O simples anúncio de uma cimeira, a 15 de agosto, entre os presidentes da Rússia e dos Estados Unidos da América (EUA), na cidade de Anchorage, no Alasca, já surtiu efeito, pela positiva e pela negativa.
Pela positiva, como verifica Una Hajdari, em texto intitulado “Mercados russos sobem antes da cimeira Trump-Putin de sexta-feira”, publicado pela Euronews, no dia 12, “os mercados russos estão a reagir positivamente” à visita de Putin aos EUA – “a sua primeira desde 2015 – com o índice MOEX Rússia a subir acima dos 2950 pontos, o nível mais elevado desde abril. Aliás, o índice subiu, no dia 6, quando Vladimir Putin se reuniu com o enviado especial de Donald Trump, Steve Witkoff, em Moscovo. Depois, voltou a subir, quando foi anunciado o local da cimeira Trump-Putin. E, no dia 12, por volta das 15h15 CEST, 14h15, em Portugal continental, o MOEX estava a ser negociado a 2959,63, uma subida de 1,2%, em comparação com o seu fecho em cerca de 2924,63, no dia 8.
É claro que ainda não se chegou ao nível do início de 2022, antes das sanções impostas à Rússia pela vasão em grande escala da Ucrânia. Na verdade, no final de 2021, o índice MOEX Rússia estava a negociar perto de máximos históricos, acima dos 3800 pontos, graças aos preços do petróleo e à dinâmica de recuperação pós-pandemia.
Os investidores esperam um avanço diplomático na cimeira de Anchorage, talvez a contar com o alívio das sanções ou com o desbloqueio de novos canais comerciais. Com efeito, o salto foi impulsionado pelos gigantes russos da energia, com as ações da Gazprom a subirem 3,65% e as da Novatek 5,44%, de acordo com o Moscow Times.
No entanto, nem tudo são rosas. Una Hajdari admite que o “burburinho geopolítico” influencie os mercados, já que os investidores são encorajados pela possibilidade de resolução do conflito ou desencorajados pelo seu eventual agravamento. Nestes termos, a perspetiva de conversações de alto nível pode desencadear subidas nos setores do comércio, da energia ou das infraestruturas, mas o articulista adverte que “a incerteza ou a falta de resultados podem inverter, rapidamente, os ganhos, o que poderá acontecer, se a tão esperada cimeira não produzir quaisquer resultados tangíveis – algo que é provável, devido ao facto de as potências europeias não estarem, até agora, envolvidas nas conversações entre Trump e Putin”.
Por isso, líderes de países europeus e de outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) agendaram para Berlim uma cimeira com Zelenskyy, prévia a Anchorage.
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Porém,
há outros ruídos em torno da cimeira do Alasca, sobre a pertença do território.No artigo intitulado “Porquê o Alasca? Trump e Putin reúnem-se em local estratégico entre os EUA e a Rússia”, publicado pela Euronews, no dia 13, Marta Iraola Iribarren afirma que a discussão sobre o fim da guerra na Ucrânia – no “primeiro encontro entre presidentes russos e norte-americanos, desde o início da invasão russa em larga escala da Ucrânia” – ocorre “em território norte-americano, num estado com estreitas ligações geográficas e culturais à Rússia”.
A articulista tem uma explicação para a escolha não casual do Alasca. É “o estado mais oriental dos EUA” e “ocupa uma posição estratégica e simbólica nas relações americano-russas que remonta a vários séculos”. Por outro lado, não é a primeira vez que recebe líderes mundiais: “Ronald Reagan encontrou-se com o Papa João Paulo II, em 1984, e Richard Nixon recebeu o imperador japonês Hirohito, em 1971.
Todavia, as conversações com o presidente da Rússia têm, ali, significado maior. Como aponta a articulista, no dia 11, na Casa Branca, Trump disse que “vai à Rússia na sexta-feira”, o que deu a entender que a língua lhe fugiu para a verdade (digo eu). Porém, embora o Alasca tenha integrado Império Russo, os EUA, em 1867, compraram-no ao regime czarista por 7,2 milhões de dólares (cinco cêntimos, por hectare), cerca de 156 milhões de dólares (134 milhões de euros) em valores atuais. E, em 1799, o czar Paulo I criou a Companhia Russo-Americana, estabelecendo ligações comerciais e culturais que ainda se fazem sentir, como recorda, muito bem, a articulista.
Ora, como explica Marta Iribarren, embora parte integrante dos EUA, “o Alasca conserva vestígios visíveis do passado russo”. Assim, permanecem os edifícios históricos e há igrejas ortodoxas russas ativas em cerca de 80 comunidades. Muitas utilizam o antigo calendário ortodoxo russo, incluindo a celebração do Natal a 7 de janeiro. Paralelamente, os povos indígenas, como os Yupik e os Chukchi, vivem em ambos os lados do Estreito de Bering, há séculos; e, apesar da formalização da fronteira entre os EUA e a Rússia, mantêm laços familiares, culturais e comerciais.
