioso e mortal.
À medida que o termóstato falha, a temperatura do corpo sobe descontroladamente, causando mais danos nas células, o que incapacita ainda mais a capacidade do corpo para se arrefecer. A consequência é lesão celular maciça que afeta rapidamente o cérebro, o coração, os rins e os músculos. Os sintomas agrupam-se em torno de dois sinais cardinais: a hipertermia grave, com temperatura corporal central de 40°C ou superior; e a disfunção do sistema nervoso central (mais importante, do ponto de vista clínico), causada por danos térmicos no cérebro, que se manifesta pelo estado mental alterado com confusão, agitação, irritabilidade, comportamento irracional ou delírio, e por uma perturbação neurológica grave, incluindo discurso arrastado, convulsões e perda de consciência ou coma. A pele está, frequentemente, quente ao toque, ruborizada e carateristicamente seca, porque o sistema de transpiração foi desativado, devido à falha do sistema nervoso. O pulso é rápido e forte ou latejante, pois o coração bombeia com força, na desesperada tentativa de fazer circular o sangue sobreaquecido.
O golpe de calor clássico resulta da exposição passiva a calor elevado e afeta, principalmente, populações vulneráveis, como idosos e crianças pequenas. O stresse térmico por esforço é causado por atividade física intensa em condições de calor e pode afetar pessoas jovens e saudáveis. Na insolação por esforço, a transpiração pode persistir, pelo que a presença de disfunção do sistema nervoso central, juntamente com temperatura elevada, é o indicador definitivo.
Estas situações devem ser convenientemente tratadas e a sua prevenção é crucial.
No tratamento da exaustão pelo calor, o objetivo é ajudar o corpo a recuperar, repondo os recursos perdidos, através da abordagem: “arrefecer, reidratar e observar”. O passo essencial é retirar a pessoa para local fresco, à sombra ou, de preferência, com ar condicionado.
O arrefecimento do corpo implica desapertar ou retirar a roupa apertada e pesada, aplicar panos frescos e húmidos na pele, borrifar a pele com água fria e utilizar ventoinha, para acelerar o arrefecimento por evaporação. A posição correta é deitar-se e elevar as pernas e os pés cerca de 30 centímetros, para combater as tonturas e melhorar o retorno do sangue ao coração.
A reidratação oral é essencial, se a pessoa estiver consciente e não tiver náuseas. Deve ser administrada água fresca ou bebidas desportivas que reponham os sais e eletrólitos perdidos, gradualmente e em pequenos goles. É crucial evitar bebidas com álcool, cafeína ou elevado teor de açúcar, pois estas podem agravar a desidratação.
É de procurar ajuda médica imediata, se os sintomas se agravarem, se não houver melhoria, após 30 a 60 minutos de tratamento, se a pessoa vomitar repetidamente ou se apresentar sinais de alteração do estado mental, como confusão.
A insolação é uma emergência médica absoluta, com risco de vida. O objetivo principal não é a reidratação, mas a redução imediata da temperatura corporal, para salvar o cérebro e os órgãos vitais. A primeira regra de ouro é ligar, imediatamente, para o 112. Não há tempo a perder, porque a vítima necessita de cuidados médicos avançados urgentes. A segunda regra de ouro é iniciar um arrefecimento agressivo, enquanto se espera por ajuda, pois cada minuto que a temperatura corporal permanece acima do limiar crítico aumenta o risco de danos permanentes ou de morte.
O método preferido, se possível, é submergir a vítima, até ao pescoço num banho de água fria ou gelada, visto que é o método mais rápido e eficaz, para reduzir a temperatura corporal central. As alternativas eficazes consistem em pulverizar, continuamente, a pessoa com água fria, enquanto se abana vigorosamente, para maximizar o arrefecimento por evaporação, ou em cobrir o corpo com toalhas embebidas em água fria e colocar sacos de gelo nas zonas de elevada troca de calor, como o pescoço, as axilas, as virilhas e as costas.
