Além de ser um ponto turístico que atrai milhões de visitantes por ano, o Cristo Redentor, com os braços abertos sobre o Rio de Janeiro, no Brasil, no Corcovado, é o maior santuário a céu aberto do Mundo, local de oração, de missa, de casamento, de batismo, de confissão, de comunhão e de peregrinação. Todavia, está a ser objeto de disputa entre a Igreja e Estado.
Construído, em 1931, com recursos da arquidiocese do Rio de Janeiro, o monumento é gerido pela mitra arquiepiscopal (personalidade jurídica que administra a arquidiocese) desde a sua inauguração. Agora, o Santuário Cristo Redentor enfrenta uma disputa judicial com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), gestor do Parque Nacional da Tijuca, onde fica o monumento.
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O
ICMBio é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente, criada em 2007, responsável por gerir as unidades de conservação
federais, fiscalizar e promover pesquisas para a proteção da biodiversidade e
dos recursos naturais do país. O seu nome homenageia o seringueiro e
ativista ambiental Chico Mendes. Na gestão de unidades de conservação, administra as 340 unidades de conservação federais e 14 centros de pesquisa e conservação, como parques nacionais e reservas biológicas.
Na conservação da biodiversidade, intervém na preservação da fauna e da flora, incluindo a avaliação de espécies ameaçadas e a proteção do património espeleológico (cavernas).
No âmbito da fiscalização, exerce o poder de polícia ambiental para fiscalizar as unidades de conservação, aplicando penalidades a quem não cumpre as leis ambientais.
Em termos de pesquisa e de fomento, executa e promove a realização de pesquisas científicas para entender e proteger o meio ambiente.
Na promoção do uso sustentável, incentiva e monitoriza o turismo ecológico, o extrativismo sustentável e a exploração económica de recursos naturais, dentro das unidades de conservação, sempre com respeito pela Natureza.
E, no quadro da educação ambiental, trabalha para a conscientização e para o comprometimento da população com os esforços de conservação ambiental.
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O ICMBio
entrou com uma ação de reintegração de posse contra lojistas que ocupam, há
décadas, os espaços comerciais na escadaria de acesso ao monumento, muitos
deles com acordos firmados com a arquidiocese. Embora não seja ré no processo,
a mitra atua como embargante, para defender os direitos que considera seus, nos
espaços de apoio, e para amparar os lojistas.Em 23 de junho de 2025, a 21.ª Vara Federal do Rio de Janeiro decidiu que a área onde está erguido o Cristo Redentor pertence à União e determinou a reintegração de posse dos pontos comerciais do entorno em favor do ICMBio.
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No Brasil, “A
União” refere-se, principalmente, a duas entidades: a entidade
político-administrativa que representa o país como um todo, formada pela fusão
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, ou ao partido político de
centro-direita “União Brasil”, que surgiu da fusão de outros dois partidos, o
Democratas (DEM) e o Partido Social Liberal (PSL). A primeira aceção, a da
União como esfera federal, é a que cuida dos interesses de interesse nacional e
representa o Brasil internacionalmente. Há três esferas de governo, no Brasil: a União (federal), os estados e os municípios, cada um com suas competências próprias.
A União é responsável pela administração federal, em todo o território nacional, representando os interesses do país e cuidando de assuntos de interesse nacional, como o comércio exterior e interestadual.
A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil baseia-se na autonomia dos seus entes federados, não havendo hierarquia entre eles.
O União Brasil, como partido político, teve origem em outubro de 2021, a partir da fusão do DM e do PSL. É, maioritariamente, de centro-direita, com linhas conservadoras e liberais, procurando ser alternativa aos extremos políticos. Defende a democracia, o respeito pelas instituições e a procura de soluções eficientes para a vida dos brasileiros.
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A reação na
imprensa e nas redes sociais à decisão judicial causou confusão sobre a
titularidade e a gestão do Santuário Arquidiocesano Cristo Redentor. Em
resposta, a arquidiocese do Rio de Janeiro publicou um comunicado, a 14 de
agosto, a esclarecer que “o processo judicial em curso não se refere ao monumento
do Cristo Redentor, ao platô [altiplano] ou à Capela de Nossa Senhora
Aparecida. Todos permanecem sob a titularidade da Mitra Arquiepiscopal do Rio
de Janeiro”.No comunicado, a arquidiocese reafirma a sua responsabilidade sobre o santuário e diz que é a “única autoridade institucional legitimamente constituída para se manifestar sobre o uso, gestão e preservação do mesmo”.
“O povo brasileiro precisa de estar certo de que o monumento do Cristo Redentor é sagrado”, diz o padre Omar Raposo, reitor do santuário, em vídeo enviado à ACI Digital e à demais imprensa católica. “Hoje nós temos, em média, 1100 batizados, mais de 200 casamentos por ano, missas todos os dias. Pessoas das mais diversas partes do Mundo vão ali rezar, peregrinar e contemplar a Natureza. Dessa forma, o Cristo Redentor mais do que nunca se torna um lugar de oração de contemplação”.