E a articulista salienta o valor estratégico do território. Apelidado de “Guardião do Norte”, é o estado americano mais próximo da Rússia: apenas 88 quilómetros separam as partes continentais e, no Estreito de Bering, algumas ilhas encontram-se a apenas 3,8 quilómetros de distância. O governo de Mikhail Gorbachev referia-se-lhe como a “Cortina de Gelo”, por albergar importantes instalações da Força Aérea e do Exército dos EUA, que funcionavam como centros de comando, como centros logísticos e como bases para intercetores de caças em alerta rápido.
A seguir, Marta Iribarren considera: “Atualmente, o Alasca alberga estações do North Warning System, um sistema de radar conjunto dos Estados Unidos e do Canadá para a defesa aérea atmosférica da região. Este sistema assegura a vigilância do espaço aéreo contra potenciais incursões ou ataques provenientes da região polar da América do Norte.”
Ainda, sobre o valor estratégico do território, Marta Iribarren aponta o Alasca como “a porta de entrada para um Ártico em mudança”, pois, o Estreito de Bering “é a única passagem marítima direta entre os oceanos Pacífico e Ártico e, à medida que o gelo marinho recua, devido às alterações climáticas, o valor da rota para a navegação global está a aumentar”. Ao mesmo tempo, afirma que “a Rota do Mar do Norte, que traça a costa russa do Ártico, está a tornar-se mais navegável, oferecendo um caminho mais curto entre a Ásia e a Europa, o que faz eco dos recentes debates sobre o valor estratégico da Gronelândia”.
Efetivamente, como verifica, “o tráfego através do estreito inclui navios porta-contentores, petroleiros, graneleiros que transportam minerais e minérios, e navios que servem as operações de petróleo, gás e minas, no Alasca e na Sibéria”.
E Marta Iribarren não perde o ensejo de enfatizar a riqueza do Alasca em recursos naturais, que diz contribuir para o seu peso estratégico. Assim, “estima-se que o Alasca possua 3,4 milhões de barris de reservas de petróleo bruto e 125 biliões de pés cúbicos de gás natural”, figurando entre os principais estados produtores de petróleo da nação, com grande produção nos campos de North Slope e Prudhoe Bay”. Trata-se de recursos “fundamentais para a segurança energética dos EUA”, “visto que o desenvolvimento do petróleo, do gás e dos minerais essenciais do Alasca reduz a dependência e reforça a segurança económica e nacional”.
E, quanto à produção mineral do estado, a articulista refere “quantidades significativas de zinco, chumbo e carvão, juntamente com outros materiais considerados essenciais para a indústria moderna” – a par das “vastas florestas boreais”, que fornecem madeira, “sendo as empresas nativas responsáveis por mais de metade da produção total do Alasca”.
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De
acordo com um artigo de Mared Gwyn Jones, sob o título “Cimeira Trump-Putin:
estará a Rússia realmente a contestar a soberania dos EUA sobre o Alasca?”,
publicado também pela Euronews, a 14
de agosto, a propósito da cimeira entre Vladimir Putin e Donald Trump agendada
para o dia 15 ressurgiu na Internet a
especulação de que o Kremlin rejeita a legitimidade da venda do Alasca aos EUA
pela Rússia, em 1867.Como Marta Iribarren, também Mared Gwyn Jones sinaliza o caráter prático da escolha do local, pois, “o Alasca continental e a Rússia estão separados por apenas 90 quilómetros, enquanto a ilha Little Diomede do Alasca fica a menos de quatro quilómetros da ilha Big Diomede da Rússia, no Estreito de Bering”. E tem outra vantagem: “Putin poderá viajar para as conversações evitando o espaço aéreo dos países ocidentais que poderiam tentar intercetar o seu voo para fazer cumprir o mandado de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI).”
Mared Gwyn Jones sublinha o lado simbólico da escolha, referindo que “o Alasca foi, em tempos, uma verdadeira colónia russa”, até que, em 1867, o czar russo Alexandre II o vendeu aos EUA “por 7,2 milhões de dólares, para ajudar a pagar as elevadas dívidas contraídas durante a guerra da Crimeia de 1853-1856”. Ora, a Rússia teve, em 2014, a guerra da Ucrânia por causa da Crimeia.
Para o Kremlin, o Alasca não era considerado parte economicamente significativa do seu território, no dizer de Mared Gwyn Jones, e foi oficialmente proclamado o 49.º estado dos EUA em 1949, sendo, atualmente, o maior dos atuais 50 estados dos EUA.
Não obstante, Mared Gwyn Jones sustenta que a cimeira de Anchorage reacendeu a narrativa do Alasca como terra russa histórica, com altos funcionários do Kremlin e aliados a vincarem “a Herança e a História russas do território” – teoria que não é nova, pois, em 2024, Olga Skabeyeva, propagandista da televisão estatal russa, referiu-se ao território como “o nosso Alasca”.