Nunca se deve dar líquidos, pela boca, à pessoa com golpe de calor, pois é elevado o risco de asfixia ou de aspiração para os pulmões. Não devem ser administrados medicamentos para a febre, como o paracetamol ou a aspirina, porque são ineficazes contra a hipertermia causada pela falha do termóstato central e podem danificar um fígado já em stresse. Também não deve ser esfregado álcool na pele, porque pode ser absorvido e causar envenenamento.
Porém, acima de tudo, a estratégia mais eficaz é a prevenção e baseia-se na criação de um sistema de segurança proativo, seguindo o mantra “água, repouso, sombra”. Esta abordagem sistémica combate o esgotamento de recursos com água, reduz a produção de calor metabólico interno, com o repouso, e reduz a carga de calor externa, com a sombra.
A hidratação representa a primeira linha de defesa e deve ser proactiva. A chave é beber líquidos, antes de sentir sede, já que a sede é um indicador tardio de desidratação. Durante a atividade no calor, recomenda-se a ingestão de um copo de água de, aproximadamente, 200 a 250 mililitros, a cada 15 a 20 minutos. Um indicador fiável de boa hidratação é a urina clara ou amarela pálida, enquanto a urina escura é sinal de alerta. A água é a melhor escolha para a hidratação geral, mas, no exercício prolongado ou na transpiração intensa, as bebidas desportivas podem ajudar a repor os sais e eletrólitos perdidos. É essencial evitar ou limitar, drasticamente, as bebidas com elevado teor de açúcar, de cafeína ou de álcool, que podem acelerar a desidratação.
O corpo precisa de tempo para se adaptar a temperaturas elevadas, o que pode demorar entre cinco a 14 dias. Para os trabalhadores ou desportistas não habituados a ambientes quentes, a exposição deve ser aumentada gradualmente, começando com cargas de trabalho reduzidas e pausas mais frequentes. Depois, são de evitar atividades físicas extenuantes, nas horas mais quentes do dia, normalmente, entre as 10h00 e as 16h00. É preferível programar estas tarefas para o início da manhã ou para o final da tarde, incorporando pausas em zonas frescas e com sombra.
Sempre que possível, é de permanecer em espaços com ar condicionado, durante as vagas de calor. Se a casa não tiver ar condicionado, é aconselhável passar as horas mais quentes em locais públicos com ar condicionado, como bibliotecas, cinemas ou centros comerciais.
O vestuário adequado deve ser leve, largo e claro, para refletir a luz solar e para permitir a circulação do ar, facilitando a evaporação do suor. E é vital a proteção contra o Sol direto, com chapéus de aba larga, e a aplicação de protetor solar, pois as queimaduras solares reduzem a capacidade de a pele se arrefecer eficazmente.
As crianças e os bebés requerem atenção especial, sendo a regra de ouro nunca os deixar sem vigilância, num veículo estacionado, em circunstância alguma. A temperatura no interior de um automóvel pode subir mais de 11°C, em apenas 10 minutos, tornando-se armadilha mortal. Os bebés e as crianças pequenas devem beber líquidos com frequência e vestir-se com pouca roupa.
Os adultos mais velhos enfrentam riscos acrescidos, porque diminui a capacidade de sentir sede e de regular a temperatura. É essencial que os familiares e os prestadores de cuidados os lembrem de beberem líquidos e de permanecerem em locais frescos, controlando-os regularmente, durante as vagas de calor. As pessoas com doenças crónicas, como doenças cardíacas, diabetes ou obesidade, correm um risco maior e devem consultar o médico para obterem recomendações específicas adaptadas à sua situação.
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A adaptação a temperaturas elevadas é necessária, mas não basta. Os decisores políticos têm de fazer tudo para evitar as ondas de calor, desde logo, sustendo o flagelo dos incêndios e travando, ao máximo, as alterações climáticas, pelo que têm de moderar os interesses instalados.

2025.08.22 – Louro de Carvalho


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