O arcebispo de Natal, no Brasil, Dom João Santos Cardoso, publicou, a 14 de agosto, no site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) uma síntese crítica ao livro A Crise da Igreja Católica e a Teologia da Libertação, de frei Clodovis Boff, ex-líder da Teologia da Libertação, e do padre Leandro Adorno, vigário paroquial da catedral de Piracicaba (SP).
O arcebispo diz que, ao examinar o “declínio atual da Igreja Católica”, a obra de Clodovis Boff e Leandro Adorno “não se limita à análise de dados estatísticos, mas apresenta um diagnóstico que integra dimensões espirituais, pastorais e teológicas”. “A questão central vai além dos números ou índices de frequência religiosa, manifestando-se, sobretudo, na perda de vitalidade espiritual e na inversão de prioridades, quanto à missão e à identidade eclesial”, escreve o arcebispo.
“Segundo os autores”, acentua Dom João Cardoso, “a Igreja perde fiéis, porque, em muitos contextos, deixou de comunicar, de forma viva, o mistério de Deus, oferecendo respostas mais sociológicas que espirituais”. “Não se trata apenas de uma questão numérica ou de dimensão institucional; a gravidade está no deslocamento do centro da Igreja de Cristo para o Mundo, priorizando demandas sociais, em detrimento da experiência teologal”, observa o prelado.
Dom João Cardoso salienta que o livro se desenvolve em relação “à teologia contemporânea que, sob forte influência antropocêntrica, teria abandonado a “agenda dos mistérios”, para privilegiar questões transitórias”. Neste sentido, são minimizados “conceitos centrais, como “sobrenatural” e “alma”, temas escatológicos relegados e a linguagem espiritual tradicional evitada. Esse viés acaba por oferecer fundamentos teóricos e justificativas racionais para um esvaziamento espiritual dentro da Igreja, “ao deslocar a atenção do núcleo da fé para preocupações meramente temporais”. Com efeito, “no plano pastoral, os autores afirmam que reformas estruturais ou posicionamentos ideológicos – “progressistas” ou “conservadores” – têm pouca eficácia sem a renovação da fé viva em Cristo”.
“Em síntese, para Boff e para Adorno, a crise da Igreja não se resolverá com simples reformas estruturais ou com mera atualização sociocultural, mas com o retorno à sua essência: ser mistério de comunhão com Deus, centrada no senhorio de Cristo e movida pelo Espírito, para então, e somente então, transformar o Mundo”, assinalou o prelado de Natal, frisando que “a saída proposta é retomar a centralidade existencial e operativa de Cristo”.
“Tal primazia exige entrega total, ou seja, “dar o sangue e receber o Espírito”, e expressa-se numa espiritualidade de oração profunda, livre de instrumentalizações”, disse o arcebispo, sentenciando: “É preciso recuperar uma fé viva, mística e missionária, capaz de gerar novo impulso evangelizador e de unir, de modo inseparável, o serviço ao Mundo e o anúncio explícito da salvação. A Igreja só poderá reverter o declínio ao voltar-se para o seu “coração pulsante”: Jesus Cristo, Senhor absoluto e fonte de sua missão”.
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Por sua vez,
o Papa Leão XIV enviou mensagem aos bispos amazónicos que participam num
encontro em Bogotá, na Colômbia, sobre a importância de cuidar da Natureza, sem
se tornarem seus escravos ou adoradores. Em telegrama ao cardeal Pedro Barreto
Jimeno, presidente da Conferência Eclesial da Amazónia, assinado pelo cardeal
Pietro Parolin, o Pontífice agradeceu aos bispos os “seus esforços para
promoverem o bem maior da Igreja para os fiéis do amado território amazónico.Falando do que aprenderam no Sínodo da Amazónia, de outubro de 2019, Leão XIV exortou-os a buscar, com base na unidade e na colegialidade de um “corpo episcopal”, modos concretos e eficazes de ajudar “os bispos diocesanos e os vigários apostólicos a cumprir sua missão”.