A origem do monumento remonta ao século XIX com a princesa Isabel, chamada de Redentora por ter assinado a Lei Áurea, que pôs fim à escravidão no país, em 1888. Um grupo de pessoas pediu autorização para levantar fundos para erguer uma estátua dela no alto do Corcovado que fosse visível no que então era toda a cidade do Rio de Janeiro. A princesa imperial autorizou o projeto, mas quis que, em vez da sua, fosse erguida uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, verdadeiro Redentor da Humanidade.
A proposta foi abraçada pela Igreja, e a arquidiocese do Rio de Janeiro arrecadou doações com os fiéis para colocar a imagem do Sagrado Coração de Jesus de braços abertos no alto do Corcovado. O projeto é do engenheiro carioca Heitor da Silva Costa, em 1923. A estátua tem 30 metros de altura, mais oito metros de pedestal. Os braços abertos medem 28 metros de largura.
Na inauguração, em 12 de outubro de 1931, o arcebispo Dom Sebastião Leme declarou: “Cristo vence, Cristo reina, Cristo impera. O Cristo Redentor livrará o Brasil de todos os seus males.”
Desde então, o monumento tem sido cuidado pela arquidiocese, que zela pela sua dimensão espiritual, cultural e ambiental.
“Ao longo desses anos”, diz o padre Omar no vídeo, “o Cristo Redentor sempre cuidado pela arquidiocese do Rio de Janeiro, por ela pensado, tem nessa gestão um olhar atento para o fluxo dos turistas, para o respeito do meio ambiente, um olhar atento para que o acolhimento seja sempre uma marca, um santuário monumental que tem um Cristo de braços abertos”.
O Cristo Redentor é tombado pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desde 1973, e eleito, em 2007, como uma das sete maravilhas do Mundo moderno.
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Tramita no
Senado o Projeto de Lei n.º 3490/2024 (PL 3490/2024), da autoria do
senador Carlos Portinho, do Partido Liberal (PL), que propõe excluir a área do
Alto do Corcovado dos limites do Parque Nacional da Tijuca.O texto do projeto frisa que a presença da Igreja no alto do Corcovado é anterior à criação dos órgãos ambientais. O Parque Nacional da Tijuca foi criado em1961, 30 anos depois da conclusão do monumento, e o ICMBi foi criado em 2007, ou seja, 76 anos depois da inauguração do Cristo Redentor.
O texto também salienta que “a área onde o monumento se encontra foi cedida pela União à Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro para a construção do Santuário do Cristo Redentor” e que, em razão da criação da unidade de conservação, “a Mitra Arquiepiscopal teve a sua autoridade relativizada a ponto de precisar de pedir autorização prévia formal à autarquia gestora do parque para poder aceder o Cristo Redentor”.
Para resolver o problema, o projeto propõe a exclusão de uma fração de 6771,73 m² do parque, menos de 0,02% da área total da Floresta da Tijuca, que é de 39 milhões de m². “Assim”, diz o texto, “a Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro terá liberdade para administrar o complexo, sem as amarras burocráticas que envolvem a gestão de uma unidade de conservação de proteção integral”.
Segundo o texto, trata-se de uma área, maioritariamente, edificada, sem vegetação nativa e de uso turístico e religioso intensivo, pelo que não haverá prejuízo à conservação da biodiversidade.
Também a Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família começou uma petição, na plataforma Citizenfo, a pedir aos senadores que votem com urgência o PL 3490/2024, para garantir que “o Cristo Redentor continue a ser cuidado por quem o construiu e preservou até hoje – a Igreja – e protegido de usos que possam desrespeitar sua natureza de Santuário”.
Para o padre Omar, “essas mobilizações que são naturais e espontâneas mostram como o povo brasileiro admira e gosta e quer cuidar do Cristo Redentor, seu monumento, que chega a ser um património brasileiro, de todos nós, construído pela Igreja, a partir do recurso dos fiéis e que está com os braços abertos para receber tantos outros apoios, além de nos abençoar a todos”.
Segundo a “Agência Senado”, a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) já aprovou a exclusão do morro do Corcovado, que abriga a estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, da área do Parque Nacional da Tijuca. A proposta (PL 3490/2024), que seguiu para a análise da Comissão de Meio Ambiente (CMA), tem o objetivo, segundo o relator, senador Astronauta Marcos Pontes do PL, de resolver conflitos entre a Arquidiocese do Rio de Janeiro, responsável pela administração do monumento e o ICMBio, gestor do parque.
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Em setembro de 1934, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de
Lisboa, visitou o monumento do Cristo Redentor, no alto do Corcovado, no Rio de
Janeiro. Ao retornar a Portugal, teve a ideia de construir um monumento
inspirador para Portugal, que foi concretizado como o Santuário Nacional de
Cristo-Rei, em Almada. O Cardeal Cerejeira presidiu à inauguração do Santuário Nacional de Cristo-Rei, em Portugal, a 17 de maio de 1959, tendo afirmado, no seu discurso que o monumento seria um sinal de gratidão nacional pelo dom da paz.
2025.08.24 – Louro de Carvalho
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