Mared Gwyn Jones lembra que Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, brincou, nas redes sociais, com a possibilidade de entrar em guerra com os EUA, por causa do território. Kirill Dmitriev, um dos principais negociadores do Kremlin, que dirige o Fundo Russo de Investimento Direto, disse, recentemente que o Alasca é um “americano russo” e sugeriu que a cimeira poderia desencadear cooperação mais estreita entre Moscovo e Washington, no Ártico. E um cartaz de 2022 com a mensagem “O Alasca é nosso”, que provocou, na altura, a indignação de alguns senadores norte-americanos, reapareceu.
De acordo com o articulista em referência, a especulação de que Moscovo está a tomar medidas para recuperar o território circula amplamente, mas não há “provas públicas de que Moscovo tenha anulado a venda do Alasca, em 1867”. Porém, a especulação foi alimentada pelo facto de Donald Trump ter confundido o Alasca com a Rússia, numa conferência de imprensa, no dia 11, ao dizer que iria viajar para a “Rússia”, para se encontrar com Vladimir Putin, apesar de ter confirmado o Alasca como o local do encontro.
Face a tal asserção, alguns utilizadores das redes sociais sugeriram que uma decisão do Supremo Tribunal russo de 2022 anulara a venda do Alasca aos EUA, em 1867. Contudo, o Euroverify não encontrou qualquer documento oficial a corroborar essa afirmação.
Outros utilizadores referiram-se a um decreto de 2024 que, supostamente, declarava ilegal a venda do Alasca, em 1867. O decreto existe, com a data de 18 de janeiro de 2024, e atribui fundos à pesquisa, ao registo e à proteção legal dos bens históricos da Rússia, no estrangeiro. Porém, como refere Mared Gwyn Jones, “não faz qualquer referência ao Alasca ou a qualquer das reivindicações históricas da Rússia sobre o território”, embora, alguns analistas acreditem que o Kremlin poderá utilizar o decreto para reabrir disputas históricas, não só no Alasca, mas também em antigos territórios russos.
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Outra fonte
de ruído vem de Donald Trump, ao ter dito, na conferência de imprensa do dia
11, que saberá, logo após o encontro, se Vladimir Putin quer um acordo de paz
com a Ucrânia. “No final
da reunião, provavelmente, nos primeiros dois minutos, saberei, exatamente, se
é possível ou não chegar a um acordo”, afirmou, numa conferência de imprensa na
Casa Branca, convocada para anunciar os planos de aquisição federal da força
policial de Washington para ajudar a combater a criminalidade. Assim, a reunião
com Vladimir Putin seria “uma reunião de avaliação”, que “será boa, mas poderá
ser má”. O presidente do Conselho Europeu poderá dizer: “Muita sorte, continuem
a lutar.” E Trump poderá dizer: “Podemos chegar a um acordo.”Donald Trump chegou a expressar a sua frustração por a Rússia não ter levado mais a sério a pressão para um cessar-fogo e suavizou o seu tom em relação a Volodymy Zelenskyy, mas os comentários do dia 11 sugerem que pode ter mudado de opinião.
O presidente norte-americano repetiu, sem entrar em detalhes, que qualquer acordo importante poderia envolver trocas de terras e ameaçou Moscovo com mais sanções económicas, se não for feito mais para trabalhar para um cessar-fogo, mas sugeriu que, se a reunião for bem-sucedida, poderá ver um dia em que os EUA e a Rússia normalizem as relações comerciais. No entanto, espera-se que Putin seja inabalável nas suas exigências de manter todo o território que as suas forças ocupam, atualmente, e de impedir a Ucrânia de aderir à NATO, com o objetivo, a longo prazo, de a capturar para a esfera de influência de Moscovo.
Entretanto, o The Telegraph noticiou que o presidente dos EUA está disposto a oferecer à Rússia acesso aos recursos naturais do Alasca, em troca do fim da guerra contra a Ucrânia. Entre os incentivos, conta-se o acesso aos recursos naturais do Alasca, bem como aos minerais de terras raras ucranianos e o levantamento de algumas sanções contra a indústria aeronáutica russa. Para tanto, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, e outros altos funcionários da administração estão, alegadamente, a trabalhar em estreita colaboração com Donald Trump, para finalizar as propostas antes da cimeira.
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Enfim,
o presidente dos EUA almeja o Prémio Nobel da Paz. Para isso, independentemente
dos verdadeiros resultados, importa que os acordos estejam no papel e as armas
façam alguma trégua. Está disposto a comprar e a vender dentro e fora do país,
os produtos mais apelativos, como se dá ao capricho de escolher e de descartar
os interlocutores. São os efeitos da guerra atroz, da falência da diplomacia e
da ambição exacerbada.
2025.08.14 – Louro de Carvalho
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