Para tanto, o Santo Padre propôs três dimensões: a missão da Igreja de anunciar o Evangelho a todos os povos, o tratamento justo dos povos que ali vivem e o cuidado da casa comum.
“É necessário que Jesus Cristo, em quem se recapitulam todas as coisas, seja anunciado, com clareza e imensa caridade, entre os habitantes da Amazónia, disse o bispo de Roma, segundo o qual é preciso “dar-lhes o pão fresco e límpido da Boa Nova e o alimento celeste da Eucaristia, único meio para se ser, verdadeiramente, o povo de Deus e o corpo de Cristo”.
“Onde se prega o nome de Cristo, a injustiça retrocede proporcionalmente, pois, como assegura o Apóstolo Paulo, toda a exploração do homem pelo homem, desaparece se somos capazes de nos recebermos uns aos outros como irmãos”, assegurou Leão XIV, enfatizando, dentro dessa “doutrina perene”, a importância de cuidar da “casa” que Deus Pai “nos confiou como administradores solícitos, de modo que ninguém destrua, irresponsavelmente, os bens naturais que falam da bondade e beleza do Criador”.
“Nem, muito menos, se submeta a eles como escravo ou adorador da Natureza, pois as coisas foram-nos dadas, para alcançarmos o nosso objetivo de louvar a Deus e, assim, obter a salvação de nossas almas”, advertiu, por fim, o Sumo Pontífice.
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A Santa Sé
incluiu, no calendário oficial para o Ano Jubilar 2025, a peregrinação da Fraternidade
São Pio X (FSSPX), fundada, em 1970, pelo arcebispo Marcel Lefebvre em Ecône,
Suíça, para preservar a liturgia e a doutrina católica tradicional anterior às
reformas do Concílio Vaticano II (1962-1965), terá missa solene e procissão até
a basílica de São João de Latrão, em Roma, a 20 de agosto. E, em preparação
para a peregrinação a Roma, iniciou uma novena à Imaculada Conceição de 11 a 19
de agosto. Liderada pelo superior geral, padre Davide Pagliarani, vê a
peregrinação como ato de fidelidade à Roma Eterna, enfatizando o compromisso
com a liturgia tradicional, conforme declarado numa carta de 2024 do superior
do Distrito dos Estados Unidos da América (EUA, padre John Fullerton. “O nosso
foco principal é o sacerdócio e o seu maior tesouro o santo sacrifício da
Missa”, diz o site da FSSPX .A inclusão do grupo num ano jubilar de celebração e perdão, feito a cada 25 anos, reflete os esforços da Igreja, ao longo dos anos, para se reconciliar com o grupo em meio ao status canonicamente irregular da FSSPX.
A conturbada história da FSSPX com a Santa Sé começou com a divergência de Lefebvre, face às mudanças do Vaticano II, particularmente, no ecumenismo e na colegialidade, “que insistiam que a Igreja fosse governada, principalmente, pelo processo democrático e pelas conferências episcopais, limitando o poder do papa como único chefe da Igreja universal, bem como a autonomia de cada bispo dentro de sua própria diocese”.
A consagração de quatro bispos por Lefebvre, em 1988, sem a aprovação papal, levou à sua excomunhão e à dos bispos, considerada um “ato cismático” pelo Papa São João Paulo II, tornando a FSSPX canonicamente ilegítima. Embora Bento XVI tenha levantado as excomunhões em 2009, o grupo permanece fora da plena comunhão com a Igreja. No entanto, concessões recentes da Santa Sé sinalizam abertura ao diálogo. O papa Francisco concedeu aos padres da FSSPX a faculdade de ouvir confissões, validamente, em 2015, prorrogada indefinidamente depois de 2016, e autorizou a supervisão diocesana para casamentos válidos da FSSPX, em 2017.
A FSSPX diz ter 720 padres e cerca de meio milhão de fiéis espalhados pelo Mundo e tem vários ministérios em crescimento, como retiros e acampamentos de verão para crianças.
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O cardeal
Anders Arborelius fez apelo direto à unidade na diocese de Estocolmo, na Suécia,
esclarecendo o status canónico da FSSPX e alertando os fiéis
contra escolhas que possam minar a comunhão eclesial.A declaração do cardeal, divulgada a 15 de agosto responde à controvérsia, depois de atos episcopais feitos na diocese pelo bispo Bernard Fellay, ex-superior geral da FSSPX, sem o conhecimento ou consentimento do bispo diocesano. Efetivamente, só o bispo de Estocolmo exerce a supervisão sobre a vida litúrgica dentro da sua jurisdição, e nenhum outro bispo pode exercer atos eclesiais na diocese, sem permissão, conforme exigido pelo direito canónico e pelas diretrizes da Santa Sé. O documento disse que Fellay havia conduzido funções episcopais, “sem o conhecimento do nosso bispo”, um ato contrário ao direito e causador de divisão e de discórdia.
A FSSPX não vive, nem age em comunhão com a Santa Sé, e o seu status canónico é obscuro.
Os sacramentos recebidos de padres da FSSPX são “válidos, mas ilícitos”, e os fiéis foram incentivados a evitá-los. Por isso, tais sacramentos não podem ser inseridos nos registos paroquiais, afetando o acesso aos certificados de batismo ou confirmação, e que os padres da FSSPX não têm permissão para celebrar missa em nenhum lugar da diocese.
Arborelius fez referência à ênfase de Leão XIV no fortalecimento da unidade interna da Igreja, desde o início do seu pontificado, dizendo que, “só a partir dessa unidade interior, podemos contribuir para promover a unidade com outros cristãos”.
Este ano do jubileu – e 1700.º aniversário do Concílio de Niceia – proporcionou ocasiões importantes para renovar a fé na “Igreja una, santa, católica e apostólica”. E a diocese de Estocolmo enfatizou que os fiéis que recebem os sacramentos administrados pela FSSPX devem entender que tal participação “expressa uma falta de unidade com o bispo diocesano e com o Papa Leão XIV”.
A declaração disse também que convidar, privadamente, líderes da Igreja para a diocese violava o direito canónico e fomentava a divisão.
Arborelius vinculou a importância da unidade ao ano jubilar e ao aniversário de Niceia, descrevendo a Eucaristia como o “sacramento da unidade” e alertando contra qualquer coisa que possa semear divisão. Rezou pela intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, exortando os fiéis a permanecerem firmes na unidade confiada por Cristo aos apóstolos e seus sucessores. E reafirmou que a Igreja deve guardar o seu tesouro mais sagrado – os sacramentos – e que os sacramentos devem ser celebrados em comunhão com o bispo diocesano e com o papa.
A Fraternidade São Pio X foi fundada em 1970 pelo arcebispo Marcel Lefebvre na Suíça para preservar as práticas católicas tradicionais em meio às reformas do Concílio Vaticano II.
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Frei Clodovis
Boff, a 13 de junho, escreveu uma carta aberta aos bispos do Conselho
Episcopal Latino Americano e Caribenho (CELAM) que se reuniram em assembleia, a
perguntar: “Que boa-nova li aí? Nenhuma.” Os bispos do CELAM repetem, há mais
de 50 anos, a cantilena: “social, social e social”. “Não veem que essa música
já cansou?”, perguntou o frei da Ordem dos Servos de Maria, em reação ao
documento final da 40.ª Assembleia Geral Ordinária do CELAM, de 26 a 30 de
maio, na arquidiocese do Rio de Janeiro. “Quando nos darão boas-novas de Deus,
de Cristo e do seu Espírito? Da Graça e da Salvação? Da Conversão do coração e
da Meditação da Palavra? Da Oração e da Adoração, da Piedade para com a Mãe do
Senhor e de outros temas semelhantes? Quando nos vão mandar uma mensagem religiosa,
espiritual?”, insistiu.Clodovis Boff, foi, com o irmão Leonardo, um dos grandes pensadores da Teologia da Libertação. Porém, em 2007, publicou, na edição 68 da Revista Eclesiástica Brasileira, o artigo “Teologia da Libertação e Volta ao Fundamento”, dizendo que “o erro da teologia da libertação, realmente existente, foi ter posto os pobres no lugar de Cristo, fazendo deles um fetiche e rebaixando Cristo a coadjuvante; quando Cristo fez o contrário: pôs-se no lugar dos pobres, a fim de os fazer participar da sua dignidade divina”.
Boff disse que ousou escrever aos
bispos, “porque, há muito tempo” vê, “consternado, repetidos sinais de que a
Igreja corre o perigo grave de se alienar da sua essência espiritual, para dano
de si mesma e do Mundo”. Na verdade, tendo lido a mensagem do CELAM, repetiu-se
algo que disse ter sentido, há quase 20 anos, quando, “não podendo mais
suportar os repetidos equívocos da teologia da libertação, lhe subiu do fundo
da alma tal ímpeto que disse: “Chega! Tenho que falar.” E “foi sob o impacto de
moção interior análoga que redigiu a carta, esperando que, nela, o Espírito
Santo tenha tido alguma parte”. “Até agora, só recebeu a reação de Dom Jaime,
presidente do CELAM e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que
foi seu “aluno, pelos idos de 1980, em Petrópolis” e que se mostrou “acolhedor
da carta”, apreciando o facto de o frade ter exteriorizado o seu pensamento, “que
pode ajudar a rever os caminhos da Igreja”, nas Américas.
Boff escreve
que, ao ler o documento do CELAM, lhe veio à “mente a palavra de Cristo: Os
filhos pedem pão e vós lhes dais uma pedra (Mt
7,9)”. Para Boff, “o próprio mundo secular está farto de secularidade e parte
em busca de espiritualidade”, mas os bispos “continuam a oferecer-lhe o social”
e, “do espiritual, quase só migalhas”. E pensar que os bispos “são depositários
da riqueza maior, aquela de que o Mundo mais precisa e que, no entanto, de
certa forma, lhe sonegam”, escreve o frade, vincando que as almas pedem o
sobrenatural e eles insistem em dar-lhes o natural. Tal paradoxo nota-se nas
paróquias: enquanto os leigos se comprazem em mostrar sinais da sua identidade
católica (cruzes, medalhas, véus, blusas com estampas religiosas), padres e
freiras, na contramão, aparecem sem qualquer sinal distintivo.
Os bispos do CELAM sustentam que a 40.ª Assembleia “foi um espaço de discernimento, oração e fraternidade episcopal”, no qual compartilharam “as luzes e sombras” de suas “realidades, os clamores” dos seus “povos e o anseio por uma Igreja que seja casa e escola de comunhão”. “Estamos conscientes dos desafios atuais que afetam nossa região latino-americana e caribenha: a persistência da pobreza e da crescente desigualdade, a violência impune, a corrupção, o narcotráfico, a migração forçada, o enfraquecimento da democracia, o clamor da terra, a secularização, entre outros”, dizem os bispos. E Boff respondeu: “Dizem, sem qualquer hesitação, que ouvem os ‘clamores’ do povo e que estão ‘conscientes dos desafios’ de hoje. Mas a sua escuta vai até o fundo? Não fica na superfície?”
A lista de “clamores” e “desafios” não passa do que observam os jornalistas e os sociólogos. Os bispos não ouvem que, do “mundo profundo”, se levanta “um formidável grito por Deus”, que “até muitos analistas seculares ouvem”. Ora, segundo o frade, para os “clamores sociais”, estão os governos e as organizações não-governamentais (ONG). E a Igreja não pode ficar fora desse jogo, mas não é, nesse campo, a protagonista. O seu campo próprio de ação é outro e mais alto: responder ao “clamor por Deus”.
Clodovis diz saber que os bispos “são, dia e noite, acossados pela opinião pública, para se definirem como ‘progressistas’ ou como ‘tradicionalistas’, ‘da direita’ ou ‘da esquerda’”. “Nisso, São Paulo é categórico”: “Quero que todos nos reconheçam como ministros de Cristo e como administradores dos Mistérios de Deus (1Cor 4,1). Não é, pois, ocioso lembrar que a Igreja é, antes e acima de tudo, Sacramento de salvação e não uma instituição social, progressista ou não.
“Ela existe para anunciar Cristo e sua graça. Aí está o seu foco central, o seu compromisso maior e perene. Tudo o mais vem depois”, destacou o religioso.
Da leitura da mensagem do CELAM, tira-se, quase inevitavelmente, a conclusão de que a grande preocupação da Igreja não é a causa de Cristo e da sua salvação, mas as causas sociais, como a justiça, a paz e a ecologia E o frade observou que “a própria carta que o Papa Leão mandou ao CELAM fala com todas as letras da ‘necessidade urgente de recordar que é o Ressuscitado que protege e guia a Igreja, reavivando-a na esperança, etc.’.”
Recorda-lhes o Santo Padre que a missão própria da Igreja é, nas palavras dele, ‘ir ao encontro de tantos irmãos e irmãs, para lhes anunciar a mensagem da salvação de Cristo Jesus’”, disse Boff. “Entretanto, qual foi a resposta que os venerandos irmãos deram ao Papa? Na carta que lhe enviaram, não há eco das advertências papais. Antes, lhe pedem que os ajude, não a manter viva, na Igreja, a memória do Ressuscitado, não a anunciar aos irmãos a salvação em Cristo, mas a apoiá-los na luta para ‘incentivar a justiça e a paz’ e para ‘sustentá-los na denúncia de toda forma de injustiça’. Em suma, o que fizeram sentir ao Papa foi a velha cantilena: ‘social, social...’, como se ele, que trabalhou, entre nós, durante décadas, nunca a tivesse ouvido”, critica o frade.
O Papa Leão foi missionário e bispo no Peru. Portanto, conhece tanto a realidade social da América Latina como os vários tipos de teologia e pastoral que se praticam no continente.
Dirão os bispos que as verdades lembradas pelo frade são pressupostas, que não precisam de se repetir, o tempo todo. Ao invés, o frade sustenta que precisamos de as repetir, “com renovado fervor, todo o santo dia, se não, perdem-se”. “Se não fosse preciso sempre redizê-las, por que então o Papa Leão lhas recordou? Sabemos o que acontece quando um homem dá por descontado o amor da sua esposa e não cuida em alimentá-lo. Isso vale, infinitamente mais, em relação à fé e ao amor a Cristo”, considera Clodovis, apontando que “não falta”, na mensagem do CELAM, “o vocabulário da fé”, como Deus, Cristo, evangelização, ressurreição, Reino, missão, esperança, mas, são “palavras postas aí de modo genérico”, porque “não se vê nelas nada de claro conteúdo espiritual” e “fazem, antes, pensar no costumeiro refrão: ‘social, social e social’.”
Os bispos do CELAM sustentam que a 40.ª Assembleia “foi um espaço de discernimento, oração e fraternidade episcopal”, no qual compartilharam “as luzes e sombras” de suas “realidades, os clamores” dos seus “povos e o anseio por uma Igreja que seja casa e escola de comunhão”. “Estamos conscientes dos desafios atuais que afetam nossa região latino-americana e caribenha: a persistência da pobreza e da crescente desigualdade, a violência impune, a corrupção, o narcotráfico, a migração forçada, o enfraquecimento da democracia, o clamor da terra, a secularização, entre outros”, dizem os bispos. E Boff respondeu: “Dizem, sem qualquer hesitação, que ouvem os ‘clamores’ do povo e que estão ‘conscientes dos desafios’ de hoje. Mas a sua escuta vai até o fundo? Não fica na superfície?”
A lista de “clamores” e “desafios” não passa do que observam os jornalistas e os sociólogos. Os bispos não ouvem que, do “mundo profundo”, se levanta “um formidável grito por Deus”, que “até muitos analistas seculares ouvem”. Ora, segundo o frade, para os “clamores sociais”, estão os governos e as organizações não-governamentais (ONG). E a Igreja não pode ficar fora desse jogo, mas não é, nesse campo, a protagonista. O seu campo próprio de ação é outro e mais alto: responder ao “clamor por Deus”.
Clodovis diz saber que os bispos “são, dia e noite, acossados pela opinião pública, para se definirem como ‘progressistas’ ou como ‘tradicionalistas’, ‘da direita’ ou ‘da esquerda’”. “Nisso, São Paulo é categórico”: “Quero que todos nos reconheçam como ministros de Cristo e como administradores dos Mistérios de Deus (1Cor 4,1). Não é, pois, ocioso lembrar que a Igreja é, antes e acima de tudo, Sacramento de salvação e não uma instituição social, progressista ou não.
“Ela existe para anunciar Cristo e sua graça. Aí está o seu foco central, o seu compromisso maior e perene. Tudo o mais vem depois”, destacou o religioso.
Da leitura da mensagem do CELAM, tira-se, quase inevitavelmente, a conclusão de que a grande preocupação da Igreja não é a causa de Cristo e da sua salvação, mas as causas sociais, como a justiça, a paz e a ecologia E o frade observou que “a própria carta que o Papa Leão mandou ao CELAM fala com todas as letras da ‘necessidade urgente de recordar que é o Ressuscitado que protege e guia a Igreja, reavivando-a na esperança, etc.’.”
Recorda-lhes o Santo Padre que a missão própria da Igreja é, nas palavras dele, ‘ir ao encontro de tantos irmãos e irmãs, para lhes anunciar a mensagem da salvação de Cristo Jesus’”, disse Boff. “Entretanto, qual foi a resposta que os venerandos irmãos deram ao Papa? Na carta que lhe enviaram, não há eco das advertências papais. Antes, lhe pedem que os ajude, não a manter viva, na Igreja, a memória do Ressuscitado, não a anunciar aos irmãos a salvação em Cristo, mas a apoiá-los na luta para ‘incentivar a justiça e a paz’ e para ‘sustentá-los na denúncia de toda forma de injustiça’. Em suma, o que fizeram sentir ao Papa foi a velha cantilena: ‘social, social...’, como se ele, que trabalhou, entre nós, durante décadas, nunca a tivesse ouvido”, critica o frade.
O Papa Leão foi missionário e bispo no Peru. Portanto, conhece tanto a realidade social da América Latina como os vários tipos de teologia e pastoral que se praticam no continente.
Dirão os bispos que as verdades lembradas pelo frade são pressupostas, que não precisam de se repetir, o tempo todo. Ao invés, o frade sustenta que precisamos de as repetir, “com renovado fervor, todo o santo dia, se não, perdem-se”. “Se não fosse preciso sempre redizê-las, por que então o Papa Leão lhas recordou? Sabemos o que acontece quando um homem dá por descontado o amor da sua esposa e não cuida em alimentá-lo. Isso vale, infinitamente mais, em relação à fé e ao amor a Cristo”, considera Clodovis, apontando que “não falta”, na mensagem do CELAM, “o vocabulário da fé”, como Deus, Cristo, evangelização, ressurreição, Reino, missão, esperança, mas, são “palavras postas aí de modo genérico”, porque “não se vê nelas nada de claro conteúdo espiritual” e “fazem, antes, pensar no costumeiro refrão: ‘social, social e social’.”
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É,
pois, necessário, o equilíbrio na ação pastoral. A Igreja não pode alhear-se
dos problemas sociais, económicos e ecológicos, mas tem de colocar, em primeiro
lugar o Evangelho de Cristo, e ver Cristo nos pobres, não pondo os pobres no
lugar de Cristo. Uma teologia desencarnada ou puramente teórica é tão maléfica
como uma teologia da libertação radicalizada. As teologias são ferramentas para
chegarmos até Deus, não são o absoluto. Importa escutar toda a modalidade de gritos
genuínos dos homens e das mulheres e dar-lhes a resposta adequada. E a Igreja
tem de estar onde e quando mais ninguém quer estar. E, quanto à advertência de que não se adora a Natureza,
também é de referir que não se adoram os santos (veneram-se), mas só se adora
Deus.
2025.08.18 – Louro de Carvalho